Antonio
Carlos Egypto
MIA MADRE (Mia
Madre). Itália, 2015. Direção: Nanni Moretti. Com Margherita Buy, John Turturro, Nanni
Moretti, Giulia Lazzarini, Beatrice Mancini.
107 min.
Nanni Moretti é um realizador italiano de grande
talento e sensibilidade, capaz de mostrar o cotidiano da vida ao lado das
questões políticas e filosóficas que o envolvem, no drama ou na comédia. Seu humor é inteligente, muito crítico, seu
jeito de lidar com as emoções, muito verdadeiro. Não há perfumaria nos seus filmes, tudo é
importante. Até o que não parece ser, o
que é mais banal.
A obra cinematográfica do cineasta relaciona o
pessoal e o político em personagens como o próprio Papa, no seu filme anterior,
“Habemus Papam”, de 2011. Ou o cinema e
Berlusconi, em “O Crocodilo”, de 2006, a vida pessoal e a cidade de Roma, em
“Caro Diário”, de 1993, entre outros.
“Mia Madre”, seu mais recente trabalho, dialoga com
um de seus melhores filmes anteriores, “O Quarto do Filho”, de 2001. Nos dois casos, é de perda e de luto que se
trata. Tema difícil, doloroso, que exige
cuidado no trato. Moretti transita muito
bem nesse terreno e sem perder o humor.
Margherita (Margherita Buy) é a protagonista da
história. Diretora de cinema, está
realizando um longa-metragem que discute questões políticas atuais, como a luta
pela manutenção do emprego, o enfrentamento da repressão da polícia, os
interesses econômicos do capital.
Rigorosa e exigente, encontra problemas na atuação e no relacionamento
com um astro internacional que incluiu em seu filme, Barry Huggins (John
Turturro).
Em meio à lida com seu ofício, Margherita tem de
tratar de questões pessoais importantes: a mãe está muito doente,
hospitalizada, exigindo cuidados. Ela compartilha
essa tarefa, as decisões e os sentimentos que a envolvem, com seu irmão
Giovanni (Nanni Moretti). Enquanto isso,
sua filha vive a adolescência e tem um forte vínculo com a avó, que sempre a
ajudou no estudo do latim.
A proximidade da morte faz com que todos tenham de
lidar com a perda de uma pessoa querida, que sempre foi forte, decidida, uma
educadora e intelectual de mão cheia, sempre lembrada e procurada por
ex-alunos.
O filme explora a dimensão da realidade da cineasta,
ao mesmo tempo em que traz à tona suas memórias e reflexões, suas inseguranças,
medos e sonhos. Tudo tão amalgamado que
chega a se confundir. A memória muitas
vezes nos trai, a realidade dela é parcial, fragmentada. Nossos desejos se misturam com nossas
percepções, os fatos, com a imaginação, tudo pode mesclar-se. E, no entanto, a vida exige de nós
objetividade, quase o tempo todo. Essa
dimensão fluída do real é muito bem captada pelo cinema de Nanni Moretti e é um
dos pontos altos do filme.
A atriz Margherita Buy tem excelente atuação ao
protagonizar essa trama. John Torturro
dá um ótimo toque de estranheza e humor ao personagem do ator-problema
estrangeiro, que é também uma figura adorável, apesar de tudo. Moretti como ator tem agora um papel um pouco
menor, mas igualmente importante na narrativa.
A atriz veterana Giulia Lazzarini, no papel de Ada, a mãe doente, atua
com uma placidez muito apropriada à figura retratada e aos seus momentos finais
de vida.
“Mia Madre” não tem a força mobilizadora de grandes
emoções, que “O Quarto do Filho” tinha, mas isso também tem a ver com a questão
retratada. A perda de um filho jovem é
mais importante e demolidora do que a perda de uma mãe já idosa. Aqui, algo da ordem natural das coisas segura
o desespero da perda. Tudo acaba se
dando de um modo mais sereno, ou um pouco menos perturbado. Mas são momentos decisivos na vida das
pessoas. Sofridos e complexos. É o fluxo da vida. Que o cinema possa retratá-lo com dignidade e
ajudar a compreendê-lo é muito bom.
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