Antonio Carlos Egypto
TATUAGEM.
Brasil, 2013. Direção e roteiro:
Hilton Lacerda. Com Irandhir Santos,
Jesuíta Barbosa, Rodrigo Garcia, Sílvio Restiffe, Sylvia Prado. 110 min.
“A
porta do barraco era sem trinco
Mas
a lua furando nosso zinco,
Salpicava
de estrelas nosso chão...
Tu
pisavas os astros, distraída,
Sem
saber que a ventura desta vida
É
a cabrocha, o luar e o violão...”
Esses são os versos finais de “Chão de Estrelas”, letra
de Orestes Barbosa para um grande clássico da música popular brasileira, que
teve sua primeira gravação realizada em 1937 por Sílvio Caldas, também autor da
canção.
O que tem isso a ver com o filme de Hilton Lacerda,
“Tatuagem”? Chão de Estrelas é o nome de uma casa de shows e teatro
alternativo, onde os personagens provocavam a ditadura brasileira da época, em
1976, no Recife. Um momento em que a ditadura militar já dava sinais de
esgotamento, mas a censura permanecia ativa.
Os espetáculos de cabaré do Chão
de Estrelas procuravam mexer com a moral estabelecida, por meio do
escracho, da nudez, do homoerotismo, de um modo um tanto histérico, alternando
cantos, danças e performances, que
usam letras chulas e palavrões, com belas canções da MPB. Daí se vê que o nome do estabelecimento não é
gratuito, é uma homenagem à canção brasileira.
Assim como a interpretação de “Esse Cara”, de Caetano Veloso, por Clécio
(Irandhir Santos), marca o momento da conquista do soldado Fininha (Jesuíta
Barbosa). Ou, ainda, o encerramento
pregando a paz, após a guerra vivida, que convoca a gravação de Dalva de
Oliveira para cantar, a plenos pulmões, “Bandeira Branca”. O que é mais alternativo reverencia a velha e
nova MPB.
“Tatuagem” é um filme que mostra a resistência pelo
lado da contestação anárquica, comportamental e de valores. É um filme libertário e, ao mesmo tempo,
provocador, também para os dias de hoje.
Podemos relacioná-lo na nossa história recente às contestações do teatro
Oficina, do Zé Celso, dos Dzi Croquettes ou dos primeiros trabalhos
provocadores do cinema de Pedro Almodóvar, na Espanha recém-liberada do
franquismo. Para se contrapor à
repressão, nada melhor do que a festa, correndo o risco de acabar na cadeia.
O diretor pernambucano Hilton Lacerda é um experiente
roteirista de filmes, como “Baile Perfumado”, de 1997, “Amarelo Manga”, de
2003, “Árido Movie”, de 2004, “A Febre do Rato”, de 2011, entre outros. Codirigiu, com Lírio Ferreira, o ótimo
documentário “Cartola – Música para os Olhos”, de 2007, outra incursão dele na
música brasileira. Dirige agora seu
primeiro longa de ficção, com muito vigor.
No elenco, o grande destaque vai para o protagonista
Irandhir Santos, que a cada filme se afirma como um dos melhores atores do
cinema brasileiro. Mas Jesuíta Barbosa e
Rodrigo Garcia também dão bem conta de seus papéis, assim como o restante do
elenco. “Tatuagem” venceu o Festival de
Gramado, obtendo o Kikito de melhor filme.
Foi exibido também no Festival do Rio 2013 e na 37ª. Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo.
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