Antonio
Carlos Egypto
A SORTE EM SUAS MÃOS (La Suerte En Tus Manos).
Argentina, 2012. Direção: Daniel
Burman. Com Jorge Drextler, Valeria
Bertuccelli, Norma Aleandro, Luis Brandoni.
110 min.
Há quem creia que o que tem de nos acontecer
acontece. A nossa vida pode já estar
pautada por um destino ao qual não temos acesso, mas intuímos seus
caminhos. Quem sabe nos coloquemos
inconscientemente em sua rota. Ou,
talvez, façamos escolhas que nos parecem não terem sido feitas por nós. Decidimos, sem nos darmos conta do que
fizemos ou por que fizemos. Escolhas
conscientes e planejadas também existem e, seguramente, direcionam nossos
rumos. Embora nem sempre se realizem
como gostaríamos. Algumas vezes, apesar
de nosso empenho, o que se dá é o fracasso da proposta ou da tentativa. Há casos em que nós mesmos solapamos nossas
escolhas, inviabilizando-as com atitudes que as contradizem ou põem tudo a
perder. De qualquer modo, pode-se dizer
que a sorte está, de alguma forma, em nossas mãos.
Estas são algumas das questões suscitadas pelo novo
filme de Daniel Burman, “La Suerte en Tus Manos”. Ele é um cineasta muito hábil em lidar com os
incômodos e ambiguidades dos relacionamentos humanos e, de um ponto de vista
contemporâneo, considerar as influências de valores morais, étnicos e
religiosos.
O personagem Uriel (Jorge Drextler) confia pouco em
si mesmo, na relação com as mulheres.
Está vivendo um divórcio recente, cuidando de dois filhos, e teme pela
aceitação delas, já que devem lhe faltar atributos sedutores. No entanto, é um bem sucedido empresário de
finanças, tocando um escritório que herdou do pai, e um talentoso e
autoconfiante jogador de pôquer. Vai daí
que uma antiga namorada, que o deixou tempos atrás, reaparece do nada. E também está saindo de um
relacionamento. Buscando reconquistá-la,
ele mente. Ou, melhor, quando vê já
mentiu. Hábitos de um jogador bem
sucedido, que costuma enganar seus parceiros no baralho? Como uma mentira para se sustentar exige
outras, o imbroglio está formado.
Conversando com um rabino, Uriel procura validar seus
atos mentirosos frente à Torá e pede sua ajuda.
Mas isso é complicado demais. A
verdade é essencial para o livro sagrado.
O que será que a Torá fala sobre o pôquer? Parece que nada contra. Como é possível ter êxito no pôquer sem
mentir? Impossível. Então...
Afinal, por que é tão difícil lidar com a verdade dos
fatos? A sedução, por definição,
engendra uma mentira? Glória (Valeria
Bertuccelli), a ex-namorada que está de volta, o abandonou por causa de suas
manias e mentiras. Não seria justamente
o momento de reconstruir a relação em outras bases? Mas se, já no primeiro encontro, ele omitiu
que não poderia transar com ela naquele dia porque havia acabado de se submeter
a uma vasectomia, como evitar que ela se sinta rejeitada?
“A Sorte Em Suas Mãos” é, sem dúvida, um filme
inteligente, instigante, rico de sugestões e possibilidades. Argentino, judaico e universal. Como, aliás, todos os filmes de Daniel
Burman. Eu destacaria três outros
trabalhos dele, de que gosto muito: “O Abraço Partido”, de 2004, “As Leis de
Família”, de 2006, e “Dois Irmãos”, de 2010.
São filmes que também tratam do cotidiano atual, com ironia e bom humor,
sempre provocando reflexões com base em elementos e situações concretos.
Chama a atenção, ainda, que o protagonista masculino
do filme seja o ótimo cantor e compositor uruguaio Jorge Drextler, que levou o
Oscar pela canção El otro lado del río,
incluída no filme de Walter Salles, “Diários de Motocicleta”. Aqui, ele trabalha como ator principal, dá
conta do recado e não canta. Mais um
talento que ele nos revela.
A atriz Valeria Bertuccelli é muito expressiva e
comunicativa, nos conquista ao desempenhar muito bem o seu papel. Passa todas as sensações e sentimentos de que
precisa para provocar nossas reflexões a respeito do que vemos.
Ainda temos a veterana e brilhante Norma Aleandro, no
papel da mãe de Glória, que faz um programa de rádio sobre literatura, de alto
nível. Dá para imaginar? Em suma, um filme envolvente e cativante, que
quando acaba a gente ainda queria mais.
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