quinta-feira, 12 de julho de 2012

NA ESTRADA

  Antonio Carlos Egypto


NA ESTRADA (On The Road).  Estados Unidos, 2011.  Direção: Walter Salles.  Com Sam Riley, Garrett Hedlund, Kristen Dunst, Kristen Stewart, Viggo Mortensen, Alice Braga.  140 min.

O livro de Jack Kerouac “On The Road” é a obra literária mais marcante da chamada geração beat, dos anos 1950 do pós-guerra.  É também uma das principais fontes de inspiração do movimento hippie dos anos 1960.  É obra de ruptura da linguagem conservadora e convencional, da narrativa literária clássica, das histórias com começo, meio e fim, dos personagens psicologicamente bem estruturados e explicados e coisas desse gênero.

O livro de Kerouac é, na verdade, a descrição de experiências de aventura e autoconhecimento que se tem “metendo o pé na estrada”, desbravando territórios humanos e culturais inexplorados à vivência rotineira do cotidiano.  Mais do que isso: é um relato de paisagens geográficas e humanas que incluem  pensamentos, sentimentos, sensações, fantasias, sonhos, delírios, imaginação.  Abordam pessoas e relacionamentos mais fortes e duradouros, mas também muitos que se dão ao acaso no circular das estradas, no caso, dos Estados Unidos da América e também do México.


O livro é um relato em primeira pessoa do escritor Sal Paradise, personagem de ficção inspirado intensamente na própria experiência de vida e de estrada do próprio Jack Kerouac.  É um relato que se nutre de personagens libertários, loucos mesmo, que são mostrados sem moralismo ou explicações para que possamos entendê-los.

O principal personagem depois de Sal é Dean Moriaty, um cara louco pela vida, pelo sexo, pelo álcool e por todo o tipo de drogas psicoativas, pelo jazz, pela estrada, pela velocidade, por uma existência sem amarras ou compromissos de nenhuma espécie.  O livro é também povoado pelas mulheres de Dean, por descrições dos personagens dos mais diversos, entre eles, as mulheres que se relacionam com os demais jovens, que fazem parte das viagens, encontros, amores e amizades que se estabelecem e se desfazem.

É ainda um relato umbilicalmente vinculado ao mapa dos Estados Unidos, às rotas de leste a oeste, de Nova York a São Francisco, às muitas e frequentes paradas no centro do país, em Denver, à descrição de suas paisagens, de caminhos reais ou fictícios, e do tipo de vida de cada lugar por onde passam os inveterados viajantes beats.


Já há algum tempo, projetos de levar o livro às telas ficaram engavetados ou adiados, até que coube ao cineasta brasileiro Walter Salles a tarefa de realizá-lo, a partir de produção de Francis Ford Coppola.  Um desafio incrível para qualquer diretor, mas ainda maior para um não norte-americano.

Ninguém, em parte alguma do mundo cinematográfico, pode duvidar das possibilidades de Walter Salles, depois de realizar filmes notáveis, como “Central do Brasil”, de 1998, “Terra Estrangeira”, de 1996, “Abril Despedaçado”, de 2001, e um road-movie como “Diários de Motocicleta”, de 2004, com base nas experiências de viagens pela América do Sul, que ajudaram a moldar as crenças políticas de Che Guevara.  Ainda assim, é complicado, até para um cineasta com o talento que ele tem, realizar uma produção internacional desse porte, baseada justamente nessa obra literária tão desafiadora.


Walter Salles se valeu de jovens atores e atrizes do cinema norte-americano, com Sam Riley para o papel de Sal Paradise, Garrett Hedlund no de Dean Moriaty, as duas Kristen, a Stewart (da saga Crepúsculo) e a Dunst para viver os papéis femininos de mais destaque, mulheres de Dean.  E há ainda nomes de peso da atuação cinematográfica, como Viggo Mortensen como Old Bull Lee, além da brasileira Alice Braga.  O elenco dá conta do recado.

A caracterização da época das viagens: 1947, 1949 e 1950, está também muito boa.  E não há dúvida: o filme é bastante fiel ao livro.  Fidelidade à obra literária nem sempre é o melhor caminho.  Pode inibir a concepção cinematográfica, ou tolher sua criatividade e inovação.  Não é o caso aqui.  Walter Salles consegue equilibrar o respeito que tem ao livro, que foi muito inspirador também para a vida dele, segundo suas declarações em entrevista, procurando transmitir a essência do sentido libertário que é a marca de uma geração.  Nesse sentido, o filme dialoga com a juventude atual, apresentando um modelo de conduta que, historicamente, é datado, cujos questionamentos, no entanto, permanecem atuais.


As respostas ou a loucura podem não ser as mesmas.  Aquilo que se coloca para o hemisfério norte é diferente daquilo que se apresenta para o hemisfério sul.  Haja vista a viagem do Che, em comparação com esta.  Com o Che, a autodescoberta acaba ofuscada pela questão social.  Aqui, o autoconhecimento e a diversidade podem ocupar o primeiro plano.  Walter Salles soube mostrar muito bem essa diferença, é só comparar os dois trabalhos.  Se a riqueza do relato de Jack Kerouac não está toda no filme, o trabalho cinematográfico tem sua riqueza própria e merece ser conhecido.

Um comentário:

  1. Achei o filme muito enfadonho... essa geração dos rebeldes sem causa , pela forma como nos é apresentada, certamente não leria Proust, Joyce ou citaria Rimbaud. Estão mais para aqueles jovens desesperançados do " A Última sessão de Cinema", uns simplórios, desajustados para os quais a estrada do título serve apenas e tão sómente para realizar o que julgavam ser moderno. Ruim. Walter Salles irreconhecível... quem terá feito Central do Brasil? Terá sido ele mesmo?

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