Antonio Carlos Egypto
BLACK
TEA: O AROMA DO AMOR (Black Tea). Mauritânia, 2024. Direção: Abderrahmane Sissako. Elenco: Nina Mélo, Chang Han, Michael Chang,
Wu Ke-Xi. 110 min.
Abderrahmane
Sissako é o nome, quase impronunciável para nós, de um grande cineasta da
Mauritânia. Quem viu “Timbuktu”, um
belíssimo filme que ele realizou em 2015, sabe do que eu estou falando.
Desta
vez, ele nos traz uma narrativa amorosa, de encontros e desencontros, presente
e passado em conflito, mas tudo com muita sutileza e suavidade, envolvendo
africanos em diáspora e chineses.
A
jovem Aya, da Costa do Marfim, decide mudar de vida após rejeitar no altar um
casamento que não a faria feliz e vai viver na China, cuidando de uma loja de
exportação de chá. É lá que ela conhece
e passa a admirar Cai, um chinês mais velho, que a conduz pelos meandros das
famosas cerimônias do chá. Aprendemos
com ele que o chá se degusta em três goles, após sentir o aroma, no primeiro,
sorvendo a atmosfera, depois, a fragrância e, por último, os sentimentos.
O
envolvimento amoroso entre Aya e Cai vai encontrar barreiras nos preconceitos,
são duas culturas distintas que precisam se conhecer bem para conviver em
paz. Isso acontece no cotidiano do
trabalho no bairro africano da cidade chinesa Guangzhou, nas lojas de comércio, nos
espaços públicos, nos cantos e danças mostrados com fartura no filme. Destaque para as belas mornas de Cabo Verde.
Quando
se está perto, convivendo lado a lado, as distâncias tendem a se dissolver e o
conhecimento do outro, a alteridade, nos enriquece. Os diferentes personagens que circulam nesse
ambiente comum nos mostram que tudo pode fluir muito bem nessa diversidade, em
que o respeito e o afeto se sobressaem.
Ainda assim, cada qual tem sua história, seus desejos, expectativas,
frustrações e um passado que reverbera no presente.
É o
caso de Aya, mas também de Cai, que tem uma história passada que o liga à
África e a uma filha abandonada por lá.
As influências se misturam dos dois lados. Acima das diferenças, paira a humanidade,
comum a todos. E os problemas, dos quais
ninguém escapa.
Ao
longo dessa trama, “Black Tea” nos faz conviver com os elementos constitutivos
das culturas africanas e chinesas e das distinções dentro delas, também. E, claro, das limitações que elas
apresentam. Em especial, exigindo a
coragem do enfrentamento para as mulheres que quiserem conquistar seus espaços
de felicidade. A sororidade pode
aparecer diante de conflitos amorosos ou familiares.
Tudo
isso se dá num clima em que, mesmo as grandes tensões, não gerarão gritos,
pancadaria, violência ou histeria. O que
os personagens vivem está mais dentro deles, expresso por poucas palavras e
gestos. Silêncios, inclusive. O ambiente permanece, pelo menos
aparentemente, calmo.
Destaques
no elenco são os dois principais protagonistas.
Nina Mélo , que faz Aya, é uma jovem negra belíssima e de grande
talento. O seu partner chinês, Chang Han, é igualmente muito bom, no seu
ritmo. E todos os demais atores e
atrizes os acompanham muito bem.
Há
sequências muito atraentes e bem montadas, com belos enquadramentos. A direção de arte compôs muito bem os
cenários, e os figurinos, com destaque para os vestidos vermelhos, também
merecem menção. Os ambientes ajudam a
criar o clima da história. A música e a
dança dão o toque necessário para essa trama que celebra a diversidade sem
alarde, com discrição e sutileza. Tal
como o ritual do chá.
“Black
Tea” é o filme inaugural da Mostra de Cinemas Africanos 2024, que ocorre no
Cinesesc, em São Paulo, de 11 a 18 de setembro, apresentando 16 longa-metragens
e 4 curtas da produção atual de 14 países africanos. Em seguida, a Mostra acontecerá de 18 a 25 de
setembro, em Salvador, na Bahia.
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