terça-feira, 10 de setembro de 2024

BLACK TEA

Antonio Carlos Egypto

 



BLACK TEA: O AROMA DO AMOR (Black Tea).  Mauritânia, 2024.  Direção: Abderrahmane Sissako.  Elenco: Nina Mélo, Chang Han, Michael Chang, Wu Ke-Xi.  110 min.

 

Abderrahmane Sissako é o nome, quase impronunciável para nós, de um grande cineasta da Mauritânia.  Quem viu “Timbuktu”, um belíssimo filme que ele realizou em 2015, sabe do que eu estou falando.

 

Desta vez, ele nos traz uma narrativa amorosa, de encontros e desencontros, presente e passado em conflito, mas tudo com muita sutileza e suavidade, envolvendo africanos em diáspora e chineses.

 

A jovem Aya, da Costa do Marfim, decide mudar de vida após rejeitar no altar um casamento que não a faria feliz e vai viver na China, cuidando de uma loja de exportação de chá.  É lá que ela conhece e passa a admirar Cai, um chinês mais velho, que a conduz pelos meandros das famosas cerimônias do chá.  Aprendemos com ele que o chá se degusta em três goles, após sentir o aroma, no primeiro, sorvendo a atmosfera, depois, a fragrância e, por último, os sentimentos.

 

O envolvimento amoroso entre Aya e Cai vai encontrar barreiras nos preconceitos, são duas culturas distintas que precisam se conhecer bem para conviver em paz.  Isso acontece no cotidiano do trabalho no bairro africano da cidade chinesa Guangzhou, nas lojas de comércio, nos espaços públicos, nos cantos e danças mostrados com fartura no filme.  Destaque para as belas mornas de Cabo Verde.

 

Quando se está perto, convivendo lado a lado, as distâncias tendem a se dissolver e o conhecimento do outro, a alteridade, nos enriquece.  Os diferentes personagens que circulam nesse ambiente comum nos mostram que tudo pode fluir muito bem nessa diversidade, em que o respeito e o afeto se sobressaem.  Ainda assim, cada qual tem sua história, seus desejos, expectativas, frustrações e um passado que reverbera no presente.

 

É o caso de Aya, mas também de Cai, que tem uma história passada que o liga à África e a uma filha abandonada por lá.  As influências se misturam dos dois lados.  Acima das diferenças, paira a humanidade, comum a todos.  E os problemas, dos quais ninguém escapa.

 


Ao longo dessa trama, “Black Tea” nos faz conviver com os elementos constitutivos das culturas africanas e chinesas e das distinções dentro delas, também.  E, claro, das limitações que elas apresentam.  Em especial, exigindo a coragem do enfrentamento para as mulheres que quiserem conquistar seus espaços de felicidade.  A sororidade pode aparecer diante de conflitos amorosos ou familiares.

 

Tudo isso se dá num clima em que, mesmo as grandes tensões, não gerarão gritos, pancadaria, violência ou histeria.  O que os personagens vivem está mais dentro deles, expresso por poucas palavras e gestos.  Silêncios, inclusive.  O ambiente permanece, pelo menos aparentemente, calmo.

 

Destaques no elenco são os dois principais protagonistas.  Nina Mélo , que faz Aya, é uma jovem negra belíssima e de grande talento.  O seu partner chinês, Chang Han, é igualmente muito bom, no seu ritmo.  E todos os demais atores e atrizes os acompanham muito bem.

 

Há sequências muito atraentes e bem montadas, com belos enquadramentos.  A direção de arte compôs muito bem os cenários, e os figurinos, com destaque para os vestidos vermelhos, também merecem menção.  Os ambientes ajudam a criar o clima da história.  A música e a dança dão o toque necessário para essa trama que celebra a diversidade sem alarde, com discrição e sutileza.  Tal como o ritual do chá.

 


“Black Tea” é o filme inaugural da Mostra de Cinemas Africanos 2024, que ocorre no Cinesesc, em São Paulo, de 11 a 18 de setembro, apresentando 16 longa-metragens e 4 curtas da produção atual de 14 países africanos.  Em seguida, a Mostra acontecerá de 18 a 25 de setembro, em Salvador, na Bahia.



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