TESTAMENTO (Testament). Canadá, 2023.
Direção e roteiro: Denys Arcand.
Elenco: Remy Girard, Sophie Lorain, Guylaine Tremblay, Caroline Néron,
Robert Lepage. 115 min.
Denys
Arcand, um dos mais importantes cineastas do Canadá, da região de Québec, foi
sempre um diretor antenado com as questões da contemporaneidade. Como atestam filmes como “Declínio do Império
Americano”, de 1986, “Jesus de Montreal”, de 1989, e “Invasões Bárbaras”, de
2003. Em “Testamento”, ele, aos 83 anos
de idade, se debruça sobre o chamado campo do politicamente correto, da postura
anticolonialista e das questões identitárias, totalmente relevantes e
prevalentes no momento atual.
Não
deixa de se referir aos extremos climáticos que tanto preocupam, mas o faz só
ao final, na forma de blague. Aliás, o
filme todo se vale da piada, do comentário irônico e até do deboche. Aí é que mora o perigo!
Claro
que os exageros são demonstrativos de que há algo a condenar por aí. Exemplo no filme: um homem que faz muitos
exercícios, alcança muitos quilômetros em maratonas na bicicleta, tem uma vida
ultrassaudável, alimentação balanceada e tudo o mais, em torno dos 60 anos de
idade. Sua mulher critica os que não
fazem como ele e acaba por se desesperar ao constatar que ele morre de morte
súbita, ao chegar de uma dessas maratonas, em que exigia de si mesmo muito
esforço. OK. Mas a prática de exercícios equilibrados e
controlados, em qualquer idade, feita moderadamente é desejável. Ou não?
Fazer
piada depreciativa de quem já está vulnerável ou desprestigiado na escala
social, objeto de preconceitos, discriminações e agressividade, se
justifica? Basta dizer que se as pessoas
riem é porque é engraçado e tudo bem?
Atacar quem já está espezinhado pela palavra, pelo humor, pelo deboche,
é engraçado por quê? Revela o que está
escondido, reprimido, escamoteado.
Aquilo que rejeitamos, inconscientemente, que não admitimos, não queremos
ver. Nesse sentido, dá até para invocar
Freud em defesa do tal do politicamente correto. Claro, regras e proibições são coisas chatas,
incômodas, desagradáveis. Mas, gostemos
ou não, têm uma razão de ser. Pelo menos
até que possamos evoluir na compreensão e aceitação dos outros. “Testamento” não tem essa preocupação
crítica, que seria necessária, partindo de um cineasta com reconhecida lucidez
política.
A
questão mais explorada no filme é o ativismo político anticolonialista, que
implica com um mural artístico de grande beleza que, supostamente, insulta as
primeiras nações indígenas, os povos originários. Diante do colonizador vestido com pompa e
postura altiva estão indígenas seminus, com penas, etc.. Um pequeno grupo de ativistas, que nem são indígenas,
conseguem gerar uma difusão pela mídia, que põe em risco a obra de arte. E o que se vê é espantoso. E ridículo.
Ninguém pode concordar. Mas a
postura colonialista merece ou não ser discutida? Se não é essa a forma, qual seria? E por aí vai.
Estou
chamando a atenção para um filme bem realizado, com um elenco excelente, a
começar pelo protagonista, o ator Remy Girard, e também Sophie Lorain,
intérpretes habituais do cinema de Arcand, e que funciona bem como comédia, de
que o terreno é escorregadio. É preciso
cuidado para lidar com esses temas, porque eles têm um lado caricato, sim, mas
são também relevantes e importantes para a sociedade contemporânea do século
XXI. Eu não gostei muito da abordagem do
filme, ele ficou parcial e, em nome da ironia, simplificou as coisas. É um pouco assim, mas não é bem assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário