terça-feira, 2 de julho de 2024

TESTAMENTO

                       

 Antonio Carlos Egypto





TESTAMENTO (Testament).  Canadá, 2023.  Direção e roteiro: Denys Arcand.  Elenco: Remy Girard, Sophie Lorain, Guylaine Tremblay, Caroline Néron, Robert Lepage.  115 min.

 

Denys Arcand, um dos mais importantes cineastas do Canadá, da região de Québec, foi sempre um diretor antenado com as questões da contemporaneidade.  Como atestam filmes como “Declínio do Império Americano”, de 1986, “Jesus de Montreal”, de 1989, e “Invasões Bárbaras”, de 2003.  Em “Testamento”, ele, aos 83 anos de idade, se debruça sobre o chamado campo do politicamente correto, da postura anticolonialista e das questões identitárias, totalmente relevantes e prevalentes no momento atual.

 

Não deixa de se referir aos extremos climáticos que tanto preocupam, mas o faz só ao final, na forma de blague.  Aliás, o filme todo se vale da piada, do comentário irônico e até do deboche.  Aí é que mora o perigo! 

 

Claro que os exageros são demonstrativos de que há algo a condenar por aí.  Exemplo no filme: um homem que faz muitos exercícios, alcança muitos quilômetros em maratonas na bicicleta, tem uma vida ultrassaudável, alimentação balanceada e tudo o mais, em torno dos 60 anos de idade.  Sua mulher critica os que não fazem como ele e acaba por se desesperar ao constatar que ele morre de morte súbita, ao chegar de uma dessas maratonas, em que exigia de si mesmo muito esforço.  OK.  Mas a prática de exercícios equilibrados e controlados, em qualquer idade, feita moderadamente é desejável.  Ou não?

 

Fazer piada depreciativa de quem já está vulnerável ou desprestigiado na escala social, objeto de preconceitos, discriminações e agressividade, se justifica?  Basta dizer que se as pessoas riem é porque é engraçado e tudo bem?  Atacar quem já está espezinhado pela palavra, pelo humor, pelo deboche, é engraçado por quê?  Revela o que está escondido, reprimido, escamoteado.  Aquilo que rejeitamos, inconscientemente, que não admitimos, não queremos ver.  Nesse sentido, dá até para invocar Freud em defesa do tal do politicamente correto.  Claro, regras e proibições são coisas chatas, incômodas, desagradáveis.  Mas, gostemos ou não, têm uma razão de ser.  Pelo menos até que possamos evoluir na compreensão e aceitação dos outros.  “Testamento” não tem essa preocupação crítica, que seria necessária, partindo de um cineasta com reconhecida lucidez política.


 



A questão mais explorada no filme é o ativismo político anticolonialista, que implica com um mural artístico de grande beleza que, supostamente, insulta as primeiras nações indígenas, os povos originários.  Diante do colonizador vestido com pompa e postura altiva estão indígenas seminus, com penas, etc..  Um pequeno grupo de ativistas, que nem são indígenas, conseguem gerar uma difusão pela mídia, que põe em risco a obra de arte.  E o que se vê é espantoso.  E ridículo.  Ninguém pode concordar.  Mas a postura colonialista merece ou não ser discutida?  Se não é essa a forma, qual seria?  E por aí vai.  

 

Estou chamando a atenção para um filme bem realizado, com um elenco excelente, a começar pelo protagonista, o ator Remy Girard, e também Sophie Lorain, intérpretes habituais do cinema de Arcand, e que funciona bem como comédia, de que o terreno é escorregadio.  É preciso cuidado para lidar com esses temas, porque eles têm um lado caricato, sim, mas são também relevantes e importantes para a sociedade contemporânea do século XXI.  Eu não gostei muito da abordagem do filme, ele ficou parcial e, em nome da ironia, simplificou as coisas.  É um pouco assim, mas não é bem assim.



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