Antonio Carlos Egypto
Um dos
melhores filmes da seleção de documentários do É TUDO VERDADE 2023 é FRONT
DO LESTE, produção que envolve Ucrânia, Letônia, República Tcheca e Estados
Unidos, dirigido por Vitaly Mansky e Yevhen Titarenko. O filme mostra a guerra da Ucrânia, em
andamento, da perspectiva do cidadão comum, que tem que conviver com ela todos
os dias, lidar com bombardeios, destruição, mortos e feridos e tantas outras
questões daí decorrentes e que precisa de força, de dedicação e, por incrível
que pareça, de humor.
Acompanha
um grupo de jovens voluntários dedicados a atender os feridos do front
ucraniano, em condições precárias – gostaria de dispor de um veículo blindado,
por exemplo – na base do desespero, mas com empenho, amor e fé. E mostra as pessoas discutindo questões
práticas um tanto inusitadas, como a de tentar salvar vacas de um atoleiro que
a guerra acentuou, lidar com escombros, moradias destruídas e até com a
perspectiva de procurar bancos de espermas para congelar o sêmen dos que podem
partir em plena juventude, mas desejariam procriar. As conversas num encontro festivo especial,
que acabou acontecendo, tornam-se até engraçadas e surreais. Como a do jovem que, por uma doença dos
ossos, estava totalmente incapacitado para a ação militar, mas que acaba de
inapto total a plenamente capacitado para as ações da guerra em que ele queria
lutar pela Ucrânia.
As
relações entre ucranianos e russos, sobretudo nas cidades fronteiriças, estão
borradas e os vínculos são complicados.
E ainda sujeitos a uma guerra de versões, sobretudo pela propaganda
russa que alcança e convence ucranianos.
Enfim, o tema é bastante complexo e o documentário dá conta de nos
mostrar tal complexidade, pelo menos no sentido de como isso é vivido pelos
cidadãos que sofrem as consequências desse conflito bélico dos nossos dias.
O
filme é muito bom, também, porque é bem filmado. Usa uma câmera na mão ativa e pulsante,
enquadramentos surpreendentes pela performance, principalmente nas cenas que
envolvem tensão, leveza no registro de falas e conversas informais, climas que
oscilam entre o drama e a amargura da guerra e o sentimento do cotidiano de que
essa é a nossa vida agora e que é preciso encará-la com disposição e espírito
de vitória. 98 min.
DOIS DESTAQUES
NACIONAIS
NADA
SOBRE MEU PAI, o documentário de Susanna Lira, fala da busca
da própria diretora por seu pai, que ela não conheceu, no Equador. Natural de
Quito, foi um jovem guerrilheiro equatoriano, que lutava contra as ditaduras
que pipocaram pela América Latina, nos anos 1960-1970, principalmente. E o
plural ditaduras cabe bem ao caso porque ele veio para o Brasil também
para combater a nossa ditadura militar, por sinal mais prolongada, avançou
pelos anos 1980. Na busca pela origem e
identidade, ela explora em uma espécie de road movie as instituições e os
órgãos de comunicação do Equador, em busca de pistas que pudessem levar a
ele. Numerosos indícios surgem, mas
igualmente possibilidades e pistas falsas.
Seja como for, a jornada de busca é rica e tem muito a ver com a
cineasta, que se percebe com a inquietação e a determinação política que seu
misterioso pai deixou de legado. Muito
interessante acompanhar essa viagem que ela registrou e participar das memórias
e reflexões que um país antes desconhecido pôde lhe trazer. 93 min.
171, de
Rodrigo Siqueira, se debruça sobre o chamado estelionato, em que as pessoas
usam suas habilidades para manipular os outros, aplicar golpes, praticar
crimes. Evidentemente, esse tipo de crime pode ter origem em coisas como a
fome, o desemprego e o desespero da falta de perspectivas. Porém, quando alguns
descobrem que a coisa dá certo, se especializam nessa atuação e têm tanto
prazer nessa conquista que ela se torna uma autêntica dependência, já se separou
de suas motivações originais. O documentário
171 encontra pessoas encarceradas em presídios de São Paulo, que são
narradores astuciosos, envolventes, que contam suas histórias, mas não sabemos
quantas e quais delas são verdadeiras ou simples enredos inventados ou
incrementados por outros elementos. Em tempos de mentiras, fake news,
disputa de narrativas, as cenas e situações que o filme mostra são muito
esclarecedoras do que pode ser a fraude, a encenação de papéis que nos confunde
e hipnotiza e das quais é difícil se livrar.
Além do mais, curtir esses personagens na tela é bem divertido. O
diretor é o mesmo de um dos documentários mais instigantes que eu vi: “Terra
deu, Terra come”, em 2010. 95 min.
www.etudoverdade.com.br
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