Antonio Carlos Egypto
MEDIDA PROVISÓRIA. Brasil, 2020.
Direção: Lázaro Ramos. Elenco:
Alfred Enoch, Taís Araújo, Seu Jorge, Adriana Esteves. 106 min.
Um filme que se propõe a evidenciar e
combater o racismo estrutural, que acompanha a sociedade brasileira desde
sempre, é muito bem-vindo. Mais do que
isso: é muito necessário. Ainda mais, em
tempos de Vidas Negras Importam, em
que a consciência antirracista vai conquistando mais e mais espaço na mídia e
na sociedade. No caso, seus realizadores
têm o legítimo direito de fala, vivem na pele a experiência de serem negros,
ainda que com um padrão de vida superior ao da maioria dos afrodescendentes no
Brasil hoje.
Lázaro Ramos, ator talentosíssimo, muito
reconhecido e aplaudido, parte para sua primeira experiência como diretor. E o faz cercado de outras pessoas negras, não
só entre os atores, mas nas diferentes funções do cinema, do roteiro à operação
de câmera, iluminação, fotografia, etc..
Uma equipe grande, o que também abriu possibilidades de trabalho para
muitos, que estariam mesmo necessitando disso nesse momento.
O filme “Medida Provisória” estava para
ser lançado em 2020. Teve de esperar
pelo arrefecimento da pandemia, o que trouxe muitos problemas, mas agora
lançado nos cinemas teve rápida resposta do público, já se revelando um sucesso
instantâneo do cinema brasileiro. O mais
recente sucesso foi “Marighella”, de Wagner Moura, também ator e da mesma
geração de Lázaro Ramos.
O filme é um verdadeiro manifesto, que
tende a impulsionar a militância no tema do antirracismo. Chega a ser bem didático, com esse
objetivo. A história remete a um futuro
próximo distópico, em que um governo autoritário atua por meio da lei, no caso
da famigerada medida provisória, que tem servido ao Executivo para governar,
para embranquecer o Brasil. Ou melhor,
para fazer com que os negros voltem às suas origens na África. Como se eles não fossem brasileiros
originários. Tal hipótese absurda serve
para destacar a questão racista, ainda hoje tão negada, em nome de uma suposta
democracia racial em que viveríamos. O
exagero ressalta o problema, não deixando margem a dúvidas. Situações mostradas, assim como falas e
reflexões expressas, tentam deixar tudo muito às claras. Ou seria melhor dizer às escuras?
É evidente que uma tal campanha Resgate-se Já, promovida oficialmente,
fatalmente promoveria opressão no mais alto grau, caos, protestos e movimentos
de resistência, como o Africanbunker,
sucedâneo do quilombo. De fato, todos
serão atingidos, não só os mais pobres ou vulneráveis.
“Medida Provisória” optou por colocar
como personagens centrais indivíduos de classe média, de melanina acentuada,
como seriam chamados nesse futuro os negros ou afrodescendentes. Embora não se esqueça de lembrar daqueles que
estão nas favelas, não sendo médicos ou advogados, como Capitu ou Antônio, os
personagens de Taís Araújo e Alfred Enoch, respectivamente.
Evidentemente, Capitu homenageia o maior
nome da literatura brasileira, o negro Machado de Assis, por cuja rua também
circulam os personagens. A música,
cantada lindamente por Elza Soares, tem destaque muito grande em algumas cenas
do filme. Ou seja, a cultura negra tem a
necessária projeção do que ela representa na cultura brasileira. Emicida, por exemplo, está no filme como
ator, outro elemento simbólico dessa inteligência e dessa cultura nos dias
atuais. E por aí vai.
“Medida Provisória” nasceu da adaptação
da peça “Namíbia, não”, de Aldri Anunciação, que é roteirista do filme, ao lado
de Lusa Silvestre e do próprio Lázaro Ramos.
A música é de Rincón Sapiência. O
elenco, notável, ainda inclui Seu Jorge, Adriana Esteves, Luís Miranda, Renata
Sorrah, William Russel, Jéssica Ellen, Flávio Bauraqui, e outros. O filme tem mesmo uma cara de trabalho
coletivo, como destacou Lázaro Ramos em entrevista ao programa “Roda Viva”, da
TV Cultura. Uma bela afirmação da
negritude, em que alguns brancos também participaram.
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