Antonio Carlos Egypto
A MULHER QUE FUGIU (Domangchin yeoja). Coreia do Sul, 2020. Direção: Hong Sang-soo. Elenco: Kim Min-hee, Song
Seon-mi, Eun-mi Lee, Hae-hyo Kwon. 77
min.
Não é a primeira vez aqui no cinema com recheio, que eu vou tratar
de um filme do diretor sul coreano Hong Sang-soo. Já tive oportunidade de comentar os filmes
“HaHaHa”, de 2010, “A Filha de Ninguém”, de 2013, “Certo Agora, Errado Antes”,
de 2015, “Na Praia, à Noite, Sozinha”, de 2017.
Também, pudera, o diretor é um dos mais ativos e produtivos do cinema
atual. Realiza muitos filmes, e com
rapidez, já que são projetos modestos em termos de orçamento e que cultivam a
simplicidade. O foco são os relacionamentos
humanos, como eles se dão, com surpresas e novidades que podem aparecer. E aquilo que ele preza muito: o papo no bar,
em torno da bebida e da comida, em que a conversa se revela, as coisas
acontecem, aparecem os conflitos e a afetividade, a timidez dá lugar a alguma
forma de sinceridade e até a agressividade e a ofensa podem encontrar um meio
de se expressar.
Os relacionamentos se guiam pela
espontaneidade, mas também pelos planejamentos que fazemos ou por valores que
desejamos seguir ou que acreditamos seguir.
“A Mulher que Fugiu” mostra bem isso.
O que vemos é a protagonista Gam-hee
encontrar-se com três amigas diferentes, que ela não via há muitos anos, e o
que rola na conversa delas. Dois foram
encontros intencionais, outro foi ocasional. Mas o fato é que, pela primeira
vez, ela está livre para esses encontros porque o marido, com quem ela está
casada há cinco anos, teve de viajar a trabalho. Então, eles se separaram nesse tempo. Fora disso, estão sempre juntos, acreditam
que um casal deve compartilhar tudo, conviver o tempo todo assim. Pelo menos, é o que ela diz e acrescenta que
isso é muito bom, que está feliz, que ambos se curtem e aproveitam muito bem
essa convivência. Será? Dá para acreditar num relacionamento assim
tão fechado? As ações dela mostram outra
coisa. Essa felicidade sufocante não
existe, é uma ilusão. Até quando ela
será capaz de sustentar isso?
No filme, vamos observando o que é
dito, as ações e os condicionantes dessa atitude e dessa vida, além da relação
de cada uma das amigas com ela, a partir do distanciamento que se
estabeleceu. Vê-se que cada mulher tem
interesses, prioridades e valores, distintos.
A diversidade nas relações humanas aparece claramente. As conversas também são interrompidas, aqui e
ali, por homens, geralmente.
“A Mulher que Fugiu”, como todos os filmes de Hong Sang-soo, nos remete ao cotidiano, mais simples e direto, em que as coisas se dão e em que é possível entender melhor as pessoas, suas motivações, problemas, aspirações.
O diretor diz que trabalha em aberto,
não tem uma ideia completa da estrutura narrativa do filme a priori. Parte de uma
situação e vê o que acontece, como ele reage a isso, aproveitando o que
aparece, na crença de que o que surge será sempre melhor do que o que se estabeleceu
a princípio. Ou seja, um diretor que
sabe lidar com o que emerge das situações, dos atores e atrizes, seja
inesperado ou não, e incorpora isso à sua obra.
O que lhe permite inovar, criar, em pleno processo de realização. Por isso mesmo, seu cinema se parece tanto
com a vida como ela é, seja aqui, seja na Coreia.
O seu cinema nos convida a estar
atentos ao que se vê, deixando fluir as sensações. Há quem não goste, achando que nada acontece,
ou que considere seus filmes lentos.
Eles têm o ritmo da vida, com um toque oriental, claro.
Quem se acostuma ao seu jeito de
filmar e ao clima que ele consegue criar, gosta muito e espera o próximo filme
dele com muito interesse. Os econômicos
77 minutos de “A Mulher que Fugiu” parecem pouco para a fruição que ele nos
propõe. Hong Song-soo tem sido bastante
valorizado e premiado nos festivais de cinema ao redor do mundo. Com este trabalho, por exemplo, ele levou o
Urso de Prata do Festival de Berlim 2020.
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