quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A MULHER QUE FUGIU

Antonio Carlos Egypto

 

 



A MULHER QUE FUGIU (Domangchin yeoja).  Coreia do Sul, 2020.  Direção: Hong Sang-soo.  Elenco: Kim Min-hee, Song Seon-mi, Eun-mi Lee, Hae-hyo Kwon.  77 min.

 

Não é a primeira vez aqui no cinema com recheio, que eu vou tratar de um filme do diretor sul coreano Hong Sang-soo.  Já tive oportunidade de comentar os filmes “HaHaHa”, de 2010, “A Filha de Ninguém”, de 2013, “Certo Agora, Errado Antes”, de 2015, “Na Praia, à Noite, Sozinha”, de 2017.  Também, pudera, o diretor é um dos mais ativos e produtivos do cinema atual.  Realiza muitos filmes, e com rapidez, já que são projetos modestos em termos de orçamento e que cultivam a simplicidade.  O foco são os relacionamentos humanos, como eles se dão, com surpresas e novidades que podem aparecer.  E aquilo que ele preza muito: o papo no bar, em torno da bebida e da comida, em que a conversa se revela, as coisas acontecem, aparecem os conflitos e a afetividade, a timidez dá lugar a alguma forma de sinceridade e até a agressividade e a ofensa podem encontrar um meio de se expressar.

 

Os relacionamentos se guiam pela espontaneidade, mas também pelos planejamentos que fazemos ou por valores que desejamos seguir ou que acreditamos seguir.  “A Mulher que Fugiu” mostra bem isso.

 

O que vemos é a protagonista Gam-hee encontrar-se com três amigas diferentes, que ela não via há muitos anos, e o que rola na conversa delas.  Dois foram encontros intencionais, outro foi ocasional. Mas o fato é que, pela primeira vez, ela está livre para esses encontros porque o marido, com quem ela está casada há cinco anos, teve de viajar a trabalho.  Então, eles se separaram nesse tempo.  Fora disso, estão sempre juntos, acreditam que um casal deve compartilhar tudo, conviver o tempo todo assim.  Pelo menos, é o que ela diz e acrescenta que isso é muito bom, que está feliz, que ambos se curtem e aproveitam muito bem essa convivência.  Será?  Dá para acreditar num relacionamento assim tão fechado?  As ações dela mostram outra coisa.  Essa felicidade sufocante não existe, é uma ilusão.  Até quando ela será capaz de sustentar isso?

 

No filme, vamos observando o que é dito, as ações e os condicionantes dessa atitude e dessa vida, além da relação de cada uma das amigas com ela, a partir do distanciamento que se estabeleceu.  Vê-se que cada mulher tem interesses, prioridades e valores, distintos.  A diversidade nas relações humanas aparece claramente.  As conversas também são interrompidas, aqui e ali, por homens, geralmente.

 




“A Mulher que Fugiu”, como todos os filmes de Hong Sang-soo, nos remete ao cotidiano, mais simples e direto, em que as coisas se dão e em que é possível entender melhor as pessoas, suas motivações, problemas, aspirações.

 

O diretor diz que trabalha em aberto, não tem uma ideia completa da estrutura narrativa do filme a priori.  Parte de uma situação e vê o que acontece, como ele reage a isso, aproveitando o que aparece, na crença de que o que surge será sempre melhor do que o que se estabeleceu a princípio.  Ou seja, um diretor que sabe lidar com o que emerge das situações, dos atores e atrizes, seja inesperado ou não, e incorpora isso à sua obra.  O que lhe permite inovar, criar, em pleno processo de realização.  Por isso mesmo, seu cinema se parece tanto com a vida como ela é, seja aqui, seja na Coreia.

 

O seu cinema nos convida a estar atentos ao que se vê, deixando fluir as sensações.  Há quem não goste, achando que nada acontece, ou que considere seus filmes lentos.  Eles têm o ritmo da vida, com um toque oriental, claro.

 

Quem se acostuma ao seu jeito de filmar e ao clima que ele consegue criar, gosta muito e espera o próximo filme dele com muito interesse.  Os econômicos 77 minutos de “A Mulher que Fugiu” parecem pouco para a fruição que ele nos propõe.  Hong Song-soo tem sido bastante valorizado e premiado nos festivais de cinema ao redor do mundo.  Com este trabalho, por exemplo, ele levou o Urso de Prata do Festival de Berlim 2020.




 

Nenhum comentário:

Postar um comentário