Antonio Carlos Egypto
CAROS CAMARADAS! (Dorogie Tovarischi). Rússia,
2020. Direção e roteiro de Andrei
Konchalovsky. Com Yuliya Vysotskaya,
Vladislav Komarov, Andrey Gusev, Yuliya Burova.
121 min.
“Caros Camaradas!”, que representou a
Rússia na disputa do Oscar de filme internacional 2021, põe no centro da sua
narrativa um fato ocorrido na pequena cidade de Novocherkassk, em 1962. Em pleno período de comando de Nikita
Khrushchov (1894-1971), em que a opressão e os crimes de Josef Stalin
(1878-1953) vieram à tona. O grande
herói da vitória contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial ainda era um
paradoxo vivo na mente dos soviéticos.
Nesse ano de 1962, uma crise fazia com
que os alimentos e outros produtos subissem de preço e escasseassem. Enquanto isso, na fábrica de Novocherkassk,
os dirigentes decretaram redução dos salários. Isso deu margem a uma greve e a
uma grande mobilização dos trabalhadores, que terminaram com o povo sendo
baleado em plena praça. Os mortos
recolhidos, decretou-se um estado de silêncio sobre os fatos, com contratos de
sigilo assinados sob a condição de punições severas, que incluíam até a
morte. Com tudo limpo, dois dias depois
promoveu-se um baile no local, como se nada tivesse acontecido. O stalinismo, afinal, parecia vivo, ao menos
naquela localidade. O pensamento dos
dirigentes do partido não tinha mudado realmente.
Aí é que entra a personagem central de
“Caros Camaradas!”, Lyuda, membro da executiva do Partido Comunista da cidade,
orgulhosa da União Soviética e contrária aos críticos e dissidentes do
regime. Não só os que o criticavam
agora, mas também quanto aos críticos de Stalin. Militante convicta e dirigente, tinha suas
vantagens no suprimento de alimentos e no acesso a lugares proibidos à
população. Sabia do que se passava, mas
tomava posição sempre apoiando os dirigentes e as medidas adotadas. Defendia punições aos supostos agitadores,
aqui denominados hooligans, em
caráter depreciativo.
No levante dos trabalhadores, nos
primeiros dias de junho de 1962, porém, sua filha desapareceu. Ela estava nas manifestações dos
trabalhadores. E o filme será o seu
périplo em busca da filha perdida. Ao
percorrer esses caminhos, Lyuda terá de encarar os porões do poder local e
descobrir muitas coisas novas ou que ela não supunha que fossem assim. Uma jornada que, inevitavelmente, colocará em
xeque suas convicções, em alguma medida.
O filme, realizado em preto e branco,
com a tela quadrada, nos remete àquele momento histórico, como se estivéssemos
assistindo a um noticiário local ou à representação de fatos ficcionais
encenados logo após o ocorrido. Não
parece um filme de 2020. Se o cinema tem
a capacidade de nos transportar no tempo e no espaço, sobretudo pela via da
emoção, aqui temos um bom exemplo disso.
Uma narrativa clássica, porém, revestida de uma embalagem retrô, um diretor talentoso nos
enquadramentos e movimentos de câmera, um elenco de grande qualidade, fazem do
filme um produto bem competente. A atriz principal, Yuliya Vysotskaya, que faz
Lyuda, sustenta o filme com brilhantismo.
O diretor Andrei Konchalovsky já tem
uma longa trajetória no cinema, o que inclui sucessos em Hollywood, em filmes
como “Tio Vânia” (1970), “Os Amores de Maria” (1984), “Expresso para o Inferno”
(1985), “Tango & Cash” (1989), “O Círculo do Poder” (1991) e “Paraíso”
(2016).
Excelente sua crítica sobre o filme Caros Camaradas, um filme de grandes qualidades. Apreciei o seu trabalho e deixo um abraço
ResponderExcluir