Antonio Carlos Egypto
NOVA ORDEM, o filme do mexicano Michel Franco, aponta para o grande problema da desigualdade social, do abismo entre as classes e da dificuldade de ascensão social como fatores de disrupção. Simbolizados num casamento em uma mansão de luxo, frequentada pela elite mexicana, que é atacado e inviabilizado pela invasão de grupos populares em revolta, apoiados pelos próprios empregados da casa. Essa ação não se restringe ao evento, ela está em toda a cidade, como se vê logo no início do filme, com o colapso do sistema de saúde, gerado pelos feridos de uma guerra civil em andamento. Mas o que resultará dessa revolta? Segundo a narrativa de “Nova Ordem”, ela servirá para legitimar um golpe de Estado militar que, por sua vez, dará origem a um sistema opressor muito pior do que o que existia antes. As chamadas classes populares serão ainda mais reprimidas e sofrerão as consequências de um processo econômico que tutela e destrói empregos, meios de subsistência e sob um domínio político do tipo fascista, sem contestação possível. A violência se manifesta de todas as formas, em todas as partes, desde o início, aliás, também por parte dos revoltosos oprimidos. Uma concepção do tipo violência gera mais violência e ainda mais opressão e a resistência alimenta seus algozes, lembrando o que aconteceu no Brasil com a luta armada de resistência à ditadura, que serviu de justificativa para o AI 5 e o endurecimento do regime. Isso tudo pode indicar que não há saídas reais ou que elas são virtualmente impraticáveis ou impossíveis. O que seria de um pessimismo atroz, paralisante e destruidor de utopias. Mas é importante refletir sobre os caminhos, porque frequentemente podemos produzir o contrário do que buscávamos com ações irrefletidas ou impulsivas. Se isso acontece no plano pessoal, se torna muito mais grave no contexto social e político. O filme tem sequências fortes e violência, mas não se compraz em explorar isso comercialmente. É até moderado no uso dessa violência, necessária de ser mostrada, em função do que se quer expor, revelar e provocar reflexões. 88 minutos.
SIBÉRIA, do diretor estadunidense Abel
Ferrara, é um daqueles filmes em que a viagem interior do personagem central é
o que importa e não o que possa estar acontecendo com ele em cada sequência que
observamos. O personagem Clint,
interpretado por Willem Dafoe, vive isolado numa casa nas montanhas,
eventualmente frequentada por viajantes e nativos que nem sequer falam a sua
língua. Grande parte do que se diz, ou
dos diálogos, não tem tradução, são incompreensíveis e não importam. No
presente, o que se comunica são gestos e ações.
O que vamos acompanhar, por meio de um visual requintado, embora muito
escuro em boa parte do filme, é a sua relação com o passado, a infância, os pais,
os medos, os sonhos, memórias e delírios apresentados sem qualquer intenção de
compreensão lógica ou organizada. A
narrativa é fragmentada, estranha, lúdica até, pedindo do espectador
envolvimento com as sensações e com o caráter plástico das imagens. Belas panorâmicas de neve, mas também de sol
e luz, funcionam como contraponto a interiores um tanto lúgubres e elementos
aterrorizantes que compõem o cotidiano, também tedioso, da figura retratada. É
muito bom cinema, mas exige disposição do espectador de embarcar numa rota um
tanto desconhecida, aguardando o que pode surgir daí. 92 minutos.
MISS MARX |
MISS
MARX, da diretora
italiana Susanna Nicchiarelli, segue uma narrativa clássica para abordar uma
personagem de época: Eleanor Marx, a filha mais nova de Karl Marx. Como o pai revolucionário, ela, segundo o
filme, foi uma feminista nas ideias e na prática. Nas ideias, ao vincular a questão das
mulheres à dos proletários, buscando as convergências e a complementariedade
entre socialismo e feminismo. Na
prática, ao viver rompendo com as regras tradicionais, sendo uma mulher forte,
decisiva e sem medo de experimentar relações amorosas fora dos ditames do
casamento e da família tradicional.
Claro que é uma personagem construída com o olhar feminista de hoje, não
do fim do século XIX. As questões mostradas,
sim, se referem à época, como o voto feminino, por exemplo. A compreensão das situações e o modo de agir
são, porém, mais modernos. Tanto que o
final trágico de Eleanor casa pouco com a narrativa desenvolvida ao longo da
projeção, no meu modo de ver. Bem, de
qualquer modo, é inevitável que vejamos as figuras do passado com o nosso olhar
de hoje. 108 minutos.
O documentário CORONATION, do multiartista chinês Ai WeiWei, já traz a Covid-19
para o cinema. Entramos em contato com a
realidade da doença em Wuhan, o primeiro centro difusor da pandemia, por meio
de imagens captadas por seus moradores, no período de lockdown da cidade, iniciado em janeiro de 2020. Grande parte do que o filme trata foi
fartamente mostrado também nos nossos telejornais. No caso chinês, por um lado, vê-se uma
atuação intensa e eficiente de gerir a pandemia no que se refere a hospitais de
campanha, respiradores, equipamentos de proteção aos profissionais de saúde,
uso precoce de máscaras, amplas equipes mobilizadas para enfrentar a
questão. Por outro, o filme mostra que o
Estado chinês omitiu informações fundamentais sobre a transmissão do novo
Coronavírus. Em busca de notícias positivas, não querendo alarmar a população, impediu
que ela soubesse da gravidade da doença e perseguiu quem descumpriu essas
regras oficiais. E o que essa omissão e
proibição produziram de efeitos na vida dos familiares envolvidos e na própria
expansão da doença para fora da China.
Essa é uma questão política em aberto, que está sendo muito explorada na
eleição norte-americana, na discussão das vacinas no Brasil e em outras partes,
de acordo com os interesses do momento e não propriamente da ciência ou em
função de, realmente, superar essa pandemia.
115 minutos.
Outro pequeno filme chinês que também
trata da Covid-19 é o curta de 5 minutos, A
VISITA, de Jia Zhang-ke. Aqui é do
incômodo das regras sanitárias, a que estamos todos sujeitos, que se
trata. Depois de medir a temperatura, em
lugar do aperto de mão, o toque com o cotovelo, o rosto coberto que atrapalha a
visão, a fala, a bebida. E o que se
serve hoje em dia é álcool gel. Enfim,
esse jeito estranho de viver, que praticamos atualmente.
@mostrasp
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