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Na maratona cinematográfica em que a gente se mete durante a Mostra,
muitos filmes interessantes passam despercebidos, não têm o apelo dos grandes
projetos ou dos grandes diretores. Até mesmo a grife de um grande cineasta pode
ser ignorada. É o caso, por exemplo, do
filme VIZINHOS (Neighbors), um projeto de reunião de curtas-metragens dos
países dos Brics, organizado por Jia Zhang-ke, reconhecido e aplaudido diretor
chinês, bem conhecido no Brasil. Já é o
terceiro filme dessa série. Aqui, questões de vizinhança, sob ângulos
bem diversos, são abordados por 5 cineastas, 3 mulheres e 2
homens: Beatriz
Seigner, do Brasil, Alexander Zolotukhin, da Rússia, Rima Das, da Índia, Han Yan,
da China, e Jenna Bass, da África do Sul.
É um filme bem humorado e inteligente, que tem a capacidade de nos ligar
a diferentes culturas, em pouco espaço de tempo. Possivelmente inspirado no clássico canadense
“Vizinhos”, de Norman McLaren, de 1952, em que uma rosa que nasce na divisa de
duas casas provoca uma briga sem tamanho entre dois moradores, que até então
compartilhavam pacificamente sua vizinhança.
Em tempos de intolerância , uma boa referência. E em tempos de perda de força dos Brics, em
função de atitudes do novo governo brasileiro, também. Em VIZINHOS, diferenças e proximidades dão
origem a conflitos, maiores ou menores, passando por problemas de moradia,
negócios, ambiente de trabalho, restrições às mulheres e desabrigados. Uma iniciativa que merece atenção e que, espero,
chegue aos cinemas. Só não sei quando.
Também passou despercebido o filme ECOS (Bergmál), da Islândia, dirigido
por Rúnar Rúnarsson. Pense em Reykjavik
e na Islândia toda, no período de festas natalinas e de Ano Novo. Um período normalmente inexpressivo, parado,
em que pouca coisa acontece. Ainda mais
num local em que a neblina e o frio tomam conta, com chuva e neve. Aí é que nada vai acontecer, mesmo! Pois bem, ECOS desmente categoricamente isso,
ao mostrar, por meio de 56 cenas independentes, um mundo de coisas que se
passam nesse período, considerado morto.
A vida segue, o mundo não para, mesmo em circunstâncias que teriam tudo
para brecá-lo, ao menos temporariamente.
Filmes sobre cineastas foram exibidos na Mostra, entre eles, ANDREI
TARKOVSKY: UMA ORAÇÃO DE CINEMA, dirigido pelo filho do cineasta Andrei A. Tarkovsky revisita a obra do grande
diretor, por meio de um documentário que explora a vida, as memórias e o
trabalho de Tarkovsky (1932-1986), com belas imagens e um bom material de
arquivo, em áudio e vídeo. O cineasta
homenageado é reconhecido como ligado à espiritualidade, tendo nela fonte
importante de sua reflexão e criação.
Mesmo assim, acho que o documentário exagera na ênfase desse tema e da
oração. Até porque a espiritualidade em
Tarkovsky era uma coisa misteriosa e difusa, nada óbvia.
A FERA E A FESTA |
Um filme que passou quase em branco pela Mostra foi A FERA E A FESTA (La
Fiera y la Fiesta), produção latino-americana capitaneada pela República
Dominicana, dirigida por Laura Amelia Guzmán, dominicana, e Israel Cárdenas,
mexicano. O filme homenageia o cineasta
dominicano Jean-Louis Jorge (1947-2000), ao filmar um roteiro inacabado de um musical deixado por ele. Membros de sua equipe se reúnem, descobrem
que muitos já morreram, mas seguem buscando a realização cinematográfica, que
flerta com a morte, mas brinca com o espírito excêntrico do diretor
homenageado. Tem no elenco Geraldine Chaplin, já bem cheia de rugas, mas com
uma versatilidade corporal espantosa. O filme trata de um assunto que é um pouco distante para nós, mas é muito bonito
visualmente,
BABENCO – ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO DIZER: PAROU, documentário de
Bárbara Paz, em seu primeiro longa, é uma bela homenagem daquela que foi sua
mulher a Héctor Babenco (1945-2016). Em
que pese o título quilométrico, extraído de uma fala do cineasta, tudo é
conciso e direto no filme, que dá conta muito bem da figura e da obra de
Babenco em apenas 75 minutos. Claro que
o próprio Babenco teve a ideia de filmar seu fim de vida e concebeu muita coisa
do que está na tela, mas Bárbara Paz surpreende pela competência e pela equipe
que montou para a realização. Como disse Babenco a ela e ao filme “Eu já vivi
minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”. Não falta mais.
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