domingo, 3 de novembro de 2019

MAIS FILMES DA MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto

.
Na maratona cinematográfica em que a gente se mete durante a Mostra, muitos filmes interessantes passam despercebidos, não têm o apelo dos grandes projetos ou dos grandes diretores. Até mesmo a grife de um grande cineasta pode ser ignorada.  É o caso, por exemplo, do filme VIZINHOS (Neighbors), um projeto de reunião de curtas-metragens dos países dos Brics, organizado por Jia Zhang-ke, reconhecido e aplaudido diretor chinês, bem conhecido no Brasil.  Já é o terceiro filme dessa série. Aqui, questões de vizinhança, sob ângulos bem diversos, são abordados por 5 cineastas, 3 mulheres e 2 homens: Beatriz Seigner, do Brasil, Alexander Zolotukhin, da Rússia, Rima Das, da Índia, Han Yan, da China, e Jenna Bass, da África do Sul.  É um filme bem humorado e inteligente, que tem a capacidade de nos ligar a diferentes culturas, em pouco espaço de tempo.  Possivelmente inspirado no clássico canadense “Vizinhos”, de Norman McLaren, de 1952, em que uma rosa que nasce na divisa de duas casas provoca uma briga sem tamanho entre dois moradores, que até então compartilhavam pacificamente sua vizinhança.  Em tempos de intolerância , uma boa referência.  E em tempos de perda de força dos Brics, em função de atitudes do novo governo brasileiro, também.  Em VIZINHOS, diferenças e proximidades dão origem a conflitos, maiores ou menores, passando por problemas de moradia, negócios, ambiente de trabalho, restrições às mulheres e desabrigados.  Uma iniciativa que merece atenção e que, espero, chegue aos cinemas. Só não sei quando.


VIZINHOS



Também passou despercebido o filme ECOS (Bergmál), da Islândia, dirigido por Rúnar Rúnarsson.  Pense em Reykjavik e na Islândia toda, no período de festas natalinas e de Ano Novo.  Um período normalmente inexpressivo, parado, em que pouca coisa acontece.   Ainda mais num local em que a neblina e o frio tomam conta, com chuva e neve.  Aí é que nada vai acontecer, mesmo!  Pois bem, ECOS desmente categoricamente isso, ao mostrar, por meio de 56 cenas independentes, um mundo de coisas que se passam nesse período, considerado morto.  A vida segue, o mundo não para, mesmo em circunstâncias que teriam tudo para brecá-lo, ao menos temporariamente.

Filmes sobre cineastas foram exibidos na Mostra, entre eles, ANDREI TARKOVSKY: UMA ORAÇÃO DE CINEMA, dirigido pelo filho do cineasta  Andrei A. Tarkovsky revisita a obra do grande diretor, por meio de um documentário que explora a vida, as memórias e o trabalho de Tarkovsky (1932-1986), com belas imagens e um bom material de arquivo, em áudio e vídeo.  O cineasta homenageado é reconhecido como ligado à espiritualidade, tendo nela fonte importante de sua reflexão e criação.  Mesmo assim, acho que o documentário exagera na ênfase desse tema e da oração.  Até porque a espiritualidade em Tarkovsky era uma coisa misteriosa e difusa, nada óbvia.


A FERA E A FESTA


Um filme que passou quase em branco pela Mostra foi A FERA E A FESTA (La Fiera y la Fiesta), produção latino-americana capitaneada pela República Dominicana, dirigida por Laura Amelia Guzmán, dominicana, e Israel Cárdenas, mexicano.  O filme homenageia o cineasta dominicano Jean-Louis Jorge (1947-2000), ao filmar um roteiro inacabado de um musical deixado por ele.  Membros de sua equipe se reúnem, descobrem que muitos já morreram, mas seguem buscando a realização cinematográfica, que flerta com a morte, mas brinca com o espírito excêntrico do diretor homenageado. Tem no elenco Geraldine Chaplin, já bem cheia de rugas, mas com uma versatilidade corporal espantosa. O filme trata de um assunto que é um pouco distante para nós, mas é muito bonito visualmente,

BABENCO – ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO DIZER: PAROU, documentário de Bárbara Paz, em seu primeiro longa, é uma bela homenagem daquela que foi sua mulher a Héctor Babenco (1945-2016).  Em que pese o título quilométrico, extraído de uma fala do cineasta, tudo é conciso e direto no filme, que dá conta muito bem da figura e da obra de Babenco em apenas 75 minutos.  Claro que o próprio Babenco teve a ideia de filmar seu fim de vida e concebeu muita coisa do que está na tela, mas Bárbara Paz surpreende pela competência e pela equipe que montou para a realização. Como disse Babenco a ela e ao filme “Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”.  Não falta mais.



Nenhum comentário:

Postar um comentário