Antonio Carlos
Egypto
ALGUMA COISA ASSIM. Brasil, 2017.
Direção e roteiro: Esmir Filho e Mariana Bastos. Com Caroline Abras, André Antunes, Clemens
Schick, Juliane Elting. Participações de
Lígia Cortez e Vera Holtz. 80 min.
“Alguma Coisa Assim” é um longa brasileiro,
com coprodução alemã, que retoma os personagens de um curta homônimo, premiado
em Cannes em 2006. Os realizadores, o
ator e a atriz protagonistas, são os mesmos, a trama incorpora a história
original e a amplia, para ser experimentada dez anos depois.
Essas explicações não importam muito, são
apenas referências para situar o trabalho.
O que conta é o resultado do longa atual, independentemente da sua
história passada. Eu não vi o curta e
não senti nenhuma falta de vê-lo.
“Alguma Coisa Assim” é um filme moderno na
forma e nas questões temáticas que propõe.
A partir das baladas das casas noturnas da rua Augusta e seu clima
transgressivo e colorido, o neón invade a tela, mesmo constatando que a cidade
mudou e os jovens estão diferentes. A
história dos dois personagens, Mari (Caroline Abas) e Caio (André Antunes) vai
ser retomada em outro contexto urbano, também aberto a experimentações: a
vibrante e pulsante cidade de Berlim. Os
jovens estão em busca de algo novo. O
que poderia ser isso? Basicamente, a
ideia de um viver sem rótulos, para além das convenções sociais.
O que significa namorar hoje? E a amizade que chamávamos de colorida? Que tal o casamento, em especial, o casamento
gay? Como se define hoje a família, com suas
novas formas? Como se pode entender a
sexualidade, em suas múltiplas e plásticas formas? E os gêneros?
Os cisgêneros e os transgêneros?
Os relacionamentos afetivos e amorosos contemporâneos jovens desafiam
convenções e tentativas de enquadrá-los.
Rejeitam e superam os rótulos.
Por que queremos tanto classificar, enquadrar,
rotular as coisas? Em princípio, isso
seria preciso para tentar entendê-las.
Mas quase nunca ajuda nos relacionamentos humanos. Porque, por trás disso, está a noção do
controle social e da busca de impor uma visão conservadora do mundo aos jovens
e à sociedade como um todo.
“Alguma Coisa Assim” é um jeito mais livre de
ser, de experimentar, de arriscar, de viver.
Também com muitas frustrações e incompreensões. Mas isso é do jogo, está sempre
presente. São personagens se
descobrindo, se redescobrindo, percebendo-se mutantes, em transformação
constante.
Um filme que vem em boa hora para o nosso
Brasil, que anda para trás em tanta coisa, em que os fundamentalistas querem
brecar os avanços conquistados nos costumes, atacando a questão de gênero, a
diversidade sexual, as novas famílias, o feminismo e o direito mais amplo ao
aborto. No caso do aborto, “Alguma Coisa
Assim” é de uma clareza e de uma honestidade que merecem aplausos. Não faz qualquer proselitismo, mas toca no
ponto. Todo o clima do filme respira uma
modernidade digna e bonita. Esmir Filho
e Mariana Bastos fizeram um belo trabalho.
Os atores Caroline Abras e André Antunes
vestem a camisa dos personagens com muita sinceridade e força. Estão muito convincentes. Caroline já na estrada como atriz, se saindo
muito bem e sendo premiada. André,
tentando sair da profissão de ator, abraçando a psicologia como profissão, mas
sem conseguir fugir do personagem que começou a interpretar dez anos
antes. Que tal acumular as duas
coisas? Destaque também para a trilha
musical de Lucas Santana e Fábio Pinczowskit.
O que eu sei é que está mais do que na hora de
alguma coisa assim poder se afirmar
na vida das pessoas. Menos rótulos, mais
autenticidade. Isso me faz lembrar de “Jules e Jim”, de François Truffaut, de
1962, e de “As Duas Faces da Felicidade’, de Agnès Varda, de 1965, filmes
icônicos de uma fase que revolucionou os costumes nos anos 1960 e que tem muito
a nos dizer hoje. Sabendo ou não seus
realizadores, o filme “Alguma Coisa Assim” segue essas pegadas, com
competência.
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