terça-feira, 14 de novembro de 2017

BALANÇO DA 41a. MOSTRA

                                   
Antonio Carlos Egypto


A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, edição 41, ofereceu um  vasto cardápio em qualidade cinematográfica a habituées.  E quem chegou agora também não tem do que se queixar.  A maior dificuldade foi escolher o que assistir, entre 394 filmes.  Por maior disponibilidade que se tenha para o evento, é quase impossível chegar a ver 20% do que é ofertado.  Tirando alguns poucos, que eu conheço, quantos conseguiram ver mais de 70 filmes no período da Mostra?

Eu vi bastante, 60 filmes neste ano, mas com a vantagem de ver uma parte deles em cabines de imprensa, antes de a Mostra começar.  Aí ficou possível ver e ainda escrever sobre os filmes, assistindo em geral a três filmes por dia. Desses 60, já comentei no  cinema com recheio  30 filmes, ou seja, metade deles, sendo que eu escolhi falar do que gostei mais.  O que significa que eu já tinha visto muita coisa boa, a maioria, e ainda teria muito mais a ver.  Não vou retornar aos 30 já comentados, eles podem ser acessados por quem não leu aqui mesmo, no blog.


COM AMOR, VAN GOGH


COM AMOR, VAN GOGH, da Polônia/Reino Unido, de Dorota Kobiela e Hugh Welchman.  É uma animação muito bonita, feita a partir dos quadros e da técnica típica do pintor, procurando contar um pouco da sua vida, por meio das cartas que escreveu, e levantar questões sobre a sua morte.  O público o elegeu como o melhor da Mostra.  Quem quiser conferir, fique de olho, porque ele já será lançado nos cinemas.  É, sem dúvida, bonito de ver, embora a narrativa não seja das mais inovadoras ou atraentes.  O assunto cansa e a técnica se repete.

EM QUE TEMPO VIVEMOS? é uma junção de curtas dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), refletindo sobre a realidade atual, de formas diversas.  O chinês Jia Zhang-Ke e o nosso Walter Salles são destaques, mas todos são bons. Será lançado nos cinemas também, em breve.  Bem, a data mesmo, nunca se sabe...

O AMANTE DE UM DIA é mais um belo filme do diretor francês Philippe Garrel.  A curiosa história da nova amante do pai ter a mesma idade da filha: 23 anos.  A relação que se dá entre as duas é o fio condutor do filme.  Muito bom.  E vai chegar aos cinemas, também.

UMA ESPÉCIE DE FAMÍLIA, filme argentino de Diego Lerman, também está para ser lançado nos cinemas, em breve.  Não chega a ser um filme entusiasmante, mas tem algumas boas sequências, numa história que envolve decisões éticas, um tanto complicadas, sob contexto social limitador.

MULHERES DIVINAS, da seleção suíça da Mostra, de Petra Volpe, é um filme quadradinho na concepção, que trata do direito ao voto feminino no país, só legalmente efetivado pelos homens na incrível data de 07 de fevereiro de 1971.  Não é erro, não.  É um absurdo que parece inconcebível, num  país desenvolvido como a Suíça.  O filme mostra que, numa pequena cidade, a coisa era ainda mais ridícula, em pleno período de movimentos sociais que sacudiram a França e toda a Europa, em 1968.  A protagonista se chama, apropriadamente, Nora, como a da casa de bonecas de Ibsen.



O BEIJO NO ASFALTO


Os únicos filmes brasileiros que vi na Mostra me agradaram bastante.  AOS TEUS OLHOS foi dirigido por Carolina Jabor e protagonizado por Daniel de Oliveira.  Trata do tema do abuso sexual, supostamente praticado por um professor de natação, com um menino.  Ele foi sumariamente julgado nas redes sociais, sem que se pudesse investigar adequadamente o caso.  O BEIJO NO ASFALTO, dirigido por Murilo Benício, a partir do texto de Nelson Rodrigues, é muito bom e criativo na sua estrutura.  Da mesa de preparo do trabalho para as cenas filmadas, as coisas se intercalam e esclarecem o que envolve os personagens, seus sentimentos e motivações.  Com direito a ótimas tiradas e intervenções da grande Fernanda Montenegro.  No elenco, Lázaro Ramos, Débora Falabella, Stênio Garcia e Otávio Müller brilham.  E o ator Murilo Benício se revela como cineasta, em seu primeiro longa.  A estrutura lembra o filme “Ricardo III, um Ensaio”, de Al Pacino, de 1986, que procurava explicar a peça de Shakespeare.  Nelson Rodrigues também merece esse cuidado, digamos, didático.

As retrospectivas foram outro ponto alto da Mostra.  Já comentei filmes de Agnès Varda, maravilhosos.  Foi bom poder ver, do Paul Vecchiali, NOITES BRANCAS NO PÍER, um trabalho de categoria, com uma música espetacular.  Já seu filme novo, OS 7 DESERTORES, não foi muito inspirador e sua trama se desgastou rapidamente.  Do grande cineasta suíço Alain Tanner pude ver JONAS QUE TERÁ 25 ANOS NO ANO 2000 e JONAS E LILA, ATÉ AMANHÃ, que fazem um painel da realidade sociopolítica e comportamental de dois momentos decisivos, separados por 25 anos, e são grandes trabalhos.  AMANTES NO MEIO DO MUNDO envereda pela vida privada de um político, candidato nas eleições locais, e o rumo que tomam suas vidas pessoal e pública, outro bom trabalho.  Vi, ainda, MESSIDOR, um pouco mais datado, mas interessante.


JONAS E LILA, ATÉ AMANHÃ


Também houve filmes menores ou que, simplesmente, me desagradaram.  Alguns que preferiram enfatizar a crueldade ou o ser humano tomado por uma angústia paranóica se perderam porque produziram sofrimento inútil no espectador, numa perspectiva francamente estéril.  Ou investiram no grotesco puro e simples.  É o caso de NÃO ME AME, de Alexandros Avranas, da Grécia, POROROCA, de Constantin Popescu, da Romênia, ou MARLINA, ASSASSINA EM 4 ATOS, de Mouly Surya, da Indonésia.

Também houve equívocos em filmes políticos, como o argentino A CORDILHEIRA, de Santiago Mitre, que nem a presença carismática de Ricardo Darín salva.  Ou o francês ESSA É NOSSA TERRA, de Lucas Belvaux, um pouco melhor.  Em ambos, a política acaba sendo mostrada nos bastidores, nas manobras, nas jogadas, nos interesses pessoais ou de pequenos grupos, em decisões individualizadas, como se fatores socioeconômicos e históricos não tivessem maior e mais importante determinação.  Fica falso ou incompleto.  O documentário francês NAPALM, de Claude Lanzmann, que mostra a Coreia do Norte em três momentos distintos, se perde pelo excesso de personalismo e verborragia do diretor, que converte uma experiência pessoal em algo mais relevante do que o contexto geral, embora com ele se relacione.

O filme uruguaio/argentino EL PAMPERO, de Matias Lucchesi e O REBANHO, de Sebastian Caulier, também argentino, tratam de questões de relacionamento vinculando-as a crimes e suspense.  O resultado é apenas mediano, nos dois casos.  Ao documentário espanhol NIÑATO, de Adrián Orr, sobre um pai solteiro, artista  rapper , e sua rotina familiar com o filho, a irmã e a sobrinha, falta ritmo e interesse.  Torna-se monótono, sem acrescentar nada de relevante.  O suíço ANTES QUE O VERÃO ACABE, de Maryam Goormaghtigh, traz um relacionamento de jovens rapazes iranianos vivendo na Suíça, se adaptando ou desejando voltar, comparando as culturas.  Não deixa de ser interessante.

O espanhol SELFIE, de Victor García León, e o japonês OH LUCY!, de Atsuko Hirayanagi, ficaram na superfície, mesmo contando com bons personagens.  Podem servir para entretenimento, mas ficaram devendo em relação ao que se espera na Mostra.

E POR QUE A SALA 2 DO RESERVA E A 1, DO ITAÚ AUGUSTA?

Volto a reclamar das escolhas inadequadas.  A sala 2 no Reserva Cultural, acanhada para a Mostra, que, de forma evidente, estaria muito mais bem acolhida na sala 1, melhor e mais ampla.  Será que a Mostra não merece a prioridade do cinema, nos dias em que ela ocorre?  Estranho!


Quanto à sala 1 do Itaú Augusta, dá para entender a sua escolha, por ser a maior, mas é a de pior visibilidade e impraticável para a leitura de legendas abaixo da tela.  Talvez a saída seja programar só filmes nacionais ou que já estejam legendados, para essa sala, não os demais.  Ou usar a sala 3 do Itaú Augusta, que é ótima, embora seja menor.



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