Antonio Carlos
Egypto
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, edição
41, ofereceu um vasto cardápio em
qualidade cinematográfica a habituées. E quem chegou agora também não tem do que se
queixar. A maior dificuldade foi
escolher o que assistir, entre 394 filmes.
Por maior disponibilidade que se tenha para o evento, é quase impossível
chegar a ver 20% do que é ofertado.
Tirando alguns poucos, que eu conheço, quantos conseguiram ver mais de
70 filmes no período da Mostra?
Eu vi bastante, 60 filmes neste ano, mas com a
vantagem de ver uma parte deles em cabines de imprensa, antes de a Mostra
começar. Aí ficou possível ver e ainda
escrever sobre os filmes, assistindo em geral a três filmes por dia. Desses 60,
já comentei no cinema com recheio 30
filmes, ou seja, metade deles, sendo que eu escolhi falar do que gostei mais. O que significa que eu já tinha visto muita
coisa boa, a maioria, e ainda teria muito mais a ver. Não vou retornar aos 30 já comentados, eles
podem ser acessados por quem não leu aqui mesmo, no blog.
COM AMOR, VAN GOGH |
COM AMOR, VAN
GOGH, da Polônia/Reino Unido, de Dorota Kobiela e Hugh Welchman. É uma animação muito bonita, feita a partir
dos quadros e da técnica típica do pintor, procurando contar um pouco da sua
vida, por meio das cartas que escreveu, e levantar questões sobre a sua
morte. O público o elegeu como o melhor
da Mostra. Quem quiser conferir, fique
de olho, porque ele já será lançado nos cinemas. É, sem dúvida, bonito de ver, embora a
narrativa não seja das mais inovadoras ou atraentes. O assunto cansa e a técnica se repete.
EM QUE TEMPO
VIVEMOS? é uma junção de curtas dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul), refletindo sobre a realidade atual, de formas diversas. O chinês Jia Zhang-Ke e o nosso Walter Salles
são destaques, mas todos são bons. Será lançado nos cinemas também, em
breve. Bem, a data mesmo, nunca se
sabe...
O AMANTE DE UM
DIA é mais um belo filme do diretor francês Philippe Garrel. A curiosa história da nova amante do pai ter
a mesma idade da filha: 23 anos. A
relação que se dá entre as duas é o fio condutor do filme. Muito bom.
E vai chegar aos cinemas, também.
UMA ESPÉCIE DE
FAMÍLIA, filme argentino de Diego Lerman, também está para ser lançado nos
cinemas, em breve. Não chega a ser um
filme entusiasmante, mas tem algumas boas sequências, numa história que envolve
decisões éticas, um tanto complicadas, sob contexto social limitador.
MULHERES
DIVINAS, da seleção suíça da Mostra, de Petra Volpe, é um filme quadradinho
na concepção, que trata do direito ao voto feminino no país, só legalmente
efetivado pelos homens na incrível data de 07 de fevereiro de 1971. Não é erro, não. É um absurdo que parece inconcebível,
num país desenvolvido como a Suíça. O filme mostra que, numa pequena cidade, a
coisa era ainda mais ridícula, em pleno período de movimentos sociais que
sacudiram a França e toda a Europa, em 1968.
A protagonista se chama, apropriadamente, Nora, como a da casa de
bonecas de Ibsen.
O BEIJO NO ASFALTO |
Os únicos filmes brasileiros que vi na Mostra me
agradaram bastante. AOS TEUS OLHOS foi dirigido por Carolina Jabor e protagonizado por
Daniel de Oliveira. Trata do tema do
abuso sexual, supostamente praticado por um professor de natação, com um
menino. Ele foi sumariamente julgado nas
redes sociais, sem que se pudesse investigar adequadamente o caso. O
BEIJO NO ASFALTO, dirigido por Murilo Benício, a partir do texto de Nelson
Rodrigues, é muito bom e criativo na sua estrutura. Da mesa de preparo do trabalho para as cenas
filmadas, as coisas se intercalam e esclarecem o que envolve os personagens,
seus sentimentos e motivações. Com
direito a ótimas tiradas e intervenções da grande Fernanda Montenegro. No elenco, Lázaro Ramos, Débora Falabella,
Stênio Garcia e Otávio Müller brilham. E
o ator Murilo Benício se revela como cineasta, em seu primeiro longa. A estrutura lembra o filme “Ricardo III, um
Ensaio”, de Al Pacino, de 1986, que procurava explicar a peça de
Shakespeare. Nelson Rodrigues também
merece esse cuidado, digamos, didático.
As retrospectivas foram outro ponto alto da
Mostra. Já comentei filmes de Agnès Varda,
maravilhosos. Foi bom poder ver, do Paul
Vecchiali, NOITES BRANCAS NO PÍER,
um trabalho de categoria, com uma música espetacular. Já seu filme novo, OS 7 DESERTORES, não foi muito inspirador e sua trama se desgastou
rapidamente. Do grande cineasta suíço
Alain Tanner pude ver JONAS QUE TERÁ 25
ANOS NO ANO 2000 e JONAS E LILA, ATÉ
AMANHÃ, que fazem um painel da realidade sociopolítica e comportamental de
dois momentos decisivos, separados por 25 anos, e são grandes trabalhos. AMANTES
NO MEIO DO MUNDO envereda pela vida privada de um político, candidato nas
eleições locais, e o rumo que tomam suas vidas pessoal e pública, outro bom
trabalho. Vi, ainda, MESSIDOR, um pouco mais datado, mas
interessante.
JONAS E LILA, ATÉ AMANHÃ |
Também houve filmes menores ou que, simplesmente, me
desagradaram. Alguns que preferiram
enfatizar a crueldade ou o ser humano tomado por uma angústia paranóica se
perderam porque produziram sofrimento inútil no espectador, numa perspectiva
francamente estéril. Ou investiram no
grotesco puro e simples. É o caso de NÃO ME AME, de Alexandros Avranas, da
Grécia, POROROCA, de Constantin
Popescu, da Romênia, ou MARLINA,
ASSASSINA EM 4 ATOS, de Mouly Surya, da Indonésia.
Também houve equívocos em filmes políticos, como o
argentino A CORDILHEIRA, de Santiago
Mitre, que nem a presença carismática de Ricardo Darín salva. Ou o francês ESSA É NOSSA TERRA, de Lucas Belvaux, um pouco melhor. Em ambos, a política acaba sendo mostrada nos
bastidores, nas manobras, nas jogadas, nos interesses pessoais ou de pequenos
grupos, em decisões individualizadas, como se fatores socioeconômicos e
históricos não tivessem maior e mais importante determinação. Fica falso ou incompleto. O documentário francês NAPALM, de Claude Lanzmann, que mostra a Coreia do Norte em três
momentos distintos, se perde pelo excesso de personalismo e verborragia do
diretor, que converte uma experiência pessoal em algo mais relevante do que o
contexto geral, embora com ele se relacione.
O filme uruguaio/argentino EL PAMPERO, de Matias Lucchesi e O REBANHO, de Sebastian Caulier, também argentino, tratam de
questões de relacionamento vinculando-as a crimes e suspense. O resultado é apenas mediano, nos dois
casos. Ao documentário espanhol NIÑATO, de Adrián Orr, sobre um pai
solteiro, artista rapper , e sua
rotina familiar com o filho, a irmã e a sobrinha, falta ritmo e interesse. Torna-se monótono, sem acrescentar nada de
relevante. O suíço ANTES QUE O VERÃO ACABE, de Maryam Goormaghtigh, traz um
relacionamento de jovens rapazes iranianos vivendo na Suíça, se adaptando ou
desejando voltar, comparando as culturas.
Não deixa de ser interessante.
O espanhol SELFIE,
de Victor García León, e o japonês OH
LUCY!, de Atsuko Hirayanagi, ficaram na superfície, mesmo contando com bons
personagens. Podem servir para
entretenimento, mas ficaram devendo em relação ao que se espera na Mostra.
E POR QUE A
SALA 2 DO RESERVA E A 1, DO ITAÚ AUGUSTA?
Volto a reclamar das escolhas inadequadas. A sala 2 no Reserva Cultural, acanhada para a
Mostra, que, de forma evidente, estaria muito mais bem acolhida na sala 1,
melhor e mais ampla. Será que a Mostra
não merece a prioridade do cinema, nos dias em que ela ocorre? Estranho!
Quanto à sala 1 do Itaú Augusta, dá para entender a
sua escolha, por ser a maior, mas é a de pior visibilidade e impraticável para
a leitura de legendas abaixo da tela.
Talvez a saída seja programar só filmes nacionais ou que já estejam
legendados, para essa sala, não os demais.
Ou usar a sala 3 do Itaú Augusta, que é ótima, embora seja menor.
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