Antonio
Carlos Egypto
DEPOIS DA CHUVA.
Brasil, 2013. Direção: Cláudio
Marques e Marília Hughes. Com Pedro
Maia, Sophia Corral, Talis Castro, Aícha Marques, Ricardo Pisani, Victor
Corujeira. 90 min.
No começo dos anos 1980, a ditadura civil-militar
brasileira perdia força progressivamente, enquanto tentava uma transição para a
normalidade democrática, que pudesse se fazer por meio de uma abertura lenta, gradual e segura. A lei da anistia cimentaria uma espécie de
esquecimento dos crimes praticados de lado a lado, ou seja, a resistência
armada sendo equiparada à tortura oficial do regime.
O fato é que o movimento pelas diretas já acendeu uma grande esperança no povo, já farto do regime
autoritário que se arrastava por duas décadas, infelicitando a nação
brasileira. Os comícios organizados
reuniam grandes multidões e diversas tendências políticas, que tinham em comum
a luta pela reconstrução do Estado de Direito no Brasil. O clima era, portanto, tenso, mas
promissor. As reuniões e debates já
podiam acontecer à luz do dia. E,
afinal, seria mesmo uma questão de tempo.
Mas, antes que o ideal da redemocratização pudesse acontecer, o país
ainda viveria duas enormes frustrações: as eleições diretas para presidente não
vieram, foi preciso criar uma engenharia política para eleger Tancredo Neves
pela via indireta e, eleito, Tancredo morreu antes de que pudesse tomar
posse. As esperanças geraram frustração,
desencanto. Embora a transição tenha se
realizado a contento, com o governo de José Sarney, o vice de Tancredo,
passamos da euforia à depressão.
Esse momento político marcante da nossa história está
presente na ficção “Depois da Chuva”, de Cláudio Marques (também roteirista do
filme) e Marília Hughes, por meio do microcosmo de Caio (Pedro Maia), na sua
vida de aluno do colegial, atual ensino médio.
Nas suas relações pessoais, no envolvimento com o
grêmio da escola em vias de reativação, descobrindo o amor, a amizade e o peso
da política na vida de cada um, ele vive mergulhado no inconformismo, na
contestação, orientado por uma perspectiva genericamente anarquista que olha
mais para o desencanto do que para a esperança.
Ainda que flerte com ela: chega a apresentar uma candidatura ao grêmio
estudantil, após pregar a anulação do voto.
Seus pais estão distantes dos seus dilemas e preocupações, de uma forma
ou de outra, estão cuidando de suas próprias coisas e isso já parece ser muito.
O filme se concentra no clima, no dia-a-dia escolar,
nas questões existenciais dos jovens, no rock rebelde que se opunha à MPB
contestadora da época, na escala reduzida de uma escola em Salvador, na Bahia,
e por meio dela remete ao que se vivia no país.
No instante recortado dessa história, a frustração se impõe, dando a
dimensão de um desencontro que, supostamente, ainda esteja aí como consequência
de tudo aquilo.
No entanto, se olharmos para o que se construiu
depois disso, há que se reconhecer o muito que se conquistou na solidificação
de uma democracia plena de direitos, das instituições, além de palpáveis
avanços econômicos e sociais. Ansiamos hoje por novos modelos de atuação
política dentro do espectro democrático, buscando solidificá-la em bases de
representação e participação mais sólidas e eficazes. A batalha do período retratado por “Depois da
Chuva” já foi vencida. E isso não é pouco.
Revisitar esses períodos recentes da nossa história
por meio de memória da experiência vivida e de lembrança de seus embates dentro
e fora de cada um de nós, como fez o filme baiano, é um bom caminho ficcional
que o cinema brasileiro pode explorar mais.
Contribui para a reconstituição das verdades que não só uma comissão
nacional designada para esse fim tem a obrigação de resgatar.
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