Antonio
Carlos Egypto
O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA. Portugal, 2010. Direção e roteiro: Manoel de Oliveira. Com Ricardo Trêpa, Pilar Lopez de Ayala,
Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra, Filipe Varga. 95 min.
Grande mestre do cinema, o cineasta português Manoel
de Oliveira realizou este “O Estranho Caso de Angélica” aos 102 anos de idade,
em 2010. Em 2012, apresentou nos
festivais “O Gebo e a Sombra” e está filmando “A Igreja do Diabo”, baseado em
contos de Machado de Assis, com Fernanda Montenegro e Lima Duarte no
elenco. Impressionante, não?
Manoel de Oliveira |
Angélica (Pilar Lopez de Ayala), uma mulher
lindíssima, morre poucos dias depois de se casar. Sua família, que está bem de vida, chama com
urgência um fotógrafo profissional para registrar a moça morta no auge da
juventude e da beleza. Com efeito, Issac
(Ricardo Trêpa, neto do diretor), o jovem fotógrafo, fica impressionado com
ela. Naturalmente, por sua beleza, mas,
principalmente, porque ao ser retratada ela se move, pisca para ele. E só para ele. Ninguém mais vê.
A partir daí, ele se tornará obcecado por ela. Procurará encontrar nas fotos que tirou o
mistério da criatura e da situação. Em
busca do registro visual revelador, como o de Antonioni, em “Blow-Up”.
Issac passa a conviver com a imagem de Angélica e com
ela, como um fantasma. De sujeito
reservado e até antissocial, como comprova seu convívio na pensão onde vivia, o
homem passa a ser um enamorado, um romântico.
O amor produzindo mudanças radicais no comportamento das pessoas. Mas que espécie de amor será esse? Ao que poderá levar?
Essa história realmente estranha, sobrenatural, dá
margem a que Manoel de Oliveira explore efeitos especiais muito interessantes. Ninguém nunca viu antes pessoas voando nos
filmes dele, marcados pelo realismo e pela reflexão sobre a vida. O que não significa que ele não tenha uma
atração pelo inusitado, pelo surreal.
Esse caminho, complementado por uma erudição visível, já foi capaz de
produzir belos trabalhos em sua vasta obra cinematográfica. Muitas vezes, também, ele escolhe textos
literários que bebem nessas fontes.
“O Estranho Caso de Angélica” perscruta a alma humana
por meio da perplexidade romântica de Issac.
De alguma forma, ele sempre viveu num outro mundo. Mas, estando à parte, manifestava uma
sensibilidade especial. Isso não dizia
respeito apenas à beleza feminina, mas também às questões sociais, como o
trabalho na terra que ele registrava, acompanhando trabalhadores rurais
portando enxadas.
Sua câmera, assim como a do cinema de Manoel de
Oliveira, está atenta a tudo, se interessa pelas agruras e mistérios do mundo e
pensa sobre ele. Constantemente. Um ser solitário que pesquisa o seu ambiente
e o mundo. A câmera é seu maravilhoso
instrumento, o meio de produzir esse conhecimento. Na fotografia, que se move transformando as
coisas, está o próprio cinema. O
centenário realizador continua a crer no seu meio de abordar e compreender as
coisas, com uma juventude de fazer inveja a qualquer um de nós.
Conhecer a obra de Manoel de Oliveira é beber dessa
fonte inesgotável de saber, culto e elegante.
Ao mesmo tempo, encarar uma provocação intrigante e misteriosa, como a
história de Angélica e do seu fotógrafo póstumo.
“O Estranho Caso de Angélica” foi o filme de abertura
da sessão Un Certain Regard, no
Festival de Cannes 2010, e foi também o filme de abertura da 34ª. Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo. Só
agora chega à exibição comercial nos cinemas.
Antes tarde do que nunca.
A obra de Manoel de Oliveira em DVD no Brasil ainda é
também muito modesta, em relação à sua produção. Poucos títulos estão disponíveis. Está mais do que na hora de suprir essa
lacuna. Estão esperando o quê?
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