Antonio Carlos Egypto
HOJE. Brasil, 2011.
Direção: Tata Amaral. Com Denise
Fraga, Cesar Trancoso, João Baldasserini, Pedro Abhull, Lorena Lobato. 82 min.
O que sabemos sobre as pessoas
que viveram a luta clandestina e armada de resistência à ditadura brasileira,
no seu período mais tenebroso? Que
marcas a tortura deixou nas pessoas que sobreviveram? E quanto aos desaparecidos? Como ficaram as relações pessoais e
familiares? Qual foi o custo dessa
história toda? São perguntas que remetem ao passado? Segundo a diretora Tata Amaral, não. Trata dessas pessoas hoje. Daí o nome do filme.
Qual é o sofrimento que existe
hoje? O que fica entranhado na vida de
alguém que foi torturado, resistiu heroicamente ou delatou, e sobreviveu? E os filhos e companheiros ou companheiras
que sumiram? Porque é preciso abordar
questões como essas, abrir a caixa-preta, na expressão de Denise Fraga, é que é
muito oportuna a história contada em “Hoje”, com base em ótimo roteiro de
Jean-Claude Bernardet, Rubens Rewald e Felipe Sholl, a partir do livro “Prova
Contrária”, de Fernando Bonassi.
Vera, que já teve o codinome de
Ana Maria, quando viveu em aparelhos clandestinos, interpretada por Denise
Fraga, teve seu companheiro desaparecido: Luiz, ou Carlos, como codinome, o
papel de Cesar Trancoso. Quando Vera é
reconhecida como viúva, obtém legalmente uma reparação em dinheiro, o que lhe
permite ter, pela primeira vez na vida, um apartamento comprado a vista. Pode
usufruir agora de algum conforto. É o
que se mostra nas características do velho mas espaçoso imóvel. Vemos sua mudança, que decorre ao longo de
todo o filme.
Com o apartamento, vêm as culpas,
o medo da verdade, os fantasmas. Eles
sempre estiveram aí, estão aí, mas potencializados pela concretude da moradia,
consequência trágica da perda. Mas, e se
o desaparecido aparecer de repente?
Ao relatar essa história íntima,
Tata Amaral põe Vera em contato com Luiz e também Ana Maria em contato com
Carlos, enquanto os carregadores vão trazendo as caixas da mudança que terão de
ser postas em algum lugar e abertas depois.
Clara metáfora das caixas-pretas que continuam por aí, esquecidas ou
negadas. Hoje elas parecem destinadas à
Comissão da Verdade, enfim criada há um ano.
Mas pertencem a todos, a toda a nação.
Como é possível viver sem abri-las, organizá-las, dispor de seu conteúdo
pela casa? Mesmo que a caixa destinada à
saleta vá parar no quarto, ou a do escritório fique na sala. É fundamental abri-las, conhecê-las.
Denise Fraga é reconhecidamente
uma das grandes atrizes brasileiras da atualidade. Tão competente nos papéis cômicos, desenvolve
aqui um papel dramático, trágico, cheio de nuances, sentimentos fortes
abafados, ambiguidades. Ela tem um
admirável desempenho, que dá força e significado à temática que “Hoje” abraça.
Cesar Trancoso, o ator uruguaio,
protagonizou “Infância Clandestina”, o filme argentino que representou a nação
portenha na disputa do Oscar de filme estrangeiro. Já havia participado, também, da divertida
produção uruguaia e brasileira, “O Banheiro do Papa”. É um excelente ator e também faz um belo
trabalho. Não deixa de ser curioso
constatar a escolha de alguém de origem estrangeira e forte sotaque para viver
um personagem que luta contra a ditadura brasileira. Busca dar uma dimensão mais ampla,
ultrapassar a própria realidade nacional?
Será uma forma de relacionar os dramas vividos por aqui com os da Argentina,
Uruguai, Chile? Uma alternativa para dar
ao personagem a possibilidade de ter sumido do país? Creio que tudo isso pode caber. Faz sentido, pelo menos.
Tata Amaral escapa à situação
teatral a que a história conduz, toda ela vivida num apartamento vazio, que vai
sendo preenchido. Ela se vale de
projeções e de planos diversos, que sempre mostram o apartamento sob ângulos e
aspectos diferentes. Funciona bem.
“Hoje” foi o grande vencedor do
Festival de Brasília de 2011, recebendo o prêmio da crítica de melhor filme e
prêmios para atriz, fotografia, direção de arte e roteiro.
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