sexta-feira, 15 de abril de 2011

HOMENS E DEUSES

Antonio Carlos Egypto

HOMENS E DEUSES (Des Hommes et des Dieux). França, 2010. Direção: Xavier Beauvois. Com Lambert Wilson, Michael Lonsdale, Olivier Rabourdin, Philippe Laudenbach, Jacques Herlin. 120 min.


O centro da narrativa de “Homens e Deuses” é um mosteiro situado no monte Atlas, que faz parte de uma cadeia de montanhas na Argélia, continente africano. Lá vivem sete monges cristãos franceses, em vida de pobreza, extremamente dedicados à sua missão ou à sua escolha de vida.

A primeira parte do filme se dedica a mostrar a vida no mosteiro. Os frades plantam o que comem, cozinham, cuidam do lugar. Um deles, que é médico, atende à população local com dedicação e ainda distribui remédios e, quando necessário, outras coisas, como tênis, para os necessitados. Levam uma vida de cantos e orações. O espectador entra no clima – ou já se irrita de pronto, isso depende – não há qualquer crítica, antes uma exaltação dessa vida monástica. Apreciei o clima, mas senti falta do contraditório.

No entorno do mosteiro, está a pequena cidade, beneficiada pela presença dele, sob muitos aspectos, especialmente pelos serviços que recebe. Porém, os frades parece que contribuíram também para o crescimento do próprio lugarejo. Só que prevalece no local o islamismo. O que não parece ser problema, os frades e os irmãos muçulmanos vivem em harmonia. Na mesa de estudos de Christian (Lambert Wilson), o frade superior da pequena comunidade religiosa, convivem pacificamente a Bíblia e o Alcorão. E ele, assim como seus pares, entende os valores da sociedade local.

Tudo seria extremamente tranquilo e harmonioso não fosse a existência armada e agressivamente atuante de fundamentalistas islâmicos praticando terrorismo, matando operários croatas na base da degola. Por outro lado, o exército local está a serviço de um governo corrupto e também sanguinário, disposto a massacrar os rebeldes. A ação se passa nos anos 1990.

Tudo isso, e o que não fica claro, vai sendo pescado pouco a pouco. O filme não informa, não indica de que se trata, nem onde, nem porquê. Talvez por supor que, como está contando uma história que aconteceu de fato, todo mundo a conheça na França, por exemplo. Certamente não é a realidade para todos os países. Não custava nada situar melhor o espectador, não familiarizado com os fatos, já que se buscava também uma distribuição mundial da fita, haja vista sua apresentação em festivais importantes pelo mundo.


Bem, mas o melhor do filme é o dilema moral que se apresenta para os frades. Aceitar a proteção militar ao mosteiro e compactuar com um governo com o qual não se identificavam nem a população, nem eles próprios? Arriscar passar a ser mal vistos pela população? Serem controlados em todas suas ações pelo exército?

Ficar sem proteção e arriscar a própria vida? Esperar pelos ataques dos terroristas? Negociar com eles? Até que ponto? Atender aos doentes e feridos deles, assim como atendem à população? Misturá-los à população que os via como agressores e violentos? (Basta lembrar que meninas foram assassinadas por não usarem o véu recomendado pelos muçulmanos).

Seria melhor partir de volta para a França? Aceitar a oferta que o próprio governo lhes estava fazendo? Seria justo? Seria uma fuga, um abandono da população? E se uns quiserem ir e outros, não? Será preciso existir consenso nesse caso? Ou a opção de cada um será respeitada?

“Homens e Deuses” é sobre todos esses dilemas morais e o clima de insegurança, de medo, ou a firmeza de convicções religiosas. De qualquer modo, a incerteza se abate sobre todos. E se tornará indispensável a tomada de decisões, com todas as consequências que elas acarretarem. Isso dá força e interesse ao filme, que acabou vencendo o César (o Oscar francês), além do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

O principal mérito de “Homens e Deuses” é se centrar nos dilemas morais dos frades, mais do que nos fatos contundentes que a história registra. É o que dá frescor a um filme que, de outro modo, poderia resultar soturno, pesado e aborrecido. E, apesar dos pesares e da gravidade do assunto, sem grandes novidades. Do modo que está, ele se torna suficientemente atraente, cria suspense e pode conquistar o interesse dos espectadores.

2 comentários:

  1. Egypto,

    Gostei do filme e também dos comentários que você fez. Não me incomodou a falta de mais esclarecimentos a respeito do “de que se trata, nem onde, nem porquê”. Boa parte do filme se passa dentro do mosteiro, onde “vivenciamos”, com lentidão apropriada, o cotidiano da vida religiosa, com seus trabalhos, leituras, cantos e preces; mas também as angústias e reflexões dos monges. O que fazer se o mundo lá fora é cruel e não pede licença? Um contraste que o filme explora muito bem, na minha opinião.

    Abraços,

    Carlos Affei

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  2. Gostei muito do filme. Mais do que a proteção em sí, há um dilema de vocação aí. Jesus também foi perseguido. Eles continuaram com a suas vidas, na sua vocação. Parabéns ao diretor!!!

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