quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

TETRO

                                                             Antonio Carlos Egypto



TETRO (Tetro).  Estados Unidos, 2009.  Direção e roteiro de Francis Ford Coppola.  Com Vicent Gallo, Maribel Verdú, Aldren Ehrenreich, Klaus Maria Brandauer, Carmen Maura.  127 min.


Francis Ford Coppola volta à direção de cinema, depois de alguns anos, com sua nova produção e um roteiro original dele mesmo: “Tetro”.

À medida em que eu via as imagens de “Tetro” sendo projetadas, sua magnífica estética em preto e branco me remetia a alguns dos melhores filmes do chamado “cinema de arte” dos anos 1960 e 1970, em que as cores ainda não haviam enterrado a fotografia tradicional da história do cinema.  As diversas tonalidades de cinza, o branco luminoso, as sombras, os ambientes escurecidos, exibindo contrastes belíssimos, seduziam o olhar. E me remeteu, também, a outro filme de Coppola, com as mesmas características: “O Selvagem da Motocicleta”, ou, no original, “Rumble Fish”, de 1982.

Já naquele momento, o cineasta retomava a estética em preto e branco das décadas anteriores e contava uma história de relacionamentos familiares e convívio com o impulso para a violência, sempre que a frustração se impusesse. 

O centro da narrativa era a relação entre dois irmãos, o mais velho, uma figura lendária, um tanto misteriosa e flertando com a loucura, numa aparente mansidão que, no entanto, se transformava instantaneamente em violência eficiente.  O irmão menor, com cerca de 18 anos, tentava mimetizar o outro, sem o mesmo talento, maturidade ou conhecimento do terreno em que pisava.  O irmão mais velho havia sumido e agora estava de volta, mas, na verdade, o mais novo não o conhecia. O colorido praticamente só aparecia quando entravam em cena os “peixes de briga”, vermelhos ou azuis, que representavam simbolicamente os personagens do filme.  Havia uma cena colorida já ao final

Aqui também é de uma relação de irmãos que se trata.  Um, mais velho e experiente, Tetro (Vicent Gallo), o outro, menor e um tanto ingênuo, em busca de reencontrar e conhecer o primogênito, Bennie (Aldren Ehrenreich), de 17 anos, que vai ao encontro do irmão que sumiu e que ele mal conhece.  Misterioso, enlouquecido, Tetro esteve num manicômio, se apaixonou por uma médica de lá,  se apartou da família.  Bennie tenta encontrar-se e à sua origem familiar, aproximando-se do irmão e seguindo seus passos, mas recebe de volta distanciamento e rejeição de Tetro.  Não de sua mulher, que o acolhe. A partir daí, se desenvolverá a trama que inclui abandono materno e paterno, modelos a serem seguidos, ou, por impossibilidade de sucesso, rejeitados ou odiados.  É de modelos que falava também “Rumble Fish”.  

A inovação da cor para mostrar cenas do passado, invertendo a lógica habitual, em que o passado é costumeiramente visto em preto e branco, tem sua correspondência nos peixes coloridos do filme anterior.  Aquele, um roteiro adaptado, aqui, um roteiro original, do diretor, o primeiro desde “A Conversação”, de 1974, um clássico que antecipava as atuais discussões sobre a questão da privacidade.

Não sei se terá sido esta a intenção de Coppola, mas ele retomou seu filme “O Selvagem da Motocicleta” na mesma proposta estética, ampliando  e tornando mais complexa a história.  Partiu também dos mesmos elementos constitutivos e características básicas dos personagens principais.

A grande saga dos três filmes de “O Poderoso Chefão” ou o épico delirante e grandiloquente de “Apocalipse Now”, sem dúvida grandes filmes do diretor, pouco ou nada têm a ver com o atual “Tetro”.  Mais nostalgia do que superprodução, o filme trata de conflitos pessoais e familiares que vivem se repetindo em todos os lugares e épocas.  Com as características próprias de cada momento e valorações diversas em cada tempo, mas com uma essência que os torna algo permanentes.  Coisas que qualquer filme de Ingmar Bergman é capaz de alcançar, em que pesem seus vínculos históricos e geográficos tão específicos.

Francis Ford Coppola se sai muito bem nesta nova empreitada, fazendo um belo filme que também busca essa essência das coisas.  Seu ar nostálgico nos remete à grande arte dos clássicos inovadores em preto e branco, que fizeram a cabeça de muitos cinéfilos e que parecem insuperáveis.

Ao aproximar-se dessa vertente, com “Tetro”, Coppola só faz reafirmar que é um dos grandes mestres do cinema norte-americano de todos os tempos, com versatilidade suficiente para brilhar em diferentes registros dessa cinematografia.  Não que ele não tenha tido fracassos.  Teve vários, incluindo falência.  Mas a obra que construiu até aqui é notável e alguns desses fracassos merecem ser reavaliados.  E, é claro, fracassos comerciais podem ser êxitos artísticos.  O tempo muitas vezes acaba por resgatar pérolas que passaram despercebidas em sua época ou foram rejeitadas até por estarem avançadas em relação a seu tempo.  Ou, ainda, porque se arriscaram a sair do esperado, em busca daquilo que pode inovar ou surpreender.

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