sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CIDADÃO BOILESEN

Antonio Carlos Egypto


CIDADÃO BOILESEN. Brasil, 2009. Direção: Chaim Litewski. Documentário. 92 min.


Certamente a grande maioria da população brasileira, incluindo os que viveram nos anos de chumbo da ditadura militar, nunca ouviu falar de Henning Albert Boilesen, nascido em 1916, dinamarquês naturalizado brasileiro, empresário muito bem sucedido, que chegou a presidente da Ultragás (ou do grupo Ultra) e foi assassinado por militantes da luta armada, em 1971. Figura polêmica, usou de sua liderança para criar o eficiente CIE-E (Centro de Integração Empresa-Escola) e foi o mais notório dos financiadores da terrível OBAN, a Operação Bandeirantes.

A instituição da OBAN que podia tudo, prender, torturar, desaparecer com pessoas, foi possível quando se deu o golpe dentro do golpe, com o Ato Institucional nº 5 e o estado de direito sucumbiu à força. Para que isso fosse possível, era preciso não só militares e políticos de direita dominando o poder, mas também apoio da sociedade civil e, especialmente, muito dinheiro para financiar o aparato militar. É aí, principalmente, que entra, de forma relevante, o senhor Boilesen.

Ele usou de sua liderança para levantar fundos para a OBAN e conseguiu o apoio do empresariado para a causa do combate à subversão e ao terrorismo, como eram chamados os opositores do regime e aquela parte da esquerda que se aventurou pela luta armada. As ligações entre o mundo empresarial daquele período e o governo militar com seu aparato repressor aparecem cristalinas no documentário de Chaim Litewski, por meio do tal cidadão Boilesen. E muitas outras revelações vão aparecendo, sem estardalhaço, mas são muito significativas.

Esse é o maior mérito do filme: mostrar que tudo está aí, basta querer ver. Documentos de época, depoimentos de pessoas que conheceram ou conviveram com Boilesen, personagens dessa história recente do Brasil refletindo sobre o que se passou, tudo isso forma um painel sem dúvida revelador de uma realidade que permaneceu escondida sob a forte censura de seu tempo. E que a anistia, e a democracia que se conquistou a seguir, acharam por bem não ficar mexendo na ferida. Seja como for, a história tem de ser contada, deve nos ajudar a construir caminhos democráticos cada vez mais sólidos, em que os direitos humanos e a diversidade têm de ser cultivados como valores universais. O cinema cumpre seu papel quando contribui para isso.

Quanto à inspiração do título “Cidadão Boilesen”, que obviamente remete ao famoso “Cidadão Kane”, de Orson Welles, os pontos de contato são poucos. Litewski realmente mostra os dois lados da figura de Boilesen, mas quem viu o filme se lembrará de que um dos lados prevalece pela força de seu significado. Kane é um personagem multifacetado, seu mistério, simbolizado em Rosebud, nos indaga se é possível captar a essência de um homem. Por onde quer que olhemos, ele tem várias faces e significados, embora seu caráter autoritário perpasse toda a sua trajetória. É no uso inventivo da linguagem cinematográfica que Orson Welles transforma “Cidadão Kane” na genialidade que é.

As pretensões do documentário “Cidadão Boilesen” são bem mais modestas e o próprio personagem retratado, muito menos complexo ou enigmático que Kane. A comparação não se aplica aqui. “Cidadão Boilesen” tem sua importância para a história recente do Brasil e é um filme digno e respeitável. É o que basta.

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