terça-feira, 22 de abril de 2008

Entrevista com Luciano Ramos

Sociólogo e Jornalista, Ramos é pós-graduado em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e graduado em Jornalismo e Ciências Sociais (USP). Apresentador do programa Cinema Falado, na Rádio Cultura (SP) desde 2005, trabalhou como crítico de cinema no Jornal da Tarde, Jornal da República, Revista Isto É, Revista Senhor e Folha de São Paulo. Criou o Vídeo Guia (Guia de Filmes e Vídeo) da Editora Nova Cultural, do qual foi editor chefe entre 1988 e 1993. Coordenou e apresentou os vídeos da Coleção Isto É - Cinema Brasileiro em 1998. Nos anos 80, foi diretor da Coleção Cinema da Editora Paz e Terra. Tem artigos publicados em obras como Cinema Político Italiano (Cosacnaify – 2006), Cultura & Elegância (Contexto – 2006) e O Cinema Brasileiro (Publifolha – 1998).

Foi roteirista da rede SESC - SENAC de Televisão; diretor do DVD Sete Minutos; registrando peça de Antonio Fagundes; Coordenou a criação da série Telecurso Segundo Grau para a Fundação Roberto Marinho; Membro do Conselho Administrativo da TVE, até 2002. Dirigiu e apresentou a série de programas de TV Cena Aberta, exibido em todas as emissoras culturais do país. Foi editor chefe das revistas História Viva e Educação.

Na Rede Bandeirantes de Televisão (1992 - 1995), foi Chefe do Departamento de Cinema. Na Rede Globo de Televisão (1982-1984), foi redator e coordenador de programas educativos e de ficção. Na Rádio e Televisão Cultura (1970-1994), escreveu e apresentou a série Cine Brasil (até 1995); ancorou o Panorama (jornal diário de Artes e Espetáculos); dirigiu e apresentou os programas Imagem & Ação (revista semanal de cinema) e Última Sessão de Cinema (debate semanal sobre filmes).

Na época em que foi coordenador e Comunicação do Ministério da Cultura (1995-2002) foi responsável pela criação e implementação do primeiro portal cultural de caráter governamental da internet, o SACI (Sistema Aberto de Cultura e Informação) www.cultura.minc.gov.br

É autor de José de Anchieta: Poeta e Apóstolo e Aparecida, Senhora dos brasileiros (publicados em 2004 pela editora Paulinas).

Fonte: site Rádio e Televisão Cultura. http://www.tvcultura.com.br/radiofm/radiofm0703/guia-cinemafalado.htm

D.: Qual deve ser a formação do crítico de cinema?

L.R.: A formação pode ser acadêmica ou acontecer por meio do autodidatismo. Antigamente, os críticos eram formados no próprio exercício da sua atividade. Até 1968, não existia nem curso de comunicações. Rubem Biáfora*, por exemplo, não tinha diploma de jornalista, mas exerceu grande importância na minha formação como crítico. Nos anos 70, ele escrevia no Estadão e eu no Jornal da Tarde. Até hoje em dia a formação profissional se realiza pelo aprimoramento de cada um. Na universidade ou fora dela. Acredito que apenas um curso de jornalismo não baste, porque é necessário muita leitura e um repertório grande de filmes assistidos e analisados. Provavelmente uma formação em nível de pós-graduação faça mais sentido.

D.: Qual a função da crítica?

L.R.: O crítico colabora para elevar o nível cultural cinematográfico do público, ou seja, ajuda as pessoas a formarem os seus próprios paradigmas para avaliar os filmes que assistem ou os aqueles que vão comprar ou alugar em uma locadora. E essa escolha pode transcender o mero entretenimento, para envolver o uso do cinema como ferramenta para a compreensão do mundo em que vivemos. Atualmente, os críticos têm pouco espaço na mídia. Menos do que se verificava há duas ou três décadas. Mas quando há a oportunidade de se elaborar um ensaio analítico mais aprofundado, aí poderá haver a chance de algum realizador ter a possibilidade de ser influenciado por essa reflexão. A boa crítica é aquela que enxerga além do que o cineasta pôde perceber. O próprio realizador quando cria, não o faz em termos absolutos, mas sim dentro de parâmetros, condicionantes culturais e sociais que influenciam maneira dos indivíduos absorverem as coisas do mundo. O que não é dito obviamente ou explicitamente pelo realizador, o crítico procura decifrar. Essa seria uma das missões da crítica: esclarecer significados ocultos e caminhos obscuros até para o cineasta.

D.: O que você pensa a respeito do cinema nacional?

L.R.: O cinema brasileiro está crescendo muito, melhorando bastante. Historicamente, houve momentos muito ruins em termos de criação. Nos anos 70/80, por exemplo, na época da Embrafilme, havia uma interferência muito grande do Estado. De um lado, existia a intenção de atrair público a todo custo com filmes sensacionalistas (pornochanchadas). Como as salas de cinema eram obrigadas a exibir filmes nacionais durante 180 dias a cada ano, os exibidores encomendavam produtos para atingir a massa. De outro, verificava-se a produção de muitos filmes que já nasciam pagos pelos recursos da estatal. Isso culminou na época Collor, em que a produção caiu a zero.

Depois da “Retomada” -- iniciada em 1995 -- as coisas foram se transformando gradativamente. Ocorreu um acréscimo de quantidade que está proporcionando uma espécie de salto qualitativo. Nós chegamos a um ponto em que a quantidade (70 filmes por ano -- quase o patamar da época da Embrafilme quando eram produzidos 100 filmes por ano) com mais qualidade e maior variedade. Antigamente os filmes eram muito parecidos entre si. Vejam-se as chanchadas musicais, os ciclos do cangaço, as pornochanchadas etc. Geralmente, os que eram aplaudidos pela crítica não eram bem vistos pelo público. Hoje em dia certos filmes de grande público como Dois Filhos de Francisco e Tropa de Elite são também elogiados por uma boa parte da crítica.

Filmes com uma linguagem televisiva, como A Grande Família podem ter um público reduzido futuramente, pois as pessoas não irão querer sair de casa para rever o que já assistem na TV.

D.: Quais são suas preferências estéticas?

L.R.: Sou absolutamente eclético. Não tenho preferência por cinema sueco ou japonês, ou por um determinado estilo. Aprendi a gostar daquilo que apresente qualidade ou que informe alguma coisa. Mas confesso que sou viciado em cinema. Desenvolvi o senso analítico e um olhar crítico, por necessidade profissional, mas também me emociono ao assistir obras simples e poéticas.

D.: O que você pensa sobre as escolas de cinema?

L.R.: Não conheço as que existem. Só lecionei em faculdades de comunicação, inclusiva na FAAP. Cuidava especialmente das disciplinas básicas, como Teoria da Comunicação e História dos Meios de Comunicação, além das matérias de técnica jornalística. Muita gente elogia o curso de cinema da FAAP. Dizem também que a antiga Escola São Luiz foi muito interessante. Carlão (Carlos) Reichenbach, que fez a Escola São Luiz nos anos 60 ou 70, diz que aprendeu muito por lá. Antigamente era muito raro um cineasta brasileiro se formar em Universidade. Lá fora muitos dos novos cineastas que estão fazendo sucesso estudaram em escolas de cinema. Mas não conheço os cineastas brasileiros que tenham aprendido a filmar na faculdade. Quais seriam eles? Esse seria um bom tema para se pesquisar.

D.: Qual deve ser o papel do Estado na atividade cinematográfica?

L.R.: É um grande absurdo o filme produzido com recursos públicos já sair pago da produtora, sem necessidade de disputar o mercado pela qualidade. Isso sim é um problema grave de política cultural. Agora o Estado deve se preocupar menos em fomentar a produção de cinema e mais na formação do público. Não adianta produzir filmes se não há público suficiente para assisti-los. O Estado precisa despertar o interesse, por ordem de prioridade, nos seguintes pontos: a) aprimorar a distribuição dos filmes brasileiros; b) criar mais estímulos para a exibição e c) investir pesado na formação do público, fomentando programas de divulgação e informação sobre a nossa cinematografia, para que o público cresça apreciando cinema cada vez mais. Nós críticos poderíamos colocar nossa experiência e nossa visão a serviço das autoridades da cultura, no sentido de ajudá-las a criar sistemas, projetos e mecanismos capazes de aumentar a dimensão das platéias. Nesse contexto, o barateamento do preço do ingresso é fundamental. O Estado, portanto, deveria valorizar, organizar e fomentar o cinema brasileiro.

D.: O que pensa sobre as mídias digitais? E a pirataria?

L.R.: A pirataria é o fim do mundo, o pior veneno de todos. Dizem que Tropa de Elite se beneficiou da pirataria. Não da para saber ao certo. Criaram até uma conta bancária para quem ficou arrependido por ter comprado CD pirata. O dinheiro arrecadado iria para o Instituto Nacional do Câncer: “deposite a sua cota de arrependimento”. O fato é que não deveria haver tolerância para com a pirataria. Deveria ser criado um meio tecnológico para evitar a pirataria, para que possamos comprar filmes por um preço decente, e que os artistas tenham o seu trabalho remunerado.

Quanto às mídias digitais, no começo eu estava um tanto apreensivo. Mas relaxei depois que assisti ao filme Colateral (Michael Mann – 2004), em que câmeras digitais filmavam à noite com uma imensa profundidade de campo e uma qualidade brutal na definição de imagem. Por enquanto a qualidade visual de uma fotografia em película ainda é superior. Mas creio que até isso pode mudar com o avanço da tecnologia. Acho que a mídia digital acrescenta e democratiza, amplia a gama de cineastas, com mais gente participando, com mais experiências e idéias inovadoras. Aliás, sempre que aparece uma mídia nova, as pessoas demonstram certo preconceito.

D.: Qual o papel da imprensa especializada neste ramo?

L.R.: O mesmo da imprensa especializada no teatro, no esporte etc. As pautas jornalísticas não podem se limitar à notícia bruta, mas precisam incluir o que pensam e sentem os realizadores e artistas. Mas as fofocas não interessam. A imprensa responsável deveria permanecer fora disso. Não é possível impedir uma revista sensacionalista de publicá-las. Para ser realmente especializado num determinado campo, o órgão de imprensa deve publicar não apenas a informação, mas também a opinião de especialistas. Uma coisa é um repórter de cinema, outra coisa é o crítico. É aí que se percebe o valor de uma pós graduação. Teoricamente, um repórter de cinema poderia se contentar em ter cursado apenas um bacharelado em comunicações. Mas o crítico deveria ser portador de uma bagagem cultural mais rica e variada.

D.: Qual o futuro do cinema mundial?

L.R.: Imagino que no futuro da indústria cultural, prevalecerá aquilo que apresentar uma utilidade concreta para as pessoas. O produto cultural descartável, ou supérfluo tende a sumir do mercado.

D.: Quais os melhores momentos de filmes e de diretores?

L.R.: Os primeiros são os que marcam mais. Por exemplo, Oito e Meio, Morangos Silvestres, Vidas Secas, Deus e o Diabo... Filmes que assisti em seus lançamentos. Descobri com eles que, além de diversão, o cinema é arte. Todas as listas de “melhores filmes” são muito variáveis, historicamente. Mudam de tempos em tempos. Alguns títulos aparecem em todas, como O Cidadão Kane, mas os gostos e preferências se transformam junto com a sociedade. Mas na qualidade de uma criação coletiva, o cinema deveria ser mais e melhor discutido coletivamente. Tenho saudade dos debates sobre filmes que eu fazia na TV Cultura, entre 1976 e 1980. Creio que cabe aos jovens e estudiosos estimularem essa discussão.

Um comentário:

  1. Adorei a entrevista com o Professoar Ramos.Muita experiencia no assunto só poderia transforma-lo nessa referencia que ele é hoje em cinema e cultura!
    Também acho que os debates que ele fazia sobre cinema deveriam voltar, agora mais que nunca precisamos deste exercicio cultural!
    Parabéns Professor!

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