Antonio Carlos Egypto
“Do que um filho se lembra melhor,
quando tudo o que resta são memórias”.
Este é o título de um ensaio do escritor Chang Rae, também roteirista do
filme “De Volta Para Casa”, em parceria com o diretor Wayne Wang. Como o ensaio se apresenta como autobiográfico,
o escritor é também o personagem principal da obra.
A narrativa singela e fluida, mas
muito consistente, trata de relações humanas que ficaram para trás e de
questões que ficaram suspensas por muitos anos.
No retorno, o que resta são memórias, sensações, cheiros e gostos que
unem um filho a sua mãe, e também a um pai e a uma irmã, embora com muito menos
importância.
Sair da Coreia para se desenvolver na
América do Norte, obter êxito, deixando tudo para trás, foi uma decisão própria
ou uma forma de obedecer às expectativas paternas? Por trás disso, o possível fantasma de uma
adoção?
Chega um momento em que é inevitável
encarar a volta, quando a mãe vive um câncer terminal, com muitas dores. Ela não o chamou de volta e até se surpreende
de ser tão central na vida do filho, mas o Ano Novo é a hora certa de estar
lá. Principalmente, porque será uma
oportunidade de oferecer à mãe o mesmo jantar tradicional coreano que ela
costumava ofertar a todos e que o ensinou a fazer.
A gastronomia tradicional aqui tem
importantes significados. É a forma
maior de manifestação do afeto, é uma fonte de prazer e um ritual de união
familiar. Que, no entanto, exige a
perfeição e não comporta rejeição orgânica, ainda que haja uma doença ou uma
ansiedade no meio disso. Pelo menos para
Chang Rae (Justin Chon), torna-se um fracasso intolerável. Lembranças do passado reforçam isso muito
bem. A ironia é que o câncer da mãe é de
estômago.
Com o tempo que passa, as memórias se
tornam opacas, imprecisas. Como retornar
ao que era, ou retomar o que era? A
intensidade dos afetos se manifesta, mas agora nada parece muito claro. Se o passado assusta, o tempo para reverter
os papéis e cuidar da mãe, que tanto dele cuidou, escoa rápido. O futuro não parece ser suficiente para um
acerto de contas nas relações e no mundo interno do nosso protagonista, de
volta às suas raízes. Ao lado de tudo isso, é necessário lidar com a própria
questão da identidade, do que se construiu fora, longe, em confronto com as
origens.
Essa bela temática é muito bem
trabalhada pelo diretor Wayne Wang, alternando sutilezas comportamentais com
arroubos descontrolados, a enfatizar a ambiguidade das atitudes. No pano de fundo, os julgamentos, os
ressentimentos, os medos e a busca de aprovação. Um elenco excelente, que tem em Justin Chon e
Jackie Chung, a mãe, os grandes destaques, sustenta essa narrativa intimista e
pessoal, com muito brilho.
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