Antonio Carlos Egypto
O TEXTO. Rússia, 2019.
Direção de Klim Shipenko. Com
Alexander Petrov, Kristina Asmus, Ivan Yankovsky. 132 min.
“O Texto” é um filme de suspense muito
bem produzido, com ótimo elenco e os elementos fundamentais para alcançar o
público que gosta do gênero. Tem uma
narrativa complexa, cheia de elementos que se desdobram, para dar conta de uma
situação tensa, que parece delirante e sem saída.
De fato, a trama pode ser chamada de
delirante porque, para encaixar os fatos, cria situações inverossímeis,
improváveis, impossíveis, tão enlouquecidas quanto as ações do personagem
central Ilya, ao sair da prisão, onde viveu por 7 anos, mesmo sendo inocente. A vingança contra quem armou para ele é um
clichê que se combinará com eventos cheios de tragédia e de coincidências
difíceis de aceitar do modo como são mostrados.
Tudo bem. Cinema também é
fantasia e aqui se explora ao máximo o smartphone
como fonte de acesso de toda uma vida num momento decisivo de sua
existência. A ponto de possibilitar que
se realize, por esse meio, assumir a identidade do outro.
O que acontece a partir daí também é
fantasioso demais e abusa do domínio das possibilidades por um personagem sem
os recursos pessoais e de controle necessários para tanto. Enfim, é preciso embarcar na história, sem
muita crítica, para poder se divertir, viver plenamente o suspense. O clima do filme de Klim Shipenko é muito bom
nesse sentido. Consegue um envolvimento
permanente do espectador, não no sentido da identificação com a figura do
protagonista, mas da aflição pela situação que ele vive, em que ele mesmo se
coloca o tempo todo. Percebe-se que não
pode dar certo, mas angustia ter de viver com ele tudo aquilo. Essa aflição se prolonga e cada novo ato
acrescenta elementos mais preocupantes ainda.
No que isso tudo pode dar? É o
que nos segura, nessa abordagem de suspense moderno, que termina por colocar o
personagem num interessantíssimo dilema moral, que redime o espetáculo ao seu
final.
“O Texto” é um filme que segue as
indicações atuais do gênero suspense com competência, mas com muito exagero
também. Tem boas possibilidades comerciais.
É o cinema russo atual disputando mercado com os cinemas norte-americano
e europeu, seguindo os moldes propostos por eles.
BOLSHOI. Rússia, 2016. Direção e roteiro de Valery Todorovsky. Com Margarita Simonova, Anna Isaeva, Alisa Fleindilich. 132 min.
O título já indica que este drama vai
explorar um dos grandes ícones da cultura russa: o balé Bolshoi. Por meio de uma bela produção, o filme nos
põe em contato com esse mundo mágico da dança clássica, potencializado por essa
referência mundial.
Yulia, a dançarina, é descoberta por
um ex-bailarino do Bolshoi, que percebe o seu grande potencial. E aí começa o já esperado trabalho de
lapidação do talento. Esse processo
acaba se mostrando mais complicado e difícil do que se poderia esperar. Com resultados realmente duvidosos.
O temperamento da bailarina, que busca
sua autoafirmação, pode ser um complicador.
A senilidade da sua protetora, com alguns esquecimentos fatais, pode pôr
tudo fora de controle. Além do mais, a
competição evidentemente entra no jogo, como seria de se esperar.
A narrativa explora a complexidade
desse mundo, sem apelar para a habitual fantasia da bailarina triunfante. Se há triunfo, ele passa, não só pelo
trabalho dedicado, que às vezes pode ser mesmo excessivo e indesejável, mas também
pelos interesses envolvidos, pelas relações pessoais e de poder que podem
surpreender, entre outras coisas. O
glamour existe, mas cobra um preço alto que nem todos se dispõem a pagar. Portanto, no caminho talentos se perdem. A arte não pode ser uma missão que se coloque
acima de tudo, por mais importante que seja.
Esse enfoque do filme é bastante
interessante, porque, ao mesmo tempo em que oferece espetáculo, induz à
reflexão. A qualidade da produção não
deixa margem a dúvidas quanto ao interesse em construir e solidificar uma
indústria cinematográfica de peso, na Rússia.
Os grandes talentos da história do
cinema russo e soviético têm de dar lugar a novos realizadores, como o
competente Valery Todorovsky, e a produções esmeradas. Não é possível viver só do passado, por mais
brilhante que tenha sido. E, claro, Serguei
Eisenstein, Andrei Tarkóvsky, Alecksandr Sokurov e Dziga Vertov, são gênios,
exceções, não aparecem a toda hora.
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