Antonio Carlos Egypto
O novo filme do cineasta português
João Botelho, O ANO DA MORTE DE RICARDO
REIS, é baseado na obra literária homônima de José Saramago
(1922-2010). É um dos melhores filmes
desta 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Por quê?
Traz uma narrativa ficcional, bastante original, concebida por Saramago,
que põe em contato criador e criatura.
Segundo essa narrativa, Fernando Pessoa, já morto em 1935, se encontra
com seu heterônimo, o médico Ricardo Reis, ainda vivo, em vias de partir no ano
seguinte, 1936. O encontro fantástico de
ambos rende conversas e versos de muita beleza poética, além de muitos
questionamentos sobre o tempo em que estão e o mundo daquele momento. Era o tempo de Mussolini, na Itália, Hitler,
na Alemanha, a eminência da guerra civil espanhola que traria o regime de
Franco e em Portugal, a ditadura de Antônio Oliveira Salazar (1889-1970), o
Estado Novo português, que vigorou de 1926 a 1974. Ou seja, tempos de ascensão e domínio do
fascismo. O filme nos leva aos anos
1930, por meio de uma mise-en-scène
meticulosamente trabalhada em todos os detalhes. Cenários, figurinos, ambientação, figuras
humanas muito bem caracterizadas e uma fotografia em preto e branco
deslumbrante. As sequências muito
frequentes de chuva e névoa criam um clima nostálgico que nos leva longe. A poesia não está só no texto, está nas
imagens. É um belo cinema. Ricardo Reis é vivido pelo ator brasileiro (nascido
no México) Chico Diaz, em excelente desempenho.
Contracena com um elenco muito sintonizado com a trama e a ambientação
desse passado, em que estão Luís Lima Barreto e as duas atrizes que são as
paixões “carnais” da criatura, Catarina Wellenstein e Victória Guerra, mulheres
belíssimas que só fazem acentuar ideias de sonho e idealização. Fernando Pessoa, Lídia e Marcenda são as
principais personagens em torno de Ricardo Reis. A figura do heterônimo remete ao Brasil, onde
ele teria estado nos últimos dezesseis anos, tendo saído de Lisboa após uma
revolta e retornado à cidade natal depois da revolta comunista no Brasil.
Portugal, porém, entrará numa ditadura paralisante por 41 anos e todos estarão
sob controle e vigília, como ele perceberá rapidamente. Talvez seu tempo já tenha passado e a poesia
já não possa deixar de ser fortemente política, se não quiser se alienar do
mundo. Fernando Pessoa (1888-1935)
serve, assim, de inspiração a uma obra cinematográfica de alta qualidade
artística, como pode se ver que também o é a criação de Saramago, ao
assistir-se ao filme de João Botelho.
125 minutos.
O cinema português esteve também
representado por outros bons filmes. ORDEM MORAL, do diretor lisboeta Mário
Barroso, traz a grande atriz Maria
de Medeiros vivendo muito à frente de seu tempo, em 1918, como Maria Adelaide
Coelho da Cunha, herdeira e proprietária do jornal Diário de Notícias, que se
envolve amorosamente com um jovem motorista, com idade para ser seu filho,
mesmo sendo casada. Banca o
atropelamento dos valores morais vigentes, arcando com consequências muito
grandes. Pagou o preço, mas enfrentou os
valores machistas e ultraconservadores e a injustiça dos dois pesos e duas
medidas, que serviam de balança para a avaliação moral de homens e mulheres.
Ainda servem? Só o desempenho de Maria
de Medeiros já vale o filme, mas as reflexões que ele traz também são muito
boas. 101 minutos.
O
ÚLTIMO BANHO,
dirigido por David Bonneville, em seu primeiro longa, se passa na região do
Porto, do Douro, em que Josefina se prepara para fazer os votos e se tornar
freira, e está muito feliz com isso, quando recebe a notícia da morte do
irmão. Seu sobrinho Alexandre, de 15
anos, cuja mãe está ausente há tempos e nem comparece ao enterro, torna-se
órfão, na prática. Josefina resolve,
então, assumir a educação do jovem, em atitude maternal, que trará novas
configurações ao longo do tempo.
Atrações e desejos sub-reptícios se tornam presentes, especialmente
quando Ângela, a irmã e mãe, reaparece.
O filme perde um pouco a sutileza que o caracterizava no final, mas,
ainda assim, conta uma história bem estruturada, em narrativa clássica. 90 minutos.
Citaria ainda MOSQUITO, bom trabalho de João Nunes Pinto em seu segundo longa,
que já comentei aqui, em 22 de outubro de 2020, na postagem Filmes de Novos
Diretores, na # 44 mostra.
@mostrasp
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