terça-feira, 3 de novembro de 2020

PORTUGUESES NA #44 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


O novo filme do cineasta português João Botelho,
O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS, é baseado na obra literária homônima de José Saramago (1922-2010).  É um dos melhores filmes desta 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  Por quê?  Traz uma narrativa ficcional, bastante original, concebida por Saramago, que põe em contato criador e criatura.  Segundo essa narrativa, Fernando Pessoa, já morto em 1935, se encontra com seu heterônimo, o médico Ricardo Reis, ainda vivo, em vias de partir no ano seguinte, 1936.  O encontro fantástico de ambos rende conversas e versos de muita beleza poética, além de muitos questionamentos sobre o tempo em que estão e o mundo daquele momento.  Era o tempo de Mussolini, na Itália, Hitler, na Alemanha, a eminência da guerra civil espanhola que traria o regime de Franco e em Portugal, a ditadura de Antônio Oliveira Salazar (1889-1970), o Estado Novo português, que vigorou de 1926 a 1974.  Ou seja, tempos de ascensão e domínio do fascismo.  O filme nos leva aos anos 1930, por meio de uma mise-en-scène meticulosamente trabalhada em todos os detalhes.  Cenários, figurinos, ambientação, figuras humanas muito bem caracterizadas e uma fotografia em preto e branco deslumbrante.  As sequências muito frequentes de chuva e névoa criam um clima nostálgico que nos leva longe.  A poesia não está só no texto, está nas imagens.  É um belo cinema.  Ricardo Reis é vivido pelo ator brasileiro (nascido no México) Chico Diaz, em excelente desempenho.  Contracena com um elenco muito sintonizado com a trama e a ambientação desse passado, em que estão Luís Lima Barreto e as duas atrizes que são as paixões “carnais” da criatura, Catarina Wellenstein e Victória Guerra, mulheres belíssimas que só fazem acentuar ideias de sonho e idealização.  Fernando Pessoa, Lídia e Marcenda são as principais personagens em torno de Ricardo Reis.  A figura do heterônimo remete ao Brasil, onde ele teria estado nos últimos dezesseis anos, tendo saído de Lisboa após uma revolta e retornado à cidade natal depois da revolta comunista no Brasil. Portugal, porém, entrará numa ditadura paralisante por 41 anos e todos estarão sob controle e vigília, como ele perceberá rapidamente.  Talvez seu tempo já tenha passado e a poesia já não possa deixar de ser fortemente política, se não quiser se alienar do mundo.  Fernando Pessoa (1888-1935) serve, assim, de inspiração a uma obra cinematográfica de alta qualidade artística, como pode se ver que também o é a criação de Saramago, ao assistir-se ao filme de João Botelho.  125 minutos.






O cinema português esteve também representado por outros bons filmes.  ORDEM MORAL, do diretor lisboeta Mário Barroso, traz a grande atriz Maria de Medeiros vivendo muito à frente de seu tempo, em 1918, como Maria Adelaide Coelho da Cunha, herdeira e proprietária do jornal Diário de Notícias, que se envolve amorosamente com um jovem motorista, com idade para ser seu filho, mesmo sendo casada.  Banca o atropelamento dos valores morais vigentes, arcando com consequências muito grandes.  Pagou o preço, mas enfrentou os valores machistas e ultraconservadores e a injustiça dos dois pesos e duas medidas, que serviam de balança para a avaliação moral de homens e mulheres. Ainda servem?  Só o desempenho de Maria de Medeiros já vale o filme, mas as reflexões que ele traz também são muito boas.  101 minutos.

 

O ÚLTIMO BANHO, dirigido por David Bonneville, em seu primeiro longa, se passa na região do Porto, do Douro, em que Josefina se prepara para fazer os votos e se tornar freira, e está muito feliz com isso, quando recebe a notícia da morte do irmão.  Seu sobrinho Alexandre, de 15 anos, cuja mãe está ausente há tempos e nem comparece ao enterro, torna-se órfão, na prática.  Josefina resolve, então, assumir a educação do jovem, em atitude maternal, que trará novas configurações ao longo do tempo.  Atrações e desejos sub-reptícios se tornam presentes, especialmente quando Ângela, a irmã e mãe, reaparece.  O filme perde um pouco a sutileza que o caracterizava no final, mas, ainda assim, conta uma história bem estruturada, em narrativa clássica.  90 minutos.

 

Citaria ainda MOSQUITO, bom trabalho de João Nunes Pinto em seu segundo longa, que já comentei aqui, em 22 de outubro de 2020, na postagem Filmes de Novos Diretores, na # 44 mostra.

@mostrasp




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