Antonio Carlos Egypto
O Festival de Documentários
Internacionais É TUDO VERDADE 2020 exibiu trabalhos nacionais bastante
relevantes. Consegui ver alguns deles,
que destaco aqui.
SANTIAGO
DAS AMÉRICAS ou O OLHO DO TERCEIRO MUNDO tem a consagrada assinatura de Sílvio Tendler, um dos
nossos maiores documentaristas. Ele
homenageia neste filme o documentarista cubano Santiago Álvarez (1919-1998),
por ocasião de seu centenário de nascimento.
Santiago revolucionou a linguagem dos cinejornais, assumindo uma posição
de luta em defesa da revolução cubana, desde 1959. Registrou os fatos mais marcantes desse período
de consolidação do regime, como a batalha frustrada coordenada por Fidel Castro
para alcançar o recorde histórico na produção de cana de açúcar. Cobriu o cenário político de tensões na
América Latina dos anos 1960-1970, como a tentativa de invasão da Baía dos
Porcos, a vitória e o golpe envolvendo Salvador Allende no Chile e a atuação
dos Estados Unidos nesse caso e no golpe militar brasileiro, entre outros. A guerra do Vietnã e as lutas de
independência na África ganham destaque.
E também os fenômenos naturais e culturais que reverberavam na ilha de
Cuba. Enfim, tudo o que um telejornal
tem de reportar. Só que o fazia como
cinema de alta qualidade. Na inovação
técnica, nos enquadramentos, no uso de palavras escritas na tela, nos sons e
músicas cuidadosamente escolhidos, para dar a ênfase necessária e gerar o clima
emocional buscado. Tudo o que só um
grande cineasta faz. Tendler resgata
imagens e entrevistas de Santiago Álvarez e dos seus noticiários de época, além
de análises e entrevistas dos que viveram e trabalharam com ele, uma espécie de
gênio panfletário, que sabia muito bem aonde queria chegar e como fazer isso.
OS
SEGREDOS DO PUTUMAYO,
de Aurélio Michiles, toma como objeto de análise o trabalho de um dos pioneiros
nas denúncias de violação de direitos humanos, o irlandês Roger Casement
(1864-1916), que viajou pela Amazônia nos primeiros anos do século XX em missão
oficial e acabou descobrindo uma das mais cruéis e abomináveis formas de
escravidão e genocídio indígenas pelos britânicos, em função da exploração da
borracha. Foi diplomático o suficiente
para sair vivo dessa missão e denunciá-la ao mundo. Permaneceu lutando pela independência da sua
Irlanda, o que lhe valeu um final trágico. O filme é um libelo, muito bem
conduzido, com uma narrativa lenta, forte, e que nos leva, por meio de belas
imagens, à inconformidade contra atrocidades que só o ser humano é capaz de
realizar. Narrado pelo ator irlandês
Stephen Rea.
JAIR
RODRIGUES – DEIXA QUE DIGAM, dirigido
por Rubens Rewald, é um documentário muito competente sobre um artista cujo
talento se evidencia por inteiro. Jair
Rodrigues (1939-2014) foi um excelente cantor de sambas, mas também dos mais
diferentes gêneros, com um repertório muito bem escolhido e momentos memoráveis,
quando, com seu primeiro sucesso, antecipou o rap com “Deixa Isso Prá Lá”, o
Fino da Bossa, com Elis Regina, os Festivais e a inesquecível interpretação de
“Disparada”, sucessos como “Tristeza”, “Majestade, o Sabiá” e tanta coisa mais,
que o filme mostra com toda a clareza. É
possível conhecer e apreciar esse trabalho muitíssimo bem. É isso o que importa, quando se focaliza uma
obra artística de peso, como é o caso aqui.
LIBELU
– ABAIXO A DITADURA, de
Diógenes Muniz, o vencedor da competição brasileira, é de fato um trabalho
muito interessante e oportuno. O
documentário reconstrói, por meio de registros, imagens de época e muitos
depoimentos, a trajetória do grupo trotskista de resistência à ditadura
militar, “Liberdade e Luta”, ou, como ficou conhecido, “Libelu”, que existiu de
1976 a 1985. De um lado, visto como
radical, de outro, como da esquerda festiva, o grupo atuou nas ruas em
passeatas e eventos, após a derrota da luta armada, e foi responsável pela
adoção pública do slogan “Abaixo a
ditadura”, que até então não estava consagrado nas manifestações
estudantis. É surpreendente observar
alguns de seus antigos integrantes dando depoimentos hoje. Radicais?
De esquerda? Eduardo Giannetti da
Fonseca, Demétrio Magnoli, Josimar Melo, Cleusa Turra, Laura Capriglione,
Eugênio Bucci, Antônio Palocci, Reinaldo Azevedo, Paulo Moreira Leite, José
Arbex. Enfim, tem de tudo aí, não é
não? Muito bom esse resgate histórico.
Que bom estar recebendo de novo teus comentários. E essa seleção de agora é de tirar o fôlego!!!
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