PASTOR CLÁUDIO. Brasil, 2017.
Direção: Beth Formaggini.
Documentário. 76 min.
Um homem que hoje prefere ser chamado de
Pastor Cláudio, já que é bispo evangélico, é o foco do documentário brasileiro
que leva o seu nome atual. Esse pastor é
Cláudio Guerra, um ex-delegado, um dos nomes de destaque do aparelho repressor
da ditadura militar, responsável por assassinar e incinerar opositores daquele
regime, invariavelmente chamados de subversivos, comunistas ou
terroristas. Portanto, um dos
responsáveis pela violência de Estado, que nunca foi punida, já que coberta
pela controversa lei de anistia que vigora até hoje.
Por conta disso, e talvez para ficar em paz
com sua consciência e suas obrigações religiosas, Cláudio se responsabiliza por
tudo o que fez, não foge das perguntas, identifica atos, pessoas e locais. Ele estava estabelecido no aparelho repressor
de Vitória, Espírito Santo. Mas, como
explicou, os agentes trocavam de posições.
Era comum um policial do Rio ir torturar ou matar um subversivo de
Recife. Ou um de Salvador atuar em São
Paulo. De modo que de Vitória ele
circulou, agindo nacionalmente, por várias partes do país. A lógica era matar quem você não conhece ou
tem apenas uns poucos dados, até sem saber o nome. Assim se eliminavam vínculos, medos,
hesitações, e tudo acontecia com mais frieza e distanciamento psicológico. Por sinal, frieza absoluta é a tônica da
entrevista-depoimento, conduzida no filme por Eduardo Passos, psicólogo e
ativista de Recursos Humanos.
É fato que o pastor Cláudio já havia
respondido à Comissão da Verdade, escreveu um livro contando essas histórias
(como expressa na filmagem) e já atendeu mais alguém antes, sobre o tema. O fato de não precisar temer consequências em
função dessa anistia que cobre os torturadores e assassinos do regime permite
que ele possa assumir a condição de religioso e, de Bíblia em punho, resgatar
os fatos e arrepender-se do que fez. O
que só fica bem claro em referência a algumas ações, como a carta-bomba
dirigida à OAB e, principalmente, o atentado preparado para o Rio Centro, que
seria imputado à esquerda.
O mais comum é aquele tom de banalidade do
mal, a que se referiu Hannah Arendt, e que expressa muito bem o sentido de tais
ações. No caso de Cláudio Guerra,
cumprindo ordens superiores, sim, mas sendo ele próprio um formulador e
responsável por comandos de repressão, tortura e morte. Ele reconheceu diante das fotos projetadas
dos desaparecidos o que fez com cada um deles.
Não se pense que tudo acabou com o fim do
regime militar. A prática da tortura,
por exemplo, só mudou de objeto e o ex-delegado, como os demais, continuou
ativo em plena redemocratização. Porém,
se desentendeu, por razões práticas, e acabou isolado, perdendo todas as
benesses que teve ao longo de sua atuação como agente repressor.
Aparentemente, mudou radicalmente de vida e
isso permite o resgate, por meio do cinema, de fatos importantes e modos de
atuação no período. Relevante, didático
e oportuno, o trabalho da diretora Beth Formaggini, que se concentrou no
essencial e não deu vazão às possíveis explicações do presente do
personagem. Seu passado tenebroso é o
que conta. E o período terrível da
opressão do qual ele foi um dos algozes.
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