Antonio
Carlos Egypto
O NOVÍSSIMO TESTAMENTO (Le Tout Noveau Testament).
Bélgica, 2014. Direção: Jaco van
Dormael. Com Benoît Poelvoorde, Yolande
Moreau, Pili Groyne, Cathérine Deneuve, François Damiens, Serge Larivière. 112 min.
Deus existe e mora em Bruxelas. Se for assim, é porque a União Europeia é o
centro do mundo terrestre? Nem
tanto. Afinal, Deus é um sujeito de má
índole, sacana, mal-humorado, que subjuga a mulher e deixa a filha de 10 anos
irritada, querendo sair da prisão em que está metida. Além disso, ele não é nada sem o seu
computador divino, de onde comanda o destino dos humanos. Ea, sua filha,
vinga-se dele, enviando a todos os seres humanos do planeta Terra a informação
de quando, exatamente, ocorrerá a morte de cada um.
Esse é o mote propulsor do filme “O Novíssimo
Testamento”, de Jaco van Dormael, que já havia nos dado, em 1990, uma outra
comédia brilhante, “Um Homem com Duas Vidas”.
Aqui estamos, claro, no terreno da fantasia, da
farsa e da ironia. Os tipos humanos que
compõem a narrativa são todos atraentes e bizarros. O diretor põe muitas coisas e situações em
cena. As sequências se sucedem com
beleza visual e humor inteligente.
Mas, a uma certa altura do filme, a gente fica se
perguntando como ele vai amarrar esses elementos todos. Afinal, o tempo está passando, está tudo
muito interessante. Mas como isso vai
acabar? Vai dar em algo? Aí é que o final surpreende. Sim, o diretor foi capaz de amarrar tudo e
construiu um fecho legal, que soa tão bem quanto soou todo o filme. Um roteiro muito bem trabalhado.
E tudo anda sem pressa, há espaço para cenas
curiosas, brincadeiras diversas, explorações visuais, ironias aparentemente
dispensáveis, mas no fim tudo de algum modo se encaixa. Uma narrativa original, algo desconexa e
absurda, produz um entretenimento de qualidade em cinema de primeira linha.
O grande achado da narrativa é, sem dúvida, o que
acontece aos mais diversos personagens, quando sabem quanto tempo têm
exatamente de vida, em anos, meses, dias, horas, minutos e segundos. Todo o plano de existência humana muda, de
modo distinto para cada um. Mas, quando
todos sabem do seu destino, a coletividade toda também muda e as relações
passam a ser outras, de todos com todos.
Os desafios se sucedem. Os
negócios se tornam caóticos, o trabalho, comprometido, o ócio, finalmente
vivido, e coisas mais radicais podem acontecer.
O menino pode virar menina. O
garotão que sabe que vai viver mais 62 anos desafia a morte. Uma mulher insatisfeita pode flertar com um
gorila. É uma brincadeira e tanto! Que também nos leva à reflexão.
Benoît Poelvoorde, como o inusitado Deus, costura
uma história que tem na menina Ea (Pili Groyne) o grande destaque, mas que
inclui atores como François Damiens, Cathérine Deneuve, em papéis menores, e
Yolande Moreau, que faz muito bem a esposa de Deus, aquela que vai do mutismo
ao embelezamento do mundo.
Belo filme, escolhido pela Bélgica para representar
o país na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro. Só que foi preterido, não entrou entre os
cinco escolhidos para a disputa final, assim como ficou fora o nosso “Que Horas
Ela Volta?”. Os dois merecem muito mais
do que, por exemplo, o filme turco-francês “As Cinco Graças” (Mustang), que entrou na lista e já deve estar
em exibição nos cinemas. Bem, já sabemos que o Oscar é um prêmio da indústria,
não da qualidade artística.
“O Novíssimo Testamento” tem frescor e leveza, num
trabalho em que o talento e o humor dão as cartas, com criatividade
transbordando. É isso o que importa, não
os prêmios que tenha recebido ou venha a receber.
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