Antonio
Carlos Egypto
O MERCADO DE NOTÍCIAS. Brasil, 2013.
Direção e roteiro: Jorge Furtado.
Documentário. 94 min.
“O Mercado de Notícias”, o documentário de Jorge
Furtado, visa a discutir critérios e práticas jornalísticos, defender o bom
jornalismo e o importante papel que tem na consolidação da liberdade de
expressão e da democracia e, também, avaliar como a notícia é produzida,
manipulada e difundida, enquanto negócio, o seu poder, os riscos que tudo isso
envolve e o futuro da profissão.
Contou com a contribuição de treze importantes
jornalistas brasileiros, que apresentaram sua visão dessas questões em
entrevistas e depoimentos. São
profissionais de grande porte e experiência: Mino Carta, Jânio de Freitas, Luís
Nassif, Raimundo Pereira, Paulo Moreira Leite, Bob Fernandes, José Roberto
Toledo, Geneton Moraes Neto, Maurício Dias, Leandro Fortes, Cristiana Lôbo,
Renata Lo Prete e Fernando Rodrigues.
JÂNIO DE FREITAS |
O documentário, porém, não se resume só às falas dos
jornalistas e a alguns vídeos esclarecedores de situações tratadas na
conversa. Há, também, o resgate de uma
peça de título homônimo, “Mercado de Notícias”, no original, “Staple of News”,
escrita por Ben Jonson, em 1625, que teve sua primeira tradução realizada
agora, por Jorge Furtado e Liziane Kugland.
Trechos da peça são lidos e encenados, com roupas de época e tudo, e
fazem a delícia e a originalidade desse filme. Ben Jonson, grande dramaturgo da
renascença inglesa, contemporâneo de William Shakespeare, a escreveu nos
primórdios da existência da imprensa e surpreende pelas questões que constata e
prevê. É impressionante a atualidade da
peça.
Ela aborda um personagem jovem, Pila Jr., cujo tio
Pila lhe deixa uma herança polpuda, desde que ele seja capaz de conquistar a
bela e rica Pecúnia, ou seja, o dinheiro e o poder. A dama é cortejada por muitos e tem como
servas Hipoteca, Norma, Promissória e Taxa.
A novidade em Londres é o recém-criado mercado de notícias, um negócio
que parece muito promissor. Emoções e novidades, que constituem o cerne
da notícia, são o objeto de venda.
Custam mais ou menos caro, conforme o interesse do comprador. As notícias podem ser aumentadas, inventadas,
modificadas, se os compradores assim o desejarem. A venda de fofocas é um sucesso,
naturalmente. E o departamento comercial
é criado para ditar o rumo da produção e distribuição das notícias.
Na peça de Ben Jonson, fica evidente a denúncia da
mercantilização da informação, num período imediatamente posterior ao nascimento
da própria imprensa. Ali já havia
trambicagem, manipulação, venda de notícias por dinheiro e a maquiagem da
informação. Ao mesmo tempo em que mostra
a valorização e, portanto, o poder, de quem detém a notícia. Apresenta a discussão política sobre o
interesse constante pelo dinheiro nesse negócio e como ele transforma a
informação e relativiza a verdade.
Colocações incrivelmente atuais e que não se esperava que já estivessem
tão claras no século XVII.
O filme de Jorge Furtado mostra alguns exemplos contemporâneos
e brasileiros dessa manipulação das notícias.
Um caso marcante e já bastante citado é o das “denúncias” de abuso
sexual na Escola Base, de Educação Infantil, que destruiu reputações e é
emblemático do poder demolidor que pode ter a mídia.
Outro exemplo é o da famosa bolinha de papel que
atingiu o então candidato presidencial José Serra e foi noticiada como agressão
com um objeto pesado, com direito a ida a um pronto-socorro e realização de
exame tomográfico. Diferentes vídeos de
várias emissoras de TV, por ângulos diversos, exibidos no filme, mostram
claramente que era mesmo só uma bolinha de papel e levantam dúvidas sobre quem
a teria atirado. Sempre estiveram disponíveis, mas essa “investigação” não
interessou aos grandes órgãos da mídia naquele momento.
Chega a ser hilário um outro caso relatado: o da
presença de um desenho original de Picasso, ornando uma sala do INSS. Merece atenção e foi pouquíssimo divulgado.
Enfim, o filme “O Mercado de Notícias” é uma
excelente oportunidade para refletir sobre o jornalismo e o consumo da notícia
na atualidade. Ajuda-nos a perceber ao
que podemos estar expostos numa absorção ingênua da informação manipulada. Valoriza a busca da informação qualificada, fruto
de investigação e verificação, que é fundamental para a vida moderna. E a separar o que é notícia, necessariamente
dependente dos fatos, do que é opinião ou interpretação ideológica dos
acontecimentos. Ou seja, a colocar cada
coisa no seu devido lugar.
Mais um ótimo trabalho de Jorge Furtado e da Casa de
Cinema de Porto Alegre, que já nos deram filmes como “Ilha das Flores”, curta
de 1989, “Houve Uma Vez Dois Verões”, de 2002, “O Homem que Copiava”, de 2003,
“Meu Tio Matou um Cara”, de 2004, e “Saneamento Básico, o Filme”, de 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário