terça-feira, 5 de agosto de 2014

O MERCADO DE NOTÍCIAS


Antonio Carlos Egypto




O MERCADO DE NOTÍCIAS.  Brasil, 2013.  Direção e roteiro: Jorge Furtado.  Documentário.  94 min.


“O Mercado de Notícias”, o documentário de Jorge Furtado, visa a discutir critérios e práticas jornalísticos, defender o bom jornalismo e o importante papel que tem na consolidação da liberdade de expressão e da democracia e, também, avaliar como a notícia é produzida, manipulada e difundida, enquanto negócio, o seu poder, os riscos que tudo isso envolve e o futuro da profissão.

Contou com a contribuição de treze importantes jornalistas brasileiros, que apresentaram sua visão dessas questões em entrevistas e depoimentos.  São profissionais de grande porte e experiência: Mino Carta, Jânio de Freitas, Luís Nassif, Raimundo Pereira, Paulo Moreira Leite, Bob Fernandes, José Roberto Toledo, Geneton Moraes Neto, Maurício Dias, Leandro Fortes, Cristiana Lôbo, Renata Lo Prete e Fernando Rodrigues.


JÂNIO DE FREITAS


O documentário, porém, não se resume só às falas dos jornalistas e a alguns vídeos esclarecedores de situações tratadas na conversa.  Há, também, o resgate de uma peça de título homônimo, “Mercado de Notícias”, no original, “Staple of News”, escrita por Ben Jonson, em 1625, que teve sua primeira tradução realizada agora, por Jorge Furtado e Liziane Kugland.  Trechos da peça são lidos e encenados, com roupas de época e tudo, e fazem a delícia e a originalidade desse filme. Ben Jonson, grande dramaturgo da renascença inglesa, contemporâneo de William Shakespeare, a escreveu nos primórdios da existência da imprensa e surpreende pelas questões que constata e prevê.  É impressionante a atualidade da peça.



Ela aborda um personagem jovem, Pila Jr., cujo tio Pila lhe deixa uma herança polpuda, desde que ele seja capaz de conquistar a bela e rica Pecúnia, ou seja, o dinheiro e o poder.  A dama é cortejada por muitos e tem como servas Hipoteca, Norma, Promissória e Taxa.  A novidade em Londres é o recém-criado mercado de notícias, um negócio que  parece muito promissor.  Emoções e novidades, que constituem o cerne da notícia, são o objeto de venda.  Custam mais ou menos caro, conforme o interesse do comprador.  As notícias podem ser aumentadas, inventadas, modificadas, se os compradores assim o desejarem.  A venda de fofocas é um sucesso, naturalmente.  E o departamento comercial é criado para ditar o rumo da produção e distribuição das notícias.



Na peça de Ben Jonson, fica evidente a denúncia da mercantilização da informação, num período imediatamente posterior ao nascimento da própria imprensa.  Ali já havia trambicagem, manipulação, venda de notícias por dinheiro e a maquiagem da informação.  Ao mesmo tempo em que mostra a valorização e, portanto, o poder, de quem detém a notícia.  Apresenta a discussão política sobre o interesse constante pelo dinheiro nesse negócio e como ele transforma a informação e relativiza a verdade.  Colocações incrivelmente atuais e que não se esperava que já estivessem tão claras no século XVII.

O filme de Jorge Furtado mostra alguns exemplos contemporâneos e brasileiros dessa manipulação das notícias.  Um caso marcante e já bastante citado é o das “denúncias” de abuso sexual na Escola Base, de Educação Infantil, que destruiu reputações e é emblemático do poder demolidor que pode ter a mídia.

Outro exemplo é o da famosa bolinha de papel que atingiu o então candidato presidencial José Serra e foi noticiada como agressão com um objeto pesado, com direito a ida a um pronto-socorro e realização de exame tomográfico.  Diferentes vídeos de várias emissoras de TV, por ângulos diversos, exibidos no filme, mostram claramente que era mesmo só uma bolinha de papel e levantam dúvidas sobre quem a teria atirado. Sempre estiveram disponíveis, mas essa “investigação” não interessou aos grandes órgãos da mídia naquele momento.



Chega a ser hilário um outro caso relatado: o da presença de um desenho original de Picasso, ornando uma sala do INSS.  Merece atenção e foi pouquíssimo divulgado.

Enfim, o filme “O Mercado de Notícias” é uma excelente oportunidade para refletir sobre o jornalismo e o consumo da notícia na atualidade.  Ajuda-nos a perceber ao que podemos estar expostos numa absorção ingênua da informação manipulada.  Valoriza a busca da informação qualificada, fruto de investigação e verificação, que é fundamental para a vida moderna.  E a separar o que é notícia, necessariamente dependente dos fatos, do que é opinião ou interpretação ideológica dos acontecimentos.  Ou seja, a colocar cada coisa no seu devido lugar.

Mais um ótimo trabalho de Jorge Furtado e da Casa de Cinema de Porto Alegre, que já nos deram filmes como “Ilha das Flores”, curta de 1989, “Houve Uma Vez Dois Verões”, de 2002, “O Homem que Copiava”, de 2003, “Meu Tio Matou um Cara”, de 2004, e “Saneamento Básico, o Filme”, de 2006.


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