Antonio Carlos Egypto
O PASSADO (Le
Passé). França, 2013. Direção: Asghar Farhadi. Com Bérénice Bejo, Ali Mosaffa, Tahar Rahim,
Pauline Burlet. 131 min.
“A Separação”, grande filme de Asghar Farhadi, venceu
o Oscar de filme estrangeiro, representando o Irã, em 2012, além de um monte de
prêmios internacionais. Foi apontado
como um dos melhores filmes daquele ano, em praticamente todas as listas de
destaques da crítica no Brasil, e escolhido como o melhor filme estrangeiro do
ano, pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).
O cinema iraniano já havia brilhado intensamente com
cineastas como Abbas Kiarostami, Moshen Makmalbaf e Jafar Panahi, os dois
primeiros vivendo agora fora do país e o terceiro, em prisão domiciliar,
impedido de trabalhar e, mesmo assim, produzindo clandestinamente. Asghar Farhadi se mostra à altura de seus
colegas desde “Procurando Elly”, de 2009, com seu realismo que surpreende a
cada passo e introduz dilema sobre dilema, fazendo pensar. Mas também ele acabou na França. Seu novo filme, “O Passado”, já não é
iraniano, mas francês. Integra até o
Festival Varilux do Cinema Francês, em cartaz em várias cidades brasileiras. No entanto, o Irã deseja que o filme represente
o país novamente nas indicações ao próximo Oscar. É verdade que há um protagonista iraniano que
constituiu família com uma francesa e vem de Teerã para assinar o divórcio em
Paris. O personagem é simpático e equilibrado. Quem vive o papel é um ator
iraniano. Mas é só.
O fato de o filme se passar na França e com
personagens e atores franceses parece ter feito muita diferença para o cinema
de Asghar Farhadi. O seu estilo
característico, fortemente realista e cheio de reviravoltas e segredos que surpreendem
a cada passo, está lá, intacto. Mas o
contexto cultural do país persa não mais. Isso esvazia um pouco as questões,
remetendo-as mais à ambientação psicológica e ao relacionamento interpessoal e
familiar, do que ao seu substrato sociólogico. Na verdade, o forte vínculo do
psíquico com o sociocultural dos outros filmes é que lhe dava uma dimensão
maior e despertava grande interesse pelo desenvolvimento da trama e das ações
que engendrava. Pelo menos, do ponto de
vista de quem via os filmes de fora do Irã.
“O Passado” é, sem dúvida, um bom filme, bem
construído e interpretado, que trata de compreender como as pessoas podem se
enroscar, se enrolar, se perder em relacionamentos marcados por segredos do
passado, coisas mal resolvidas, medos, covardias, e escolhas inconscientes, das
quais não suspeitam. E que podem comprometer a vida, a felicidade, o fluir dos
relacionamentos e as novas construções que se buscam. Como se vê, não é pouco. Mas não alcança o padrão da arquitetura
fílmica de “A Separação”.
A história envolve muitas conversas face a face,
entre dois diferentes personagens, boa parte do tempo. Isso acaba sendo um problema, às vezes. Algumas soluções para que os personagens se
encontrem a sós soam forçadas. O tempo escapa ao realismo das ações, para que
algumas conversas possam acontecer, enquanto alguém espera, sem poder saber o
que ocorre. O filme tem, desta vez,
alguns problemas. Ficou abaixo dos
filmes iranianos anteriores. Mas o
cineasta continua merecendo todo o crédito.
Abbas Kiarostami continuou renovando fortemente o
cinema, como fazia no Irã, ao filmar na França obras como “Cópia Fiel”, de
2010, e “Um Alguém Apaixonado”, de 2012.
Se Farhadi permanecer na França, poderá reencontrar o seu melhor estilo,
talvez refletindo mais fortemente sobre a sociedade francesa
contemporânea. Parece que ele gostaria
de voltar a viver no Irã, mas será preciso que encontre condições de trabalho
para que isso aconteça. É evidente que,
quando alguém fala do seu quintal, tem maior conhecimento de causa.
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