Tatiana Babadobulos
O Porto (Le Havre). Finlândia, França e Alemanha, 2011. Direção e roteiro:Aki Kaurismäki. Com: André Wilms, Blondin Miguel e Jean-Pierre Darroussin. 93 minutos
Desde sempre o cinema aborda os problemas do mundo em suas histórias. Retrata as duas grandes guerras, a Quebra da Bolsa de Nova York, os ataques terroristas às Torres Gêmeas, exalta as belezas de alguns lugares paradisíacos, debocha do que é possível e assim por diante. A crise mundial que se instalou em 2008, e da qual ainda não conseguimos nos livrar, se reflete, é claro na tela grande também. Seja sobre o problema do desemprego nos Estados Unidos, seja dos imigrantes que saem de seus países em busca de melhores condições. Mas sobre a Europa, e os problemas que assolam Portugal, Espanha e Grécia, pouco (ou nada) se fala.
Foi, portanto, partindo desse princípio que o diretor finlandês Aki Kaurismäki escreveu “O Porto” (“Le Havre”), longa-metragem que estreia nesta sexta-feira, 2 de março, retratando o delicado assunto da imigração na Europa. Segundo ele mesmo disse no material de divulgação à imprensa, “o cinema europeu não tem falado muito sobre o contínuo agravamento das crises financeiras, políticas e, acima de todo, sobre a crise moral causada pela questão cada vez mais sem solução dos refugiados”. E arremata: “Os refugiados estrangeiros que tentam achar seu caminho dentro da União Europeia, e são tratados das mais diversas formas possíveis. Eu não tenho resposta para esse problema, mas continuo querendo lidar com essa questão e o fiz neste filme”.
“O Porto” conta a história de Marcel Marx (André Wilms), um escritor aposentado que se exilou na cidade portuária de Le Havre, no norte da França, onde exerce a profissão de engraxate de sapatos. Apenas sai de casa e frequenta o bar da esquina e fica com a esposa Arletty (Kati Outinen). Conhece toda a vizinhança e parece ser uma pessoa boa.
Mas é quando ela fica doente, que o destino lhe prega uma peça e o faz pensar em outros assuntos e a refletir sobre os problemas do mundo. No meio tempo, o imigrante africano Idrissa (Blondin Miguel) é colocado em sua frente. O garoto chegou, como mostra as primeiras cenas da fita, em um container, mas tinha a intenção de chegar em Londres ou seja, do outro lado do Canal da Mancha. E, como o espectador pode reparar, ao contrário do que se espera, os imigrantes estão bem dispostos, bem cuidados e nada cansados, apesar da longa jornada desde a África. É claro que esta foi uma opção estética do diretor e uma maneira de não exagerar no melodrama.
O que importa, porém, é o que vem na sequência. É quando Kaurismaki, também produtor e autor do roteiro, se mostra sensível à medida que desafia até onde vai a bondade humana, principalmente porque é preciso esconder o jovem que chegou com outras pessoas dentro de um container da polícia imigratória, além de precisar lidar com as próprias dificuldades e preconceitos.
Além dos problemas de imigração, a fita discute a falta de dinheiro, o trabalho informal e o tráfico de pessoas. Embora não exista problema de comunicação, já que tanto o africano quanto o francês dialogam no mesmo idioma, a fita remete ao argentino “Um Conto Chinês”, talvez pelos problemas sociais, além do fato de esconder uma pessoa dentro de casa. Além de falar francês, o garoto é bem educado e retribui com trabalho tudo o que fazem de bom por ele.
Com toques de bom humor, no melhor estilo europeu, o longa foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2011 e vencedor do prêmio Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema), no mesmo festival. “O Porto” é uma grande lição, sobretudo de compaixão e solidariedade, além de uma pitada de tolerância. Sabores que andam em falta nos dias de hoje.
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