Antonio Carlos Egypto
SE NÃO NÓS, QUEM? (Wer wenn nicht wir). Alemanha, 2011. Direção: Andres Veiel. Com August Diehl, Lena Lauzemis, Alexander Fehling, Thomas Thieme, Imogen Kogge, Michael Wittenborn. 124 min.
“Se não nós, quem?” trata de um relacionamento amoroso conturbado: o dos jovens Bernward Vesper (August Diehl) e Gudrun Ensslin (Lena Lauzemis), na Alemanha Ocidental, do final dos anos 1950 aos anos 1970. Um período em que o país ainda tinha muito presente o fantasma do nazismo.
Os dois jovens, entusiasmados pela literatura e o que a palavra pode fazer para melhorar o mundo, tentam publicar trabalhos e acabam por fundar uma editora. A primeira publicação que fazem esbarra nesse fantasma: um trabalho do pai de Bernward, que foi simpático ao nazismo.
A Alemanha vai mudando, chega o período das grandes contestações jovens na Europa, as referências intelectuais de esquerda, a questão nuclear, as grandes discussões sobre as estratégias para mudar o mundo. E as ações armadas que resultam no grupo terrorista Baader-Meinhof. A radicalização do processo político toma novos rumos, que desestabilizam as relações pessoais, familiares, amorosas.
Os jovens amantes passam por todas as etapas da mudança política no plano de suas relações, o que envolve o amor livre, o questionamento da fidelidade e do ciúme, as múltiplas relações sexuais, a inevitável separação resultante das crenças e escolhas políticas que cada um faz, a exposição à violência, prisão e gestos radicais tresloucados.
O filme faz um bom painel das mudanças políticas, expostas a partir do relacionamento amoroso de um casal jovem, entremeado com cenas jornalísticas de época. A correspondência entre os fatos – o coletivo e o pessoal – se dá num paralelismo tão grande, com a vida coletiva determinando fortemente a vida do casal, que acaba sendo um tanto mecânica essa relação. Mas o artifício funciona, na medida em que mostra a inevitabilidade dessa influência e que tudo pode se transformar de modo absolutamente radical, de um momento a outro, quando as crises geram câmbios sociais intensos e rápidos.
A manutenção do casal se relacionando, de alguma forma, durante o tempo histórico relatado favorece a compreensão do processo psicológico, que opera por meio das mudanças de valores e comportamentais, que se estabelecem sob influência direta do processo histórico.
Do penoso lidar com a herança do nazismo ao caminho da luta terrorista fica claro o quanto ser a democracia uma experiência duradoura, com todas as suas dificuldades, pode ser tão importante para o bem-estar e a felicidade das pessoas. Radicalismos não costumam produzir equilíbrio nem oferecer paz à vida humana.
Gostaria, ainda, de ressaltar algo que me estranhou ao longo do filme: perceber que o protagonista Bernward fuma em praticamente todas as cenas. Se houver três ou quatro cenas sem cigarro com ele é muito. Sem nenhum questionamento ou crítica de nenhuma ordem. Não seria estranho que ele fumasse em algumas cenas e que não houvesse críticas, dada a época e a ação da indústria do tabaco para impedir que se divulgassem ou se confirmassem cientificamente seus malefícios e o poder de criar dependência que tem a nicotina. Mas o exagero é tal que fica evidente que há outro interesse por trás dessas cenas. Não o de divulgar marcas de cigarro, que não aparecem, mas o de validar e até glamourizar seu uso.
Se fosse só esse filme, eu nem diria nada, mas é cada vez mais intensa e frequente a presença do cigarro em filmes europeus, asiáticos e outros. Na contramão da forma como as sociedades contemporâneas estão enxergando os males do hábito de fumar para a saúde e procurando bani-lo dos ambientes, enquanto as pessoas lutam para se livrar de uma dependência que lhes é tão destrutiva.
Será que a indústria do tabaco resolveu investir maciçamente no financiamento ao cinema mundial como um de seus últimos espaços de ocupação publicitária, já que outros vêm se fechando, sistematicamente? Como amante de cinema, tenho muito a lamentar, se isso se confirmar.
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