Antonio Carlos Egypto
MAL
VIVER. Portugal, 2023. Direção: João Canijo. Elenco: Anabela Moreira, Rita Blanco,
Madalena Almeida, Cléia Almeida, Vera Barreto.
127 min.
A
família é vista como um ambiente de acolhimento, afetividade e apoio para os
seus membros. Idealmente falando, é
claro. Porque na família podem se dar os
grandes confrontos, rejeições e opressões.
Nelson Rodrigues foi pródigo em mostrar isso nas suas peças
teatrais. Pois bem, “Mal Viver”, o filme
do cineasta português João Canizo, foca neste lado negativo da família. Em especial, nas relações mãe e filha.
Mostra
uma família vivendo num hotel de propriedade de Sara (Rita Blanco), mãe de
Piedade (Anabela Moreira), cujas relações são péssimas. Sara acusa Piedade de incompetência,
incapacidade de tocar a própria vida e teme por ela, se vier a morrer. Acusa a filha de não assumir, rejeitar, a
neta, a jovem Salomé (Madalena Almeida).
Salomé apareceu de surpresa após
a morte do pai, com quem vivia. Isso
incomodou muito Piedade, que não a esperava, nem desejava que viesse. Mas assim como Piedade não ama Salomé, está
claro que Sara não ama Piedade.
Outras
mulheres da família participam desse clima no hotel, e uma família de hóspedes
aparece, com a mãe e a filha às turras.
Ou seja, mães que não amam suas filhas e, por consequência, filhas que
não respeitam as mães, tornam todo o ambiente muito sofrido e doloroso. Essa é uma boa palavra, o filme de João
Canijo é doloroso, difícil de assistir por esse aspecto.
No
entanto, é um belo filme do ponto de vista do seu visual e também em relação aos
tempos e ao clima que revela. A locação
no hotel permite circular por ambientes bonitos, bem cuidados, com boa comida. Piscina ao ar livre no alto da montanha,
desvelando uma paisagem atraente. Mais
do que isso: o diretor explora muito bem as luzes, os reflexos, as vidraças que
se antepõem, os caminhos internos, em belos enquadramentos. E nos ambientes
externos também.
Um
ritmo lento ajuda a compor um clima pesado, hostil, seco, com muita
competência. A incapacidade de Piedade
em acariciar os cabelos de Salomé quando ela se deita ao seu lado, é algo que
repugna, mas mostra a que ponto pode chegar a ausência do afeto maternal. Isso é ainda mais grave quando contrastado
com a pequena cadela que Piedade carrega, mima e procura desesperadamente
quando ela some.
Um
ambiente de mulheres marcado pela crueldade nas relações tem algo de
desesperador. As mulheres são associadas
à sua capacidade de cuidar e de serem acolhedoras, na maioria das vezes. Aqui, não.
Quando os homens já estão ausentes, porque sumiram ou morreram, o que
ficou foi a hostilidade entre elas.
“Mal Viver” não dá trégua nesta triste constatação. Há choro e ranger de dentes, mas não há
redenção, nem reparação. É angustiante
esse jeito de mal viver. Porém, é real,
incomoda, mas existe.
O
diretor João Canijo mostra talento e tem seu filme reconhecido, venceu o Urso
de Prata, em Berlim, pelo Juri. Vem de uma grande escola de cinema. Foi assistente de Manoel de Oliveira, Wim
Wenders, Alain Tanner e Werner Schroeter.
“Mal Viver” se relaciona com outro filme dele, que ainda não vi, mas que
chegará aos cinemas logo em seguida: “Viver Mal”. Pelo jeito, tem mais crueldade por aí.
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