Antonio Carlos Egypto
NOSSA SENHORA DO NILO (Notre-Dame du Nil). Ruanda/França, 2021. Direção: Atiq Rahimi. Elenco: Santa Amanda Mugabekazi, Albina
Sydney Kirenga, Angel Uwamahoro, Clariella Bizimana. 93 min.
O liceu Notre-Dame du Nil é um colégio interno católico isolado no alto de
uma colina, dirigido à formação de meninas da elite ruandense (hutu ou
tutsi). Esse liceu, em 1973, testemunhou
fatos que demonstram como os antagonismos da sociedade ecoam, ainda que
distantes do centro urbano e numa atmosfera aparentemente de ensino e harmonia,
coordenada por freiras. Na realidade,
esses fatos prenunciaram o genocídio vivido em Ruanda em 1994. Questões de poder político se desdobram em
questões étnicas, de raça e de religião.
Regimes totalitários perseguem e atingem as elites e os intelectuais.
É isso que o filme “Nossa Senhora do
Nilo” nos mostra sem sair do ambiente do liceu, no alto da colina. Que acaba funcionando como o microcosmo da luta
fratricida de Ruanda, atingindo moças adolescentes, inocentes de tudo e
ingênuas da vida. Questões simbólicas,
no entanto, podem ser vividas ali, na etnia hutu ou na etnia tutsi, quando
entram em cena um desenhista/pintor que cultiva tradições ou uma bruxa com
poderes relevantes.
Filmado numa bela locação, justamente no
alto das montanhas, em Ruanda, numa escola católica que ainda mantém edifícios
antigos assim situados, cria o clima ideal para o desenvolvimento da
história. O filme se baseia em um romance
autobiográfico de Scholastique Mukasonga, lançado em 2012. A autora criou uma ficção para se distanciar
um pouco das vivências que teve, mas reconhece que acabou espelhando sua
própria história, mais do que desejaria.
A direção do filme coube ao cineasta
afegão, que vive na França, Atiq Rahimi (de “A Pedra da Paciência”, 2012), que
não conhecia muito a situação de Ruanda, mas viu bastante similaridade das
questões tratadas no livro com a realidade do Afeganistão, no mesmo período
abordado. Ele é um diretor sensível às
questões sociais, aos sofrimentos das pessoas em situação de guerra e opressão,
e fez um filme que reflete tudo isso num momento de vida de juventude, em que
cabem também as brincadeiras, os jogos, a alegria das meninas. Pelo menos até que a polarização étnica
invada esse mundo, inapelavelmente.
Com uma fotografia que exalta as cores
da natureza e a beleza das jovens negras do liceu e com um elenco muito
vibrante, o diretor Rahimi faz um belo filme.
Apesar da violência e do sofrimento que
retrata, “Nossa Senhora do Nilo” também nos conquista nos momentos de
vitalidade e alegria que estão lá, enquanto a tristeza não vem. E a tristeza que se impõe acentua o disparate
das disputas étnicas destrutivas que se valem da morte ao diferente, visto como
inimigo pela simples existência, na luta pelo poder. Como dizia o jornalista e escritor Carlos
Heitor Cony, parece que, afinal, o ser humano não deu muito certo...
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