sábado, 6 de novembro de 2021

MARIGHELLA

Antonio Carlos Egypto

 

 


MARIGHELLA.  Brasil, 2019.  Direção: Wagner Moura.  Elenco: Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Rafael Lozano, Bella Camero, Humberto Carrão, Herson Capri.  155 min.

 

Wagner Moura é um dos grandes atores brasileiros de sua geração, e com uma carreira internacional.  Com o filme “Marighella”, ele passou também à direção.  Para um primeiro projeto, ele fez uma escolha nada fácil.  Antes de tudo, porque o personagem é muito marcado, herói ou bandido, revolucionário ou terrorista, segundo o ponto de vista da esquerda ou da direita.  Considere-se também que a cinebiografia de Carlos Marighella (1911-1969) só comportaria uma produção de larga escala, com muitos atores, havia muito o que contar e só fazia sentido se fosse bem feita e, de preferência, com apelo popular.

 

De apelo popular Wagner Moura entende.  Basta lembrar seus papéis como Capitão Nascimento, Pablo Escobar, as novelas da TV Globo, entre muitos outros trabalhos.  Outra dificuldade estava na adaptação da biografia, escrita por Mário Magalhães, Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo.  Era preciso circunscrever um período de tempo para encontrar o foco do filme.

 

Um grande desafio que o filme encontrou foi o dos recursos, com um governo de extrema direita tentando impedir, a qualquer preço, o filme de ser lançado, colocando todos os entraves burocráticos possíveis, não liberando o dinheiro que seria devido.  Em outras palavras, exercendo censura em plena vigência do regime democrático e da Constituição de 1988 que a aboliu. Como se não bastasse, veio a pandemia.  O lançamento previsto para 2019 ficou impedido nos cinemas.  Streaming seria muito pouco para um filme dessa importância.

 

Montar o elenco com um protagonista de peso para viver Carlos Marighella não parecia tão complicado.  Mano Brown foi a escolha de Wagner desde o início.  Mas não foi possível, o projeto exigia do músico uma dedicação e um tempo de que ele não poderia dispor sem comprometer sua carreira.  Ele teria o tom de pele mulato ideal, já que Marighella era filho de uma mulher negra, filha de escravos, e de um homem branco, italiano.  Isso não preocupava o diretor, que logo encontrou um ator fantástico para assumir o papel: Seu Jorge.  A cor da pele preta enegrecia o personagem.  Mas e daí?  Ambos são negros.  Na verdade, ele diz que só veio a pensar nisso depois, quando ouviu comentários a respeito.

 


Enfim, todas essas dificuldades foram sendo resolvidas e o filme está aí, nos cinemas, causando impacto, sendo admirado e aplaudido, enquanto alguns tentam solapar o sucesso que já se delineia, dando notas baixas ao filme no site IMDb, para tentar prejudicá-lo internacionalmente.

 

“Marighella” é um filme poderoso, pela trama que conta, pelo resgate da história recente do país na ditadura militar e pela resposta ousada e corajosa da luta armada, que o guerrilheiro, um dos fundadores da ALN (Aliança Libertadora Nacional), escritor e ex-deputado pelo Partido Comunista Brasileiro, comandou.  O período adotado pela narrativa se concentra na vida e luta de Marighella de 1964, início do golpe militar, até sua morte, em 1969, no momento mais conturbado do país no período.

 

“Marighella” assume uma posição de respeito e valorização da figura do guerrilheiro, ao mesmo tempo em que constrói personagens complexos e multifacetados, humanos como todos nós.  Tanto o protagonista e suas relações quanto até mesmo seus algozes.  O filme tem posição, mas não é panfletário.  Procura fidelidade aos fatos e entender a figura humana de Carlos Marighella e sua dedicação à luta que ele julgava urgente e necessária naquele momento.

 

Além disso, o filme procura mesmo atingir o público, tem inclusive muita ação, um ritmo tenso e envolvente.  É político, mas também passa pelos sentimentos, pelos riscos pessoais, pelas limitações que a batalha impõe às relações familiares.  Tem tempo de mostrar uma figura doce e terna, em meio á dureza e à agressividade das ações e decisões.  Um elenco afiadíssimo, com atuações firmes e intensas, sustenta muito bem a narrativa, as situações de grande tensão e as cenas de ação.

 

É um filme com capacidade de dialogar com públicos diversos, não caiu na armadilha de dirigir-se apenas a uma bolha, como costuma acontecer nas redes sociais, no ambiente polarizado que estamos vivendo na sociedade brasileira atual.  A maioria dos que o estão atacando por lá o faz gratuitamente, nem sequer o viu.

 

  

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