Antonio
Carlos Egypto
O ABRAÇO DA SERPENTE (El Abrazo de la Serpiente). Colômbia, 2015. Direção: Ciro Guerra. Com Nilbio Torres, Antonio Bolívar, Yauenkü
Miguee, Jan Bijvoet, Brionne Davis. 125
min.
Os relatos de dois cientistas e exploradores da
região amazônica são a base do roteiro do filme colombiano “O Abraço da Serpente”,
dirigido por Ciro Guerra. O etnólogo
alemão Theodor Koch-Grünberg (1862-1924) explorou a região amazônica da América
do Sul e estudou os povos da floresta.
Morreu no Brasil, na cidade de Boa Vista. O botânico norte-americano Richard Evans
Schultes (1915-2001) explorou a mesma região, interessado especialmente em uma
planta, descoberta e citada nos relatos de Koch-Grünberg: a yakruna.
O filme constrói uma narrativa que dá vez e voz aos
conhecimentos, crenças, lendas e tradições dos povos indígenas da região da
Amazônia colombiana, a partir do personagem Karemakate, em dois tempos. Primeiro, como último sobrevivente de seu
povo, vivendo isolado selva adentro. Desconfiado e crítico, por razões óbvias, do
homem branco e da exploração da borracha, que trouxe a desgraça e dizimou seu
povo. Depois, em outro tempo, como um
xamã esquecido, perdido na sua mata, vivendo problemas de identidade em
decorrência das faltas de referência e de memória.
Nos dois tempos, há o convívio complexo e conflitivo
com os cientistas exploradores. E também
a possibilidade de aprender com brancos que não desejam destruir os aborígenes
ou explorá-los, mas conhecê-los, valorizá-los, divulgar seus conhecimentos.
A narrativa se desenvolve na forma de uma aventura,
que traz perigos, desencontros e vai revelando o que se encontra nessa
floresta: o que resta de seus povos de origem, a exploração a que estão
expostos, o uso religioso equivocado e autoritário, encontrado em alguns
locais. Com direito a manifestações
tresloucadas e messiânicas, que não libertam, oprimem.
A natureza é exuberante, evidentemente. E bem
explorada nessa aventura. Uma bela
fotografia em preto e branco se encarrega de ressaltá-la. O nosso anseio estético pediria que o filme
fosse a cores. Seria ainda mais
atraente. Poderia se tornar mais
exótico, turístico e não tão propenso ao uso reflexivo? Não creio.
Em dois momentos, no início e no fim do filme, imagens de formas
geométricas a cores são inseridas.
Remetem ao futuro? À passagem do
tempo?
Sem dúvida, o tempo joga um papel relevante em “O
Abraço da Serpente”. Coisas, lembranças, memórias, são levadas pelo tempo. Povos inteiros se desfazem e desaparecem, ao
longo do tempo. Pela ação predatória dos
seres humanos, toda uma tradição e uma identidade tendem a desaparecer. Se considerarmos que metade da superfície da
Colômbia está na região amazônica, há aí uma forte perda do próprio significado
de nacionalidade.
Que sentido tem hoje para todos nós a busca por uma
planta divina que cura e ensina a sonhar?
Essa foi a razão de ser de uma expedição científica em busca dessa
planta, a yakruna, que, na realidade, simboliza a própria existência de, pelo
menos, um povo indígena que está desaparecendo.
O resgate do conhecimento dos povos na floresta, intimamente
relacionado à vivência com a selva, sua água, seus animais, sua multiplicidade
de plantas, envolve uma questão cultural, antropológica, da maior relevância. O
filme contribui para valorizar tudo isso, apontar para o que está sendo perdido
e o que ainda pode ser recuperado, por meio de um personagem indígena que é o
centro da narrativa. Através dele nos
integramos à realidade da floresta amazônica, que também nos diz respeito e
muitas vezes nem nos damos conta disso.
O elenco de “O Abraço da Serpente” nos leva para
dentro da dimensão amazônica, como se estivéssemos fazendo parte daqueles povos
e dos exploradores que vêm do mundo desenvolvido, em busca de sua cultura. É
muito convincente o desempenho dos atores.
Trata-se de uma experiência que vale a pena e mostra a força do cinema
colombiano atual. O filme está entre os
cinco finalistas do Oscar 2016 de filme estrangeiro, o que é um reconhecimento
importante, em termos de mercado.
Gostei muito da critica, ela esclarece e facilita a compreensão deste filme sem subterfúgios.
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