sábado, 20 de fevereiro de 2016

O ABRAÇO DA SERPENTE


Antonio Carlos Egypto





O ABRAÇO DA SERPENTE (El Abrazo de la Serpiente).  Colômbia, 2015.  Direção: Ciro Guerra.  Com Nilbio Torres, Antonio Bolívar, Yauenkü Miguee, Jan Bijvoet, Brionne Davis.  125 min.



Os relatos de dois cientistas e exploradores da região amazônica são a base do roteiro do filme colombiano “O Abraço da Serpente”, dirigido por Ciro Guerra.  O etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (1862-1924) explorou a região amazônica da América do Sul e estudou os povos da floresta.  Morreu no Brasil, na cidade de Boa Vista.  O botânico norte-americano Richard Evans Schultes (1915-2001) explorou a mesma região, interessado especialmente em uma planta, descoberta e citada nos relatos de Koch-Grünberg: a yakruna.

O filme constrói uma narrativa que dá vez e voz aos conhecimentos, crenças, lendas e tradições dos povos indígenas da região da Amazônia colombiana, a partir do personagem Karemakate, em dois tempos.  Primeiro, como último sobrevivente de seu povo, vivendo isolado  selva adentro.  Desconfiado e crítico, por razões óbvias, do homem branco e da exploração da borracha, que trouxe a desgraça e dizimou seu povo.  Depois, em outro tempo, como um xamã esquecido, perdido na sua mata, vivendo problemas de identidade em decorrência das faltas de referência e de memória.




Nos dois tempos, há o convívio complexo e conflitivo com os cientistas exploradores.  E também a possibilidade de aprender com brancos que não desejam destruir os aborígenes ou explorá-los, mas conhecê-los, valorizá-los, divulgar seus conhecimentos.

A narrativa se desenvolve na forma de uma aventura, que traz perigos, desencontros e vai revelando o que se encontra nessa floresta: o que resta de seus povos de origem, a exploração a que estão expostos, o uso religioso equivocado e autoritário, encontrado em alguns locais.  Com direito a manifestações tresloucadas e messiânicas, que não libertam, oprimem.




A natureza é exuberante, evidentemente. E bem explorada nessa aventura.  Uma bela fotografia em preto e branco se encarrega de ressaltá-la.  O nosso anseio estético pediria que o filme fosse a cores.  Seria ainda mais atraente.  Poderia se tornar mais exótico, turístico e não tão propenso ao uso reflexivo?  Não creio.  Em dois momentos, no início e no fim do filme, imagens de formas geométricas a cores são inseridas.  Remetem ao futuro?  À passagem do tempo?

Sem dúvida, o tempo joga um papel relevante em “O Abraço da Serpente”. Coisas, lembranças, memórias, são levadas pelo tempo.  Povos inteiros se desfazem e desaparecem, ao longo do tempo.  Pela ação predatória dos seres humanos, toda uma tradição e uma identidade tendem a desaparecer.  Se considerarmos que metade da superfície da Colômbia está na região amazônica, há aí uma forte perda do próprio significado de nacionalidade.




Que sentido tem hoje para todos nós a busca por uma planta divina que cura e ensina a sonhar?  Essa foi a razão de ser de uma expedição científica em busca dessa planta, a yakruna, que, na realidade, simboliza a própria existência de, pelo menos, um povo indígena que está desaparecendo.

O resgate do conhecimento dos povos na floresta, intimamente relacionado à vivência com a selva, sua água, seus animais, sua multiplicidade de plantas, envolve uma questão cultural, antropológica, da maior relevância. O filme contribui para valorizar tudo isso, apontar para o que está sendo perdido e o que ainda pode ser recuperado, por meio de um personagem indígena que é o centro da narrativa.  Através dele nos integramos à realidade da floresta amazônica, que também nos diz respeito e muitas vezes nem nos damos conta disso.




O elenco de “O Abraço da Serpente” nos leva para dentro da dimensão amazônica, como se estivéssemos fazendo parte daqueles povos e dos exploradores que vêm do mundo desenvolvido, em busca de sua cultura. É muito convincente o desempenho dos atores.  Trata-se de uma experiência que vale a pena e mostra a força do cinema colombiano atual.  O filme está entre os cinco finalistas do Oscar 2016 de filme estrangeiro, o que é um reconhecimento importante, em termos de mercado.



Um comentário:

  1. Gostei muito da critica, ela esclarece e facilita a compreensão deste filme sem subterfúgios.

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