sábado, 10 de novembro de 2012

ECOS DA 36ª. MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

Antonio Carlos Egypto
Este ano acompanhei a Mostra com mais parcimônia: vi 38 filmes.  Levando em conta que minha média histórica tem sido ver em torno de 60 filmes, foi um número modesto.  O suficiente, porém, para destacar entre o que vi ótimos filmes, já esperados pelo histórico de seus realizadores, e descobrir algumas pérolas, aqueles de filmografias menos conhecidas e os de diretores de primeiro ou segundo trabalho.


Além das Montanhas


O filme que eu mais apreciei, como um fruto extremamente saboroso, pelo cuidado da sua construção e profundidade de alcance foi ALÉM DAS MONTANHAS, do cineasta romeno Cristian Mungiu, que já havia me entusiasmado por seus trabalhos anteriores 4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS, o melhor filme sobre o aborto na ilegalidade que eu já vi, e a ótima comédia CONTOS DA ERA DOURADA, que detona o totalitarismo de forma hilária e foi concepção dele, que também dirigiu um dos episódios.

Gostei muito de ver o inovador TABU, do cineasta português Miguel Gomes, de quem foi exibida a sua produção, ainda pequena.  Já havia visto e apreciado AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, que foi novamente apresentado.  E conheci A CARA QUE MERECES, menos interessante, mas uma brincadeira no mínimo curiosa, apesar de arrastada, para um longa.

Foram ótimos programas PERDER A RAZÃO, de Joachim Lafosse, diretor que já havia me entusiasmado com LIÇÕES PARTICULARES, de 2008, e PROPRIEDADE PRIVADA, de 2006.  Marco Bellocchio fez um belo filme sobre a eutanásia, em A BELA QUE DORME.  O dinamarquês Thomas Vinterberg filmou o outro lado do abuso sexual, a incriminação de um inocente, em A CAÇA, que complementa o seu famoso FESTA DE FAMÍLIA, de 1998.  O mestre português Manoel de Oliveira, aos 104 anos de idade, não decepcionou com O GEBO E A SOMBRA, uma peça teatral filmada com beleza e simplicidade, que fala ao nosso tempo, apesar da aparência em contrário.  Gostei também de REALITY, o novo filme do italiano Matteo Garrone, de GOMORRA, de 2008.  E revi O ESPELHO, do Tarkóvski, o que valeu a pena.  Mas, convenhamos, não há grandes surpresas aí.

Já os filmes O GUIA PERVERTIDO DO CINEMA e O GUIA PERVERTIDO DA IDEOLOGIA para mim foram boas surpresas.  Os filmes dirigidos pela inglesa Sophie Fiennes abrem espaço para as ideias, às vezes originais, às vezes polêmicas, do filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek e, apesar do estilo palestra, ela encontrou meios visuais ligados aos filmes abordados, colocando o intelectual dentro deles, o que realçou alguns aspectos do assunto tratado e driblou o cansaço, inevitável, nesses casos.


Slavoj Zizek e Os Pássaros


SONATA SILENCIOSA, de Janez Burger, da Eslovênia, conta uma história sem palavras, faladas ou escritas (exceto Circus Fantasticus, no caminhão da trupe), e o faz com eficiência.

Gostei também do filme alemão-turco de Shiar Abdi, VIDAS CURDAS, visualmente bonito, embora com elementos de difícil compreensão para nós.  Também trata de vidas curdas em vias de cometer suicídio a produção do Irã e Iraque, 111 GAROTAS, de Nahid Ghobadi e Pijan Zamanpira, uma viagem alegórica de belas imagens, que acaba por nos remeter à dura realidade daquele povo.  A ÚLTIMA SEXTA-FEIRA, de Yahya Alabdalla, da Jordânia, também tem uma bela fotografia e uma trama razoavelmente estruturada.  Mais intenso e ao mesmo tempo econômico no uso da fala e das emoções, ESTUDANTE, de Darezhan Omirbayev, do Cazaquistão, faz uma boa adaptação de “Crime e Castigo”, de Dostoievski.  O faroeste português ESTRADA DE PALHA, de Rodrigo Areias, não chega a ter uma trama muito bem armada, mas é bonito, visualmente.  E, óbvio, curioso.

EM FAMÍLIA, primeiro filme do diretor norte-americano de ascendência oriental, Patrick Wang, trouxe uma abordagem do relacionamento humano forte e madura.  ISTAMBUL, de Török Ferenc, da Hungria, trata com propriedade da libertação feminina, ainda digna de estranheza em certas situações e contextos.

O documentário LADO A LADO, de Chris Kenneally, dos Estados Unidos, discute os métodos de criação no cinema digital e em película, a partir de depoimentos de quem faz cinema: cineastas, técnicos, artistas.  O AMANTE DA RAINHA é uma produção dinamarquesa, de Nikolaj Arcel, capaz de agradar públicos diversificados.  Já O REI DO CURLING, de Ole Endresen, da Noruega, é bem mais específico, tanto pelo assunto, quanto pelo tipo de humor. Mas funciona.  RENOIR, de Gilles Bourdos, da França, tem a beleza plástica das locações e da procura dos tons das cores dos quadros do pintor retratado.  Vale por isso.

Dos brasileiros da Mostra, o destaque foi para O SOM AO REDOR, uma situação que vai se construindo com muita perícia e nos impacta ao final.  Sem falar do som, que é mesmo envolvente e personagem da história. O trabalho de Kleber Mendonça Filho é muito bom.


Nunca Houve Um Irmão Melhor


Deixei para o final a citação de uma verdadeira pérola da Mostra: o filme do Azerbaijão, NUNCA HOUVE UM IRMÃO MELHOR.  Fui a uma sessão regular do evento, apenas para conferir, garimpar alguma curiosidade ou novidade, e fiquei muito bem impressionado.  O filme do diretor Murad Ibragimbekov tem um tratamento visual rico e caprichado.  A construção da trama é consistente, sensível.  Consegue lidar com o conflito entre intenção e desejo com sutileza e ainda conta com a metáfora das abelhas para explicitar/explicar o desfecho.  Só para encontrar um filme como esse já vale o empenho em frequentar regularmente essa Mostra.


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