Antonio Carlos Egypto
Este ano acompanhei a Mostra com mais parcimônia: vi
38 filmes. Levando em conta que minha
média histórica tem sido ver em torno de 60 filmes, foi um número modesto. O suficiente, porém, para destacar entre o
que vi ótimos filmes, já esperados pelo histórico de seus realizadores, e
descobrir algumas pérolas, aqueles de filmografias menos conhecidas e os de
diretores de primeiro ou segundo trabalho.
Além das Montanhas |
O filme que eu mais apreciei, como um fruto
extremamente saboroso, pelo cuidado da sua construção e profundidade de alcance
foi ALÉM DAS MONTANHAS, do cineasta romeno Cristian Mungiu, que já havia me
entusiasmado por seus trabalhos anteriores 4
MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS, o melhor filme sobre o aborto na ilegalidade que eu
já vi, e a ótima comédia CONTOS DA ERA DOURADA, que detona o totalitarismo de
forma hilária e foi concepção dele, que também dirigiu um dos episódios.
Gostei muito de ver o inovador TABU, do cineasta
português Miguel Gomes, de quem foi exibida a sua produção, ainda pequena. Já havia visto e apreciado AQUELE QUERIDO MÊS
DE AGOSTO, que foi novamente apresentado.
E conheci A CARA QUE MERECES, menos interessante, mas uma brincadeira no
mínimo curiosa, apesar de arrastada, para um longa.
Foram ótimos programas PERDER A RAZÃO, de Joachim
Lafosse, diretor que já havia me entusiasmado com LIÇÕES PARTICULARES, de 2008,
e PROPRIEDADE PRIVADA, de 2006. Marco
Bellocchio fez um belo filme sobre a eutanásia, em A BELA QUE DORME. O dinamarquês Thomas Vinterberg filmou o
outro lado do abuso sexual, a incriminação de um inocente, em A CAÇA, que
complementa o seu famoso FESTA DE FAMÍLIA, de 1998. O mestre português Manoel de Oliveira, aos
104 anos de idade, não decepcionou com O GEBO E A SOMBRA, uma peça teatral
filmada com beleza e simplicidade, que fala ao nosso tempo, apesar da aparência
em contrário. Gostei também de REALITY,
o novo filme do italiano Matteo Garrone, de GOMORRA, de 2008. E revi O ESPELHO, do Tarkóvski, o que valeu a
pena. Mas, convenhamos, não há grandes
surpresas aí.
Já os filmes O GUIA PERVERTIDO DO CINEMA e O GUIA
PERVERTIDO DA IDEOLOGIA para mim foram boas surpresas. Os filmes dirigidos pela inglesa Sophie
Fiennes abrem espaço para as ideias, às vezes originais, às vezes polêmicas, do
filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek e, apesar do estilo palestra, ela
encontrou meios visuais ligados aos filmes abordados, colocando o intelectual
dentro deles, o que realçou alguns aspectos do assunto tratado e driblou o
cansaço, inevitável, nesses casos.
Slavoj Zizek e Os Pássaros |
SONATA SILENCIOSA, de Janez Burger, da Eslovênia,
conta uma história sem palavras, faladas ou escritas (exceto Circus Fantasticus, no caminhão da
trupe), e o faz com eficiência.
Gostei também do filme alemão-turco de Shiar Abdi,
VIDAS CURDAS, visualmente bonito, embora com elementos de difícil compreensão
para nós. Também trata de vidas curdas
em vias de cometer suicídio a produção do Irã e Iraque, 111 GAROTAS, de Nahid
Ghobadi e Pijan Zamanpira, uma viagem alegórica de belas imagens, que acaba por
nos remeter à dura realidade daquele povo.
A ÚLTIMA SEXTA-FEIRA, de Yahya Alabdalla, da Jordânia, também tem uma
bela fotografia e uma trama razoavelmente estruturada. Mais intenso e ao mesmo tempo econômico no
uso da fala e das emoções, ESTUDANTE, de Darezhan Omirbayev, do Cazaquistão,
faz uma boa adaptação de “Crime e Castigo”, de Dostoievski. O faroeste português ESTRADA DE PALHA, de
Rodrigo Areias, não chega a ter uma trama muito bem armada, mas é bonito,
visualmente. E, óbvio, curioso.
EM FAMÍLIA, primeiro filme do diretor norte-americano
de ascendência oriental, Patrick Wang, trouxe uma abordagem do relacionamento
humano forte e madura. ISTAMBUL, de
Török Ferenc, da Hungria, trata com propriedade da libertação feminina, ainda
digna de estranheza em certas situações e contextos.
O documentário LADO A LADO, de Chris Kenneally, dos
Estados Unidos, discute os métodos de criação no cinema digital e em película,
a partir de depoimentos de quem faz cinema: cineastas, técnicos, artistas. O AMANTE DA RAINHA é uma produção
dinamarquesa, de Nikolaj Arcel, capaz de agradar públicos diversificados. Já O REI DO CURLING, de Ole Endresen, da
Noruega, é bem mais específico, tanto pelo assunto, quanto pelo tipo de humor.
Mas funciona. RENOIR, de Gilles Bourdos,
da França, tem a beleza plástica das locações e da procura dos tons das cores
dos quadros do pintor retratado. Vale
por isso.
Dos brasileiros da Mostra, o destaque foi para O SOM
AO REDOR, uma situação que vai se construindo com muita perícia e nos impacta
ao final. Sem falar do som, que é mesmo
envolvente e personagem da história. O trabalho de Kleber Mendonça Filho é
muito bom.
Nunca Houve Um Irmão Melhor |
Deixei para o final a citação de uma verdadeira
pérola da Mostra: o filme do Azerbaijão, NUNCA HOUVE UM IRMÃO MELHOR. Fui a uma sessão regular do evento, apenas
para conferir, garimpar alguma curiosidade ou novidade, e fiquei muito bem
impressionado. O filme do diretor Murad
Ibragimbekov tem um tratamento visual rico e caprichado. A construção da trama é consistente,
sensível. Consegue lidar com o conflito
entre intenção e desejo com sutileza e ainda conta com a metáfora das abelhas
para explicitar/explicar o desfecho. Só
para encontrar um filme como esse já vale o empenho em frequentar regularmente
essa Mostra.
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