O BESOURO VERDE (The Green Hornet). Estados Unidos, 2010. Direção: Michel Gondry. Com Seth Rogen, Jay Chou, Cameron Diaz, Tom Wilkinson, Christoph Waltz. 119 min.
O cineasta francês Michel Gondry costuma filmar coisas estranhas, excêntricas ou mágicas, geralmente com base em sonhos e jogando com o tempo e a memória. Em parceria com o escritor e roteirista Charlie Kaufman, criou um universo que poderemos classificar de “surrealista kitsch”, em que o ilusionismo joga papel central.
“Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, de 2004, brinca com o tempo e com o desejo de apagar desilusões amorosas e com as dificuldades funcionais que podem surgir daí. “Sonhando acordado”, de 2006, é o exemplo mais evidente da estética kitsch. Mostra mãos enormes num corpo pequeno, estúdios de TV montados com embalagens de ovos e outras inúmeras extravagâncias. Em “Rebobine, por favor”, de 2008, um cidadão desmagnetiza incidentalmente todas as fitas VHS de uma locadora, cujos donos irão refazer os filmes à sua moda. No episódio de “Tóquio”, de 2009, uma mulher se transforma periodicamente em cadeira.
Nenhum desses filmes é uma obra-prima, mas é possível se divertir com eles e há coisas bastante originais nessas brincadeiras todas. Gondry não é um cineasta qualquer. Tem bom humor e criatividade.
Seu mais recente filme é “O Besouro Verde”, que está sendo exibido em 3D e, com maior destaque, na tela Imax. Um filme de muita ação e efeitos especiais, na fórmula de mercado que persegue os milhões de dólares que devem ser conquistados por meio de grandes plateias. E não deu outra: o filme é o campeão de bilheteria atual, nos Estados Unidos.
O Besouro Verde é um herói antigo. As informações divulgadas dão conta de que ele nasceu em 1936, no rádio, depois foi para os quadrinhos, para a TV, e já teve como parceiro até o lendário Bruce Lee. É um daqueles heróis que se valem de todos os métodos, dos mais invasivos, violentos e inteiramente fora da lei, a pretexto de combater criminosos. Ou seja, crime se combate com crime: uma contradição ética.
Nas mãos de Michel Gondry, os personagens ganham muita tecnologia e se almeja a comicidade. Britt (Seth Rogen), o que se esconde sob a identidade de Besouro Verde, é o herdeiro instantâneo de um grande jornal e conglomerado de comunicação, uma vez que seu pai morre de um dia para o outro, surpreendentemente.
Irresponsável e imaturo, ele nada quer da vida, a não ser se divertir, de preferência perigosamente. Descobre em Kato (Jay Chou), empregado do pai, um gênio, não só das artes marciais ou da inteligência, mas da invenção. Carros e equipamentos de fazer inveja a James Bond são criados por ele. A dupla vai barbarizar na cidade. Não se sabe ao certo se para combater bandidos de verdade ou para se divertir com a brincadeira violenta. E, a partir daí, tudo se destrói e se arrebenta, o tempo todo. Não fica um vidro para contar a história. Até numa briga de socos, a casa vai sendo literalmente destruída: móveis, objetos de adorno, computadores, TVs de última geração, tudo se acaba.
O próprio jornal vai sendo destruído, junto com os carros mais do que especiais e seus aparatos de alta tecnologia. Tudo é muito chique e atualizado. Para ser literalmente consumido, instantaneamente destruído. Uma metáfora do capitalismo consumista, que pode acabar com o planeta?
Tudo isso mostrado em 3D, na tela Imax, é de um exagero tal que, ao final das duas horas de projeção, o que resta é o esgotamento e, paradoxalmente, o tédio. Foi Lampedusa quem disse que “tudo acontece para que nada aconteça”, não é? Pois é isso. O resultado de tanta tecnologia e tantos efeitos é o vazio.
Mas aonde foram parar as ideias criativas de Michel Gondry, as excentricidades, as maluquices? “O Besouro Verde” pretende-se uma comédia de ação. Ação tem até demais. Quebra-quebra, explosão, porrada. Sem tensão ou violência com cara de coisa real. Não, é brincadeirinha, coisa de gibi. Mas qual é a graça? Umas poucas frases espirituosas, ditas ao longo da narrativa? Esse ritmo acelerado, vertiginoso, excessivo?
Qual é a diferença entre assistir a um filme desses e andar numa montanha russa? Quem gostar de curtir essas sensações algo extravagantes e artificialmente produzidas, que aproveite. Eu disse extravagantes? Quem sabe é por isso que o diretor desse filme é o Michel Gondry. Pelo menos isso ainda tem algo a ver com seus trabalhos anteriores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário