quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O BESOURO VERDE

                                                  Antonio Carlos Egypto



O BESOURO VERDE (The Green Hornet).  Estados Unidos, 2010.  Direção: Michel Gondry.  Com Seth Rogen, Jay Chou, Cameron Diaz, Tom Wilkinson, Christoph Waltz.  119 min.

O cineasta francês Michel Gondry costuma filmar coisas estranhas, excêntricas ou mágicas, geralmente com base em sonhos e jogando com o tempo e a memória.  Em parceria com o escritor e roteirista Charlie Kaufman, criou um universo que poderemos classificar de “surrealista kitsch”, em que o ilusionismo joga papel central.
“Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, de 2004, brinca com o tempo e com o desejo de apagar desilusões amorosas e com as dificuldades funcionais que podem surgir daí. “Sonhando acordado”, de 2006, é o exemplo mais evidente da estética kitsch.  Mostra mãos enormes num corpo pequeno, estúdios de TV montados com embalagens de ovos e outras inúmeras extravagâncias.  Em “Rebobine, por favor”, de 2008, um cidadão desmagnetiza incidentalmente todas as fitas VHS de uma locadora, cujos donos irão refazer os filmes à sua moda.  No episódio de “Tóquio”, de 2009, uma mulher se transforma periodicamente em cadeira.
Nenhum desses filmes é uma obra-prima, mas é possível se divertir com eles e há coisas bastante originais nessas brincadeiras todas.  Gondry não é um cineasta qualquer.  Tem bom humor e criatividade. 
Seu mais recente filme é “O Besouro Verde”, que está sendo exibido em 3D e, com maior destaque, na tela Imax.  Um filme de muita ação e efeitos especiais, na fórmula de mercado que persegue os milhões de dólares que devem ser conquistados por meio de grandes plateias.  E não deu outra: o filme é o campeão de bilheteria atual, nos Estados Unidos.
O Besouro Verde é um herói antigo.  As informações divulgadas dão conta de que ele nasceu em 1936, no rádio, depois foi para os quadrinhos, para a TV, e já teve como parceiro até o lendário Bruce Lee.  É um daqueles heróis que se valem de todos os métodos, dos mais invasivos, violentos e inteiramente fora da lei, a pretexto de combater criminosos.  Ou seja, crime se combate com crime: uma contradição ética.
Nas mãos de Michel Gondry, os personagens ganham muita tecnologia e se almeja a comicidade.  Britt (Seth Rogen), o que se esconde sob a identidade de Besouro Verde, é o herdeiro instantâneo de um grande jornal e conglomerado de comunicação, uma vez que seu pai morre de um dia para o outro, surpreendentemente. 
Irresponsável e imaturo, ele nada quer da vida, a não ser se divertir, de preferência perigosamente.  Descobre em Kato (Jay Chou), empregado do pai,  um gênio, não só das artes marciais ou da inteligência, mas da invenção.  Carros e equipamentos de fazer inveja a James Bond são criados por ele.  A dupla vai barbarizar na cidade.  Não se sabe ao certo se para combater bandidos de verdade ou para se divertir com a brincadeira violenta. E, a partir daí, tudo se destrói e se arrebenta, o tempo todo.  Não fica um vidro para contar a história.  Até numa briga de socos, a casa vai sendo literalmente destruída: móveis, objetos de adorno, computadores, TVs de última geração, tudo se acaba.
O próprio jornal vai sendo destruído, junto com os carros mais do que especiais e seus aparatos de alta tecnologia.  Tudo é muito chique e atualizado.  Para ser literalmente consumido, instantaneamente destruído.  Uma metáfora do capitalismo consumista, que pode acabar com o planeta?
Tudo isso mostrado em 3D, na tela Imax, é de um exagero tal que, ao final das duas horas de projeção, o que resta é o esgotamento e, paradoxalmente, o tédio.  Foi Lampedusa quem disse que “tudo acontece para que nada aconteça”, não é?  Pois é isso.  O resultado de tanta tecnologia e tantos efeitos é o vazio.
Mas aonde foram parar as ideias criativas de Michel Gondry, as excentricidades, as maluquices?  “O Besouro Verde” pretende-se uma comédia de ação. Ação tem até demais.  Quebra-quebra, explosão, porrada. Sem tensão ou violência com cara de coisa real. Não, é brincadeirinha, coisa de gibi. Mas qual é a graça?  Umas poucas frases espirituosas, ditas ao longo da narrativa? Esse ritmo acelerado, vertiginoso, excessivo?   
Qual é a diferença entre assistir a um filme desses e andar numa montanha russa? Quem gostar de curtir essas sensações algo extravagantes e artificialmente produzidas, que aproveite.  Eu disse extravagantes?  Quem sabe é por isso que o diretor desse filme é o Michel Gondry.  Pelo menos isso ainda tem algo a ver com seus trabalhos anteriores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário