Antonio Carlos Egypto
OS PRIMEIROS SOLDADOS. Brasil, 2019. Direção e roteiro: Rodrigo de
Oliveira. Elenco: Johnny Massaro, Renata
Carvalho, Vitor Camilo, Clara Choveaux, Alex Bonini. 107 min.
“Os Primeiros Soldados” começa por
mostrar um grupo de jovens homossexuais masculinos, incluindo uma travesti, em
Vitória, no Espírito Santo, na chegada do ano de 1983, entusiasmados e em
festa. Primeiro, o filme de Rodrigo
Oliveira nos leva a conhecê-los mais de perto, um pouco antes do advento da
primeira onda de epidemia de Aids, que seria alcunhada de peste gay.
A partir desse ano fatídico, tudo muda
na vida deles, repentinamente. Então,
assistimos ao que acontece com o jovem biólogo Suzano (Johnny Massaro), Rose
(Renata Carvalho), a mulher trans, e Humberto (Vitor Camilo), videomaker, que
estava realizando filmagens sobre Rose.
Naquele momento, sintomas como o do
raro Sarcoma de Kaposi, revelado por manchas que se espalham pelo corpo, trazem
surpresa e desespero, porque não se sabe o que está acontecendo e por que os
atingidos são somente os rapazes gays. Se já havia muito preconceito, a coisa só se
complicou com as primeiras descobertas de um tal de vírus gay, mortal, o hoje nosso conhecido HIV.
Sem saber nada da doença que os
acometia, sem possibilidades de encarar qualquer tratamento efetivo e sem saber
como se prevenir, os fatos tomam a dimensão de uma tragédia. Advém o medo, a vergonha, o isolamento, a discriminação
mais aguda e um vale-tudo para tentar descobrir, na prática, alguma coisa que
pudesse fazer algum efeito. Em vão,
naturalmente.
Esses primeiros soldados capixabas na
guerra contra a Aids são os personagens que resgatam a memória desses primeiros
tempos, que ceifaram tantas vidas no Brasil e no mundo, trouxeram tanto
sofrimento e produziram um retrocesso inicial no processo evolutivo
comportamental que se seguiu à revolução sexual dos anos 1960 e 1970.
A própria evidência da Aids, em
seguida, possibilitou uma discussão mais aberta sobre a sexualidade, em
especial, o uso da camisinha, que seria o único meio concreto de prevenir uma
doença que se transmitia pelas relações sexuais. Todas, não só aquelas que se referiam aos gays.
Trabalhei bastante no terreno da educação e da psicologia com o tema da
prevenção da Aids, por muitos anos na minha vida. Posso atestar que avançamos muito e o Brasil
serviu até de exemplo para a comunidade internacional, não só na prevenção, na
educação e nas campanhas massivas avançadas, mas também na disponibilidade de
medicamentos e serviços de saúde à população.
Voltar aos primeiros tempos, como faz
o filme, é muito interessante já que, com o avanço no conhecimento, na
prevenção e no tratamento das infecções pelo HIV, a Aids se tornou
administrável, as mortes decaíram fortemente e as novas gerações já não viveram
a tragédia que os personagens capixabas experimentaram no filme. Obviamente, a consequência disso é o
relaxamento da prevenção e o refluxo da doença a níveis preocupantes em relação
aos jovens, inclusive às pessoas LGBTQIA+, que deixaram de ser alvo
preferencial das ações.
Desde que se estabeleceu o dia 1º. de
dezembro como dia mundial de luta contra a Aids, o último mês do ano tem
servido para a difusão de informações, notícias, avanços na área médica,
compartilhamento de textos científicos, literários, peças teatrais e filmes,
para que não se perca o que foi conquistado.
“Os Primeiros Soldados” faz parte desse esforço e é bem-vindo. É uma boa produção, bem dirigida, com bom
elenco e um trabalho honesto, que está sendo lançado no Festival do Rio, após
obter prêmios em festivais de Mannheim-Heidelberg e na Índia.
Os avanços da ciência prosseguem e
oferecem respostas e soluções inimagináveis naqueles anos 1980 e 1990, em que o
medo e o desespero ocupavam lugar de destaque. Hoje a doença que nos apavora é
a Covid19, que nos levou de volta para casa (para quem pôde, naturalmente) e
graças à mesma evolução científica foi capaz de produzir, em tempo recorde,
vacinas, que estão começando a nos libertar.
O mais importante é não negar a doença ou a gravidade dela. Só é possível vencer aquilo que se conhece e
que se reconhece como problema. Pois é
daí que vem a luta e a persistência no combate.
Os primeiros soldados foram abatidos, mas fizeram história na questão da
Aids. Que as mais de 615 mil mortes pelo
novo coronavírus, da Covid19, no Brasil, nos alertem para que possamos não mais
repetir os enormes erros praticados ao longo dessa pandemia.
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