terça-feira, 7 de dezembro de 2021

OS PRIMEIROS SOLDADOS

Antonio Carlos Egypto

 

 



OS PRIMEIROS SOLDADOS.  Brasil, 2019. Direção e roteiro: Rodrigo de Oliveira.  Elenco: Johnny Massaro, Renata Carvalho, Vitor Camilo, Clara Choveaux, Alex Bonini.  107 min.

 

“Os Primeiros Soldados” começa por mostrar um grupo de jovens homossexuais masculinos, incluindo uma travesti, em Vitória, no Espírito Santo, na chegada do ano de 1983, entusiasmados e em festa.  Primeiro, o filme de Rodrigo Oliveira nos leva a conhecê-los mais de perto, um pouco antes do advento da primeira onda de epidemia de Aids, que seria alcunhada de peste gay.

 

A partir desse ano fatídico, tudo muda na vida deles, repentinamente.  Então, assistimos ao que acontece com o jovem biólogo Suzano (Johnny Massaro), Rose (Renata Carvalho), a mulher trans, e Humberto (Vitor Camilo), videomaker, que estava realizando filmagens sobre Rose.

 

Naquele momento, sintomas como o do raro Sarcoma de Kaposi, revelado por manchas que se espalham pelo corpo, trazem surpresa e desespero, porque não se sabe o que está acontecendo e por que os atingidos são somente os rapazes gays.  Se já havia muito preconceito, a coisa só se complicou com as primeiras descobertas de um tal de vírus gay, mortal, o hoje nosso conhecido HIV.

 

Sem saber nada da doença que os acometia, sem possibilidades de encarar qualquer tratamento efetivo e sem saber como se prevenir, os fatos tomam a dimensão de uma tragédia.  Advém o medo, a vergonha, o isolamento, a discriminação mais aguda e um vale-tudo para tentar descobrir, na prática, alguma coisa que pudesse fazer algum efeito.  Em vão, naturalmente.

 

Esses primeiros soldados capixabas na guerra contra a Aids são os personagens que resgatam a memória desses primeiros tempos, que ceifaram tantas vidas no Brasil e no mundo, trouxeram tanto sofrimento e produziram um retrocesso inicial no processo evolutivo comportamental que se seguiu à revolução sexual dos anos 1960 e 1970.



 

A própria evidência da Aids, em seguida, possibilitou uma discussão mais aberta sobre a sexualidade, em especial, o uso da camisinha, que seria o único meio concreto de prevenir uma doença que se transmitia pelas relações sexuais.  Todas, não só aquelas que se referiam aos gays.  Trabalhei bastante no terreno da educação e da psicologia com o tema da prevenção da Aids, por muitos anos na minha vida.  Posso atestar que avançamos muito e o Brasil serviu até de exemplo para a comunidade internacional, não só na prevenção, na educação e nas campanhas massivas avançadas, mas também na disponibilidade de medicamentos e serviços de saúde à população.

 

Voltar aos primeiros tempos, como faz o filme, é muito interessante já que, com o avanço no conhecimento, na prevenção e no tratamento das infecções pelo HIV, a Aids se tornou administrável, as mortes decaíram fortemente e as novas gerações já não viveram a tragédia que os personagens capixabas experimentaram no filme.  Obviamente, a consequência disso é o relaxamento da prevenção e o refluxo da doença a níveis preocupantes em relação aos jovens, inclusive às pessoas LGBTQIA+, que deixaram de ser alvo preferencial das ações.

 

Desde que se estabeleceu o dia 1º. de dezembro como dia mundial de luta contra a Aids, o último mês do ano tem servido para a difusão de informações, notícias, avanços na área médica, compartilhamento de textos científicos, literários, peças teatrais e filmes, para que não se perca o que foi conquistado.  “Os Primeiros Soldados” faz parte desse esforço e é bem-vindo.  É uma boa produção, bem dirigida, com bom elenco e um trabalho honesto, que está sendo lançado no Festival do Rio, após obter prêmios em festivais de Mannheim-Heidelberg e na Índia. 

 

Os avanços da ciência prosseguem e oferecem respostas e soluções inimagináveis naqueles anos 1980 e 1990, em que o medo e o desespero ocupavam lugar de destaque. Hoje a doença que nos apavora é a Covid19, que nos levou de volta para casa (para quem pôde, naturalmente) e graças à mesma evolução científica foi capaz de produzir, em tempo recorde, vacinas, que estão começando a nos libertar.  O mais importante é não negar a doença ou a gravidade dela.  Só é possível vencer aquilo que se conhece e que se reconhece como problema.  Pois é daí que vem a luta e a persistência no combate.  Os primeiros soldados foram abatidos, mas fizeram história na questão da Aids.  Que as mais de 615 mil mortes pelo novo coronavírus, da Covid19, no Brasil, nos alertem para que possamos não mais repetir os enormes erros praticados ao longo dessa pandemia.

 


 

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