Antonio
Carlos Egypto
14 ESTAÇÕES DE MARIA (Kreuzweg). Alemanha,
2014. Direção: Dietrich Brüggemann. Com
Lea van Acken, Franziska Weisz, Florian Stetter, Hanns Zischler. 107 min.
O fundamentalismo religioso e, consequentemente, o
fanatismo que o acompanha, são um dos grandes problemas do nosso tempo. Não apenas pelas mortes que se fazem em nome
de Deus, pelo terrorismo, mas também
pela retomada de conceitos moralistas que já pareciam superados para explicar
as pessoas e o mundo.
O drama alemão “14 Estações de Maria” situa a questão
numa comunidade católica tradicionalista, que cultiva crenças ultra ortodoxas e
vive em função de noções como santidade e pecado. Maria é uma adolescente de 14 anos que
procura seguir Jesus, quer ser santa e ir para o céu, acima de tudo. Viverá seu martírio em 14 capítulos, ou
estações, à semelhança de Cristo em seu caminho para o calvário.
Coisas absolutamente triviais da adolescência
aparecem como grandes perigos, como um possível namoro com um garoto respeitoso
e também religioso, mas que canta num coral algumas canções que são vistas como
demoníacas pela família e pelos padres da comunidade religiosa de Maria. Deus, que tudo vê, examina cada ação ou gesto
da jovem Maria, que tem um medo constante de cometer pecado, se confessa e se
arrepende do que possa ter feito de errado e sacrifica tudo a Jesus.
Uma vida assim, todos sabemos, é praticamente
inviável. Ainda mais, numa etapa da
existência como a adolescência. Como
levar a cabo um projeto tão radical como esse?
O que pode advir daí?
É custoso, mas vale a pena acompanhar essa
adolescente em sua jornada em busca da santidade. Incomoda tanto que obriga a uma reflexão
maior sobre um tema que pode passar distante dos nossos interesses, se não
formos instados a olhá-lo com atenção. O
ambiente onde tudo ocorre é seco, despojado, duro. As cenas exploram o formalismo e a rigidez
dos personagens. A câmera é estática, na
maior parte do tempo. Tudo conduz a uma
austeridade sufocante. Até a tragédia
está contida num fundamentalismo, que não admite espaço para a dúvida, para a
escolha humana, para o dilema moral.
Essa é a maior desgraça, o terrível perigo que pode pôr em ação as mais cruéis
saídas para os indivíduos e para as sociedades.
A sobriedade com que toda a temática é abordada, em
que o que está contido, por trás, é o que importa, exige do elenco um
desempenho sutil e de baixa intensidade, o que o diretor Dietrich Brüggemann consegue
obter com sucesso.
Há filmes que servem para agradar e divertir. Ou para nos comunicar beleza, afetividade,
alto astral. Há filmes que combinam
reflexão com um tratamento estético que fascina, ou os que se concentram na
crítica, denúncia ou registro de uma dada realidade. Há os que incomodam, perturbam, cutucam a
gente. “14 Estações de Maria” pertence a
essa última categoria. Não é
entretenimento, nem uma elaborada obra artística. Mas tem sua razão de ser e seu efeito.
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