A CAÇA (Jagten). Dinamarca, 2012. Direção e roteiro: Thomas Vinterberg. Com Mads Mikkelsen, Thomas Bo
Larsen, Annika Wedderkoop, Lasse Fogelstrom. 115 min.
Thomas Vinterberg é o cineasta
dinamarquês que realizou, em 1998, o brilhante “Festa de Família”. Ali, num evento preparado para homenagear os
60 anos do patriarca, vem à tona um histórico de abuso sexual dentro da
família, que vira do avesso a festividade e derruba todas as convenções e
aparências. O acobertamento e a
impunidade do agressor foram pontos marcantes dessa trama.
Abuso sexual é uma coisa muito
séria e demolidora para quem é vítima e até para o abusador, geralmente abusado
na infância, que repete o comportamento por falta de elaboração, por não tê-lo
superado. Algo como uma vingança
inconsciente. Esse filme foi, e é, uma
referência para a discussão do tema, pela qualidade do trabalho apresentado.
Pois bem, Thomas Vinterberg agora
focaliza o outro lado do mesmo problema.
Se praticar abuso sexual é terrível, ser acusado de tê-lo praticado, sem
que isso seja verdade, é igualmente terrível.
O acusado é julgado e condenado moralmente pela comunidade, sem que se deem
a ele condições reais de se defender. Na
verdade, ninguém quer ouvi-lo. Ele já
foi condenado por simples indícios, a partir da fantasia de uma menina pequena,
de 5 anos, do jardim da infância. Perde
o emprego, sumariamente. É alvo da
desconfiança de seus entes mais próximos: a nova namorada, o grande amigo, o
filho adolescente. Faz lembrar os
personagens de Hitchcock, culpados até que provem sua inocência, tudo
conspirando contra eles.
Mas eu gostaria de enfatizar aqui
o fato de que o mesmo diretor olhe pelo outro lado do problema e tenha sensibilidade
para apresentar um drama de proporções similares. Quando alguém julga e condena e isso se torna
uma avalanche no ambiente social, o que quer que o acusado possa dizer ou
mostrar será sempre utilizado contra ele. A comunidade mergulha numa histeria
coletiva. Não importa se não há provas
ou se elas não são suficientes ou conclusivas.
Isso, colocado na mídia, torna-se algo monumental, sem saída.
Não custa lembrar o famoso caso
da Escola de Base, de São Paulo, acusada em 2005 da prática de abusos sexuais
em seu interior, com ampla repercussão em todos os tipos de mídia. Ela foi depredada, financeiramente destruída,
seus donos foram ameaçados de morte, até que se chegasse à conclusão da sua
inocência. Impossível reparar o que se
perdeu.
“A Caça” mostra todo o processo
de acusação que destrói a vida do personagem Lucas, o ótimo ator Mads
Mikkelsen, premiado em Cannes, que já atuou em muitas produções nórdicas de
qualidade, inclusive o recente “O Amante da Rainha”. Ele, acuado, percebendo que qualquer fala ou
reação só faz incriminá-lo ainda mais, suporta o inferno até o seu limite. A interpretação do ator nos dá toda a dimensão
do sofrimento e da injustiça que ele vive.
Mais um grande filme do diretor Thomas Vinterberg. Grande pelo seu talento e brilho, apesar da
produção modesta. Em todo caso, nem tão
modesta quanto a de “Festa de Família”, que pertencia ao movimento Dogma 95, que buscava realizar filmes com pobreza, dentro de recursos
intencionalmente limitados. O movimento
não foi avante, mas o cineasta fez o melhor filme dentro dele e agora faz o seu
reverso, com rara competência. Admiro
quem é capaz de ver em profundidade, por diversos ângulos, uma mesma
questão. Tem mais chances de alcançar a
complexidade dos fatos e do conhecimento.
Agora, “A Caça” torna-se também uma referência importante na discussão
do tema do abuso sexual.
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