quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI

Antonio Carlos Egypto






VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI (Sorry, We Missed You).  Inglaterra, 2019.  Direção: Ken Loach.  Com Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Charlie Richmond, Katie Proctor.  100 min.


O britânico Ken Loach é um dos diretores de cinema mais importantes em atividade.  Seu trabalho tem cunho realista e forte conotação política, ao abordar os personagens da classe trabalhadora sofrendo as consequências de um sistema econômico que os exclui e oprime de muitas formas.  Aborda também as respostas e caminhos que os trabalhadores acabam encontrando para lidar com esse clima assustador a que estão, querendo ou não, submetidos.

Quem viu os filmes dele ”Meu Nome é Joe”, de 1998, “Pão e Rosas”, de 2000, “À Procura de Eric”, de 2009, “A Parte dos Anjos”, de 2012, e “Eu, Daniel Blake”, de 2016, sabe do que eu estou falando.  Quem não viu e quiser saber do que se trata é só procurar no campo de pesquisa do cinema com recheio que encontrará as críticas  desses filmes e também de “Rota Irlandesa”, de 2011, e “Jimmy’s Hall”, de 2014, que tratam de questões históricas irlandesas sempre do ponto de vista do trabalhador.  São grandes filmes dele também “Terra e Liberdade”, de 1995, sobre a guerra civil espanhola, e “Ventos da Liberdade”, de 2006, que trata da guerrilha irlandesa frente ao colonialismo inglês.  É uma obra vasta e muito importante.

Em “Você Não Estava Aqui”, Ken Loach aborda os novos rumos do capitalismo que, com o colapso do emprego formal, vende a ilusão do empreendedorismo, o trabalho por conta própria, que, de tão precarizado, se aproxima não da liberdade individual, mas justamente de seu contrário, a escravização.

O sistema econômico que adula e impõe condutas afeta de tal modo a vida pessoal dos trabalhadores, com a precarização do trabalho e dos direitos, que produz inevitáveis rupturas nas relações humanas e familiares.




Na trama do filme, Ricky (Kris Hitchen) acredita na fantasia do empreendedorismo e vai ser motorista por conta própria, adquirindo uma van novinha, a ser paga em prestações.  Para tal, compromete a mobilidade de sua mulher, Abby (Debbie Honeywood), que é uma dedicada cuidadora de idosos.  A vida dos dois filhos do casal, especialmente do menino adolescente, também sofrerá muitas consequências sérias com essa decisão.  Não demorará muito para que Ricky descubra que, como diz o seu patrão, “o negócio é seu, mas a franquia é nossa”.  E, com essas cartas o jogo é pesado, não sobra tempo para nada e qualquer falta será punida com pesadas multas.  E por aí vai.

O diretor pergunta se é sustentável recebermos nossas compras por meio de uma pessoa que dirige uma van 14 horas por dia.  E acrescenta: isso é melhor do que ir a uma loja e interagir com o vendedor?  Explica que isso não é um erro, mas a lógica do desenvolvimento da economia de mercado.  Segundo ele, o trabalho informal acaba com as vidas e os pobres é que pagam o preço.  O contexto da ação do filme é Newcastle, na Inglaterra, em meio à crise de 2008, mas vale para toda a economia de mercado do mundo atual.

Pensemos no sistema de entrega paulistano por motoboy, o quanto isso é precário, muito mal pago, perigosíssimo.  Basta ver o número escandaloso de mortes que produz.  A chamada uberização da vida econômica acrescenta detalhes de crueldade àquilo que já era uma terrível exploração.

Ken Loach nos fala de algo que conhecemos muito bem, bate à nossa porta e nos deixa preocupados (se pararmos para pensar) e com uma sensação de impotência diante do sistema.  É de gente com o talento desse cineasta que precisamos, para não perdermos a capacidade de nos indignar diante da desumanidade e da ganância do lucro.





sábado, 22 de fevereiro de 2020

CINEDICAS:5 FILMES

Antonio Carlos Egypto


FRANKIE (Frankie).  França, 2019.  Direção: Ira Sachs.  Com Isabelle Huppert, Brendan Glesson, Marisa Tomei, Jerémie Renier, Pascal Greggory.  100 min.
“Frankie” trata de uma situação pesada, um encontro de despedida da vida de uma famosa atriz, com sua família e amigos.  No entanto, o diretor estadunidense Ira Sachs desenvolve esse evento, que poderia ser macabro, com beleza e sutileza.  Consegue leveza onde não se esperaria.  A começar pela própria Frankie, vivida lindamente por Isabelle Huppert, uma das maiores atrizes do nosso tempo.  Seu personagem lida com a perspectiva da morte iminente com o máximo de discrição, sem drama, mas sem negar a realidade e em busca de uma interação humana gratificante e tranquilizadora.  Além disso, o filme exibe a beleza da cidade portuguesa de Sintra, tão charmosa, elegante e diáfana, que dá uma moldura especial a esse encontro que, se fosse possível, muitos gostariam de viver.  Reflexivo, comovente e apaziguador, apesar de tudo o que envolve.  Um ótimo elenco contracena com Huppert em “Frankie”.

FRANKIE


MEU NOME É SARA (My Name Is Sara).  Estados Unidos, 2019.  Direção: Steven Oritt.  Com Zuzanna Surowy, Konrad Chichon, Pawel Królikowski, Eryk Lubos.  111 min.
A história, baseada em fatos reais, que se conta aqui, passa-se na Ucrânia, durante a ocupação alemã do país, na Segunda Guerra Mundial.  Porém, como o filme é norte-americano, o tempo todo fala-se inglês, exceto quando entram em ação os comunicados dos dominadores alemães, que chegam na cena a ser traduzidos para o inglês, para que a população os entenda (sic).  Sara (Zuzanna Surowy), aos 15 anos de idade, com sua família inteira morta pelos nazistas, assume a identidade de uma amiga, para conseguir ser acolhida para trabalhar numa fazenda, escondendo sua origem judaica, para poder sobreviver.  Só que o casal de fazendeiros e seus filhos que a acolhem têm outros problemas, além de serem roubados, saqueados, pelos alemães e pelos russos.  Eles têm questões familiares e amorosas que complicam a situação de Sara e exigem dela ajustes difíceis e um jogo de cintura que ela terá de aprender rapidamente.  Esses elementos complicadores é que despertam interesse numa trama que já foi bastante explorada pelo cinema.  A realização cinematográfica é boa e a atriz protagonista, uma revelação e um achado para o papel. 

DILILI EM PARIS (Dilili à Paris).  França, 2018.  Direção: Michel Ocelot.  Animação.  95 min.
Quem viu a trilogia “Kiriku” sabe do que é capaz Michel Ocelot.  Suas animações são belíssimas, requintadas, inteligentes.  “Dilili em Paris”, seu novo trabalho, é um luxo, ao homenagear Paris com a beleza plástica do seu traço artesanal e explorar os elementos vinculados à cultura francesa, que povoaram a cidade no final do século XIX e começo do XX. A chamada belle époque reuniu figuras como Sarah Bernhardt, Claude Debussy, Auguste Rodin, Toulouse Lautrec, Claude Monet, Louis Pasteur, Madame Curie, Pablo Picasso, Luís Buñuel, Santos Dumont, Marcel Proust e tantos mais.  Pois todos eles, de um modo ou de outro, participam da trama da garotinha Dilili e seu amigo entregador, que vão combater as forças do mal responsáveis por uma onda de sequestros de menininhas em Paris.  A animação tem um tom feminista, ao expor os absurdos a que podem estar submetidas as meninas, e as mulheres.  Um encanto.


CICATRIZES

CICATRIZES (Savovi).  Sérvia, 2019.  Direção: Miroslav Terzic.  Com Snezana Bogdanovic, Marco Bacovic, Jovana Stojiljkovic. 97 min.
O que se vê no desenrolar do filme sérvio, dirigido por Miroslav Terzic, em seu segundo longa, ambientado em Belgrado, são as cicatrizes de um passado que move os personagens.  Acompanhamos uma mulher, sua família, seu trabalho, seus contatos.  A cada sequência nos deparamos com impropriedades.  As relações humanas são estranhas, pesadas, ásperas.  Os comunicados, misteriosos ou simplesmente lacônicos.  Há perigos no ar.  E vamos descobrindo, aos poucos, o que está em jogo.  Sem nunca entender muito bem do que se trata.  Até que, no terço final do filme, a situação se esclarece.  Mesmo assim, não se resolve, porque é preciso encarar o que ficou para trás.  Então, novas ações vão trazer uma nova configuração ao conflito.  Cicatrizes eternas, ao que parece.  Um belo trabalho dramático, com um roteiro bem construído, que estimula o espectador a seguir a trama com interesse.  O tema abordado, que envolve maternidade, fatos e escolhas do passado, é bem relevante, do ponto de vista psíquico.

O JOVEM AHMED (Le Jeune Ahmed).  Bélgica, 2019.  Direção: Jean-Pierre e Luc Dardenne.  Com Idir Ben Addi, Olivier Bonnaud, Myriem Akheddiou, Victoria Bluck..  84 min.
Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne dirigiram “O Jovem Ahmed” tratando de um personagem adolescente, de 13 anos, muçulmano religioso fanático.  E o fazem com muito talento ao descrever e desenvolver as situações e atitudes do personagem, que acaba se envolvendo numa tentativa de assassinato em nome de Alá.  No entanto, a forma como se conclui o drama ao final não chega a ser muito convincente.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O OFICIAL E O ESPIÃO

Antonio Carlos Egypto





O OFICIAL E O ESPIÃO (J’Accuse).  França, 2019.  Direção: Roman Polanski.  Com Jean Dujardin, Emmanuelle Seigner, Louis Garrel, Grégory Gadebois.  132 min.


Em 28 de fevereiro de 2020 serão conhecidos os grandes vencedores do César, o prêmio máximo do cinema francês, em sua 45ª. edição.  Em número de indicações, já há um favorito, “O Oficial e o Espião” (J’Accuse), de Roman Polanski, indicado a melhor filme, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia, figurino, desenho de produção, trilha sonora, som, além  da indicação a melhor ator para Jean Dujardin e duas indicações a melhor ator coadjuvante para Louis Garrel e Grégory Gadebois.  O filme já levou o Leão de Prata do Festival de Veneza, de modo que não há muita surpresa nisso.

Há concorrentes muito fortes, como “Os Miseráveis”, de Ladj Ly, parisiense, de família imigrante do Mali, que fez um filme poderoso e assustador, ao nos mostrar a que ponto está chegando o confronto na periferia de Paris, que opõe policiais a crianças (isso mesmo) em embates marcados por grande violência. Impressionante o que esse filme faz, inspirando-se em Victor Hugo para refletir sobre a atualidade mais preocupante.  É importante citar também “Graças a Deus”, de François Ozon, “Retrato de uma Jovem em Chamas”, de Céline Sciamma, “Papicha”, de Mounia Meddour, e, ainda inédito por aqui, “La Belle Époque”, de Nicolas Bedos, entre outros. Por aí, a parada é dura.

Há, porém, um outro problema, as acusações de abuso sexual que acompanham a vida do diretor franco-polonês Roman Polanski, desde sempre, e não o abandonam nem quando ele chega aos 86 anos de idade.  Novas revelações sobre fatos dos anos 1970 reacenderam a fúria de grupos de feministas francesas, que prometem agir para se contrapor à consagração do filme e à homenagem que o diretor poderia conquistar.  E não seria a primeira vez que ele seria atingido por protestos.


Roman Polanski


Quem acompanha e gosta de bom cinema tem a obrigação de admirar o talento de cineasta de Polanski.  Sabe também das desgraças que acompanharam a sua vida, da morte de sua mãe em campo de concentração nazista à tragédia do assassinato de sua mulher, Sharon Tate, em 1969, pelo bando do fanático Charles Manson, recentemente relembrada, mudando a história, por Quentin Tarantino, em “Era uma Vez em Hollywood”.  Ou das punições que o atingiram nos Estados Unidos da América.  Nada justifica coisa alguma, se todas as acusações procederem.  Mas rechaçar um filme da qualidade de “O Oficial e o Espião” ou uma obra como a de Polanski no cinema é um verdadeiro crime contra a arte.

Por sinal, o título do filme em francês é justamente “J’Accuse” (Eu Acuso), tirado do texto de Émile Zola que defendia o capitão Dreyfus da acusação injusta de alta traição e, em contrapartida, acusava de forma clara e corajosa os responsáveis no Governo e nas Forças Armadas pela farsa que foi o julgamento daquele judeu, que era dos poucos que atuavam no exército francês, no final do século XIX, e escancarava o preconceito.  O título dado ao filme no Brasil é uma bobagem sem sentido.




O filme de Polanski se debruça sobre o rumoroso, polêmico e prolongado caso Dreyfus, valendo-se do ponto de vista do personagem coronel Picquart, realmente em ótima atuação de Jean Dujardin.  Ele, inconformado com a flagrante injustiça e manipulação do caso, que levou à prisão perpétua de Dreyfus e a seu exílio na longínqua e desabitada ilha do Diabo, resolveu investigar por conta própria.  Com isso, provocou as reviravoltas e a demonstração do erro judicial, o que se arrastou por dez anos até sua resolução.  O caso é muito conhecido, mas merecia o filme que recebeu.  Uma narrativa clássica numa produção esmerada, habilmente dirigida, com grandes desempenhos e um ritmo eficiente e envolvente.

Um belo filme, que merece reconhecimento à altura. “Os Miseráveis” já foi o escolhido da França para representá-la no Oscar de filme internacional e ficou entre os cinco finalistas. “J’Accuse” poderia perfeitamente ser o grande vencedor do César 2020, como suas indicações sugerem.  Tem méritos de sobra para isso.





quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O OSCAR DE PARASITA

                             
Antonio Carlos Egypto


Bong Joon-ho


Assistir à cerimônia de entrega do Oscar nem sempre é uma experiência interessante.  Além dos excessos e cafonices do evento, é comum trazer frustração para quem quer ver reconhecido o que o cinema produz de melhor em todo o mundo. 

Aí começa o problema.  Para o Oscar, existe o cinema falado em língua inglesa, principalmente o dos Estados Unidos, e os filmes estrangeiros, ou seja, o resto do mundo.  Nunca houve real reconhecimento da qualidade e diversidade da produção cinematográfica mundial, na premiação do Oscar.  Já há algum tempo, pode-se constatar que, entre os melhores filmes lançados a cada ano, há uma maioria de filmes que não são falados em inglês. 

Pois bem, parece que, finalmente, o Oscar teve de reconhecer essa realidade.  Em 2020, muita coisa já mudou.  E a festa consagrou o grande filme do ano de 2019, “Parasita”, de Bong Joon-ho, da Coreia do Sul.  A começar pelas indicações, foram 6 para o filme, o que é incomum.  O prêmio, que se chamava melhor filme estrangeiro, mudou para melhor filme internacional.  Isso muda a perspectiva.  “Parasita” foi indicado não só a melhor filme internacional, como a melhor filme, apesar de falado em coreano.  O mais incrível é que venceu nas duas categorias, um atestado de sua superioridade incontestável.  Mais do que isso, venceu na categoria de melhor roteiro original, muito importante no conjunto da premiação.  E, ainda, Bong Joon-ho venceu como melhor diretor, o que é outra grande surpresa e reconhecimento.

O diretor coreano, simpático e comunicativo, quando recebeu o Oscar de roteiro comemorou o primeiro prêmio na história para o cinema da Coreia do Sul e avisou que iria beber para comemorar o dia todo.  Quando recebeu o prêmio de filme internacional, brincou que dobraria a promessa.  Mas ficou pasmo ao ver que venceu também como diretor, e a ninguém menos do que Martin Scorsese, seu mestre inspirador e de quem ele estudou os filmes para se aperfeiçoar.  Manifestou isso, homenageou Scorsese e também os outros concorrentes, Tarantino, Sam Mendes e Todd Phillips.

Ao final do evento, a surpresa maior da escolha de melhor filme coroou a 92ª. edição do Oscar como histórica e sinal de novos e mais abertos ares.  Apesar de que os prêmios ainda privilegiam claramente os homens brancos, mas algo já está mudando,  pelo menos na cerimônia, as mulheres e os negros tiveram participação destacada.  Sem falar, é claro, dos orientais, os grandes vencedores.


Equipe de PARASITA


A vitória tão ampla de “Parasita” não possibilitou que “Honeyland”, indicado como melhor documentário e melhor filme, tivesse alguma chance e “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar, ficou para trás e também não levou com Antonio Banderas como ator.

O nosso representante, “Democracia em Vertigem”, documentário de Petra Costa, não levou o prêmio, ficou para “American Factory”, um favorito com a chancela de Obama.  Mas foi notável a sua indicação entre os 5 melhores documentários realizados no ano passado em todo o mundo.

Lamentei a ausência de “O Irlandês”, de Scorsese, e de “Dois Papas”, de Fernando Meirelles, entre os premiados.  Foram trabalhos que mereciam maior reconhecimento.  Principalmente no caso de roteiro adaptado, em que o vencedor foi o medíocre “Jojo Rabbit”, uma bem intencionada, mas fraca, esculhambação dos absurdos das ideias nazistas, operando na cabeça de um menino que tem Hitler como amigo imaginário.

Antes da cerimônia, muitos apregoavam que “1917”, de Sam Mendes, estaria muito bem cotado para vencer.  Esse vaticínio me preocupou.  Afinal, “1917” não passa de um bom filme de guerra, que nos leva a viver junto com dois soldados a missão um tanto suicida que eles recebem.  Como Sam Mendes optou por longos planos-sequência que passam a sensação de um filme sem cortes e isso exige muito preparo, planejamento e um trabalho insano, é o que poderia ser premiado.  Acontece que “1917” está longe de ser um dos grandes filmes do ano, apesar do esforço.  Os prêmios técnicos para efeitos visuais, mixagem de som e fotografia, estão de bom tamanho para o filme.

O ótimo “Coringa”, outro que de início frequentou a lista de favoritos levou 2 Oscars, trilha sonora e melhor ator para o grande desempenho de Joaquin Phoenix.  Parece pouco, para um filme que “causou”, como se diz por aí.  “Era uma Vez em Hollywood”, do badalado e por vezes superestimado Quentin Tarantino, ganhou o prêmio de design de produção e o de ator coadjuvante para Brad Pitt.  OK. Um filme que não vi, “Ford vs Ferrari”, sobre automobilismo, conquistou um importante prêmio de montagem e o de edição de som.  A conferir.



De resto, houve uma pulverização de prêmios que alcançou vários filmes.  Elton John ganhou pela canção original do filme “Rocketman”, que não concorria, mesmo, em outras categorias.  Achei merecido.  “Judy, Muito Além do Arco-Íris” valeu o prestigiado prêmio de atriz para Renée Zellweger, que faz Judy Garland com muita força e mergulhando na figura e nos conflitos e problemas da sua decadência, que é o que o filme focaliza.  Seu desempenho é o que “Judy” tem de melhor.  É um produto convencional, que se vale da emoção para ganhar as plateias, sobretudo as que acompanharam a carreira daquela grande estrela.  Para atriz coadjuvante, o Oscar escolheu Laura Dern, de “História de um Casamento”, uma veterana grande atriz, sem dúvida.

“Adoráveis Mulheres”, de Greta Gerwig, uma bela produção, ficou com o prêmio de figurino, realmente muito bonito e caprichado.  Para “O Escândalo” foi o Oscar de cabelo e maquiage e “Toy Story 4” foi escolhido a melhor animação.

Espero que as mudanças no Oscar prossigam, de modo a abranger realmente a diversidade e os quesitos artísticos, tanto quanto os quesitos comerciais, que conhecemos. 






terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

AÇUCAR

Antonio Carlos Egypto





AÇÚCAR.  Brasil, 2017.  Direção: Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira.  Com Maeve Jinkings, Magali Biff, Dandara de Morais, Zé Maria.  90 min.


“Açúcar”, produção pernambucana, dirigida por Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, vale-se do realismo fantástico para abordar o ancestral conflito entre a casa grande e a senzala.  Por meio da personagem Maria Bethânia, vivida por Maeve Jinkings, em grande atuação, um antigo e abandonado engenho de açúcar da família Wanderley volta à cena quando ela, herdeira da família, resolve retomar a velha e decadente casa grande, que ainda traz sinais do luxo e opulência do passado.  Mas a situação agora é outra: parte das terras pertence aos antigos empregados que lá desenvolveram um centro popular de arte e resistência.  E lá estão também as marcas indeléveis da escravidão, as opressões não reparadas, a reivindicação da terra, as contas a pagar, a necessidade de vingança, enfim, a luta de classes.  Dos dois lados, como se diz, é preciso conhecer o inimigo.  O clima é permanentemente tenso.  O presente, o passado e o futuro estão sob ameaça.

O fantástico aparece não só pela presença de criaturas e rituais estranhos, mas também pela entrada e saída de cena de um barco a vela, que “navega” entre as plantações, sem água.  O contemporâneo e o ancestral, o moderno e o arcaico, convivem e se trombam num país predominantemente negro, que tinge os cabelos de louro, como a própria protagonista.  Um país que não se reconhece, nega a própria história e identidade, está à beira do rompimento, da explosão.  A impossível volta às origens pretendida por Bethânia e a necessidade de encarar a imensa desigualdade histórica e atual do país colocam uma espécie de dilema insolúvel para cada um e para todos, num momento extremamente difícil, que o filme, de 2017, não chegou a captar por inteiro, mas intuiu, de alguma forma.




OSCAR À VISTA
09 de fevereiro é o dia da transmissão da festa de entrega do Oscar 2020.  Um evento importante porque global, atinge milhões de pessoas ao redor do mundo.  Quem gosta de cinema torce sempre para que a qualidade receba o destaque que merece, em relação aos interesses comerciais óbvios que estão em jogo.  De minha parte, espero que filmes como “Coringa”, de Todd Philips, e “O Irlandês”, de Martin Scorsese, recebam o devido destaque, assim como as produções internacionais “Parasita”, de Bong Joon-ho, e “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar, saiam com prêmios do evento. Porque merecem e muito.

O que exige a maior atenção e torcida de nossa parte é o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, que está entre os cinco indicados de todo o mundo, o que não é pouca coisa.  Enfrentará pesos pesados, como “American Factory” e “Honeyland”, mas tudo é possível.  Remete ao impeachment de Dilma Rousseff, que deu origem a todo o retrocesso que vivemos hoje no Brasil. Está, portanto, na contramão do Brasil oficial atual.  Por conta disso, incomodou muita gente, inclusive jornalistas do campo cultural, que deveriam estar celebrando essa grande conquista.

FESTIVAL DO RIO EM SÃO PAULO
De 06 a 12 de fevereiro, o Cinesesc São Paulo apresentará uma seleção de 21 filmes exibidos no Festival do Rio 2019.  Os cinéfilos que não foram ao Rio em dezembro não vão querer perder essa excelente oportunidade de conferir bons filmes de todo o mundo e trabalhos de grandes diretores, como Ken Loach, Sergei Loznitsa, Alain Cavalier, Abel Ferrara, entre outros, além de produções brasileiras e documentários que foram destaque por lá e ainda não chegaram por aqui.



terça-feira, 21 de janeiro de 2020

OS MELHORES DO ANO

Antonio Carlos Egypto


2019 foi um ano muito pródigo em termos de qualidade cinematográfica, tanto para o cinema mundial como para o cinema brasileiro (e o latino-americano).  Não foi fácil escolher os 10 melhores do cinema nacional e internacional.
Como toda lista, as que apresento a seguir representam, antes de mais nada, meu gosto pessoal.  Há, no entanto, algumas quase unanimidades críticas entre os filmes escolhidos.  Alguns deles já figuraram na minha lista de melhores da Mostra Internacional de Cinema, tendo sido lançados comercialmente agora, ao final do ano.
Considerei apenas os lançamentos que puderam ser vistos no cinema, ao longo do ano de 2019.  Os que estiveram presentes somente em mostras e festivais não foram levados em conta.  Muitos deles só são lançados um bom tempo depois de participarem desses eventos, outros, nunca aparecem nos cinemas do circuito comercial.  Os filmes que foram lançados exclusivamente em streaming, ou DVD, também não foram considerados elegíveis.
É bom lembrar, ainda, que boa parte dos filmes aqui apresentados continua em cartaz nos cinemas.  Chance para quem não viu no lançamento.  E há as outras opções: streaming, TV paga, DVD.  Afinal, o cinema está em toda parte.  E é bom que seja assim.


BACURAU

LONGAS NACIONAIS – 2019

1. BACURAU, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. 
2. A VIDA INVISÍVEL, de Karim Aïnouz.
3. RAIVA, de Sérgio Tréfaut (coprodução com Portugal).
4. PASTOR CLÁUDIO, de Beth Formaggini.
5. ESTOU-ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR, de Marcelo
    Gomes.
6. LOS SILENCIOS, de Beatriz Seigner (coprodução com Colômbia).
7. AMAZONIA GROOVE, de Bruno Murtinho.
8. LEGALIDADE, de Zeca Brito.
9. CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS, de João Salaviza e Renée
    Nader Messora.
10. O JUÍZO, de Andrucha Waddington.



O PARAÍSO DEVE SER AQUI


LONGAS INTERNACIONAIS – 2019

1. O PARAÍSO DEVE SER AQUI, de Elia Suleiman.  Palestina.
2. PARASITA, de Bong Joon-ho.  Coreia do Sul.
3. DOR E GLÓRIA, de Pedro Almodóvar.  Espanha.
4. A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS, de Nuri Bilge Ceylan.  Turquia.
5. CORINGA, de Todd Philips.  Estados Unidos
6. VARDA POR AGNÈS, de Agnès Varda.  França.
7. PÁSSAROS DE VERÃO, de Cristina Gallego e Ciro Guerra.  Colômbia.
8. DOGMAN, de Mateo Garrone.  Itália.
9. O IRLANDÊS, de Martin Scorsese.  Estados Unidos.
10. SANTIAGO, ITÁLIA, de Nanni Moretti.  Itália.






sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O DESPERTAR DAS FORMIGAS

Antonio Carlos Egypto





O DESPERTAR DAS FORMIGAS (El Despertar de las Hormigas).  Costa Rica, 2019.  Direção e roteiro: Antonella Sudassi Furnis.  Com Daniela Valenciano, Leynar Gómez, Isabella Moscoso, Abril Alpizar.  94 min.


Em “O Despertar das Formigas”, filme de Antonella Sudassi Furnis, da Costa Rica, assiste-se ao que se poderia chamar de opressão do cotidiano, que recai sobre a mulher numa estrutura tradicional patriarcal. O que se dá é uma naturalização da existência, em que as relações de gênero e seus respectivos papéis e responsabilidades nunca são postos em dúvida, nem mesmo pelas vítimas mais evidentes do processo.

A opressão não está nas pessoas, que apenas repetem o que aprenderam e viveram, mas no contexto social que produziu e solidificou as regras e os valores em vigor.  O controle social se expressa nas falas, expressões, expectativas, cobranças, piadas, críticas, fofocas e eventualmente na ação das autoridades.

No filme “O Despertar das Formigas” tudo isso está exposto, visível no dia-a-dia de Isabel (Daniela Valenciano), seu marido Alcides (Leynar Gómez) e duas filhas, vivendo em aparente harmonia e equilíbrio familiar, mesmo numa situação de pobreza, no interior da Costa Rica, zona rural.  As cenas em que Isabel leva uma lâmpada de um ponto para outro da casa porque não pode comprar mais uma e o momento em que essa lâmpada se quebra falam por si.  Apesar disso, uma moradia digna e a alimentação estão garantidas. As relações afetivas entre os membros da família são boas.

O que não se percebe nesse contexto é o quanto a carga pesa sobre os ombros da mulher.  Isabel cuida das crianças e da casa, cozinha, faz doces para as festinhas, ajuda na lição das crianças e ainda costura para receber algum dinheiro para pôr na casa.  Um agravante simbólico é o cuidado que precisa ter com os cabelos longos, dela e das duas filhas, um padrão estético apreciado pelos homens e estimulado pelas mulheres.




Isabel leva tudo isso bem, encarando esse peso todo como natural.  O que acaba por produzir um despertar das formigas é uma expectativa reiterada pelo marido e pela sociedade por mais um filho, agora um menino, objeto de desejo até das duas filhas do casal.  Isabel percebe que não dará conta disso também e aí fica claro para ela a insanidade dessa exigência.

A mudança do meio social é muito difícil sem uma ação coordenada de luta feminina por igualdade de direitos, mas o filme mostra que, no terreno das relações pessoais, algo também pode ser feito, desde que com firmeza e assertividade.  Como diz um provérbio chinês, se você mostra que sabe o caminho que quer, os outros lhe dão passagem.

“O Despertar das Formigas”, indicação da Costa Rica, que  concorreu ao Oscar de filme internacional, é uma produção modesta, de baixo orçamento, mas muito bem realizada, com um ótimo elenco encabeçado por Daniela Valenciano e que tem nas duas meninas, Isabella Moscoso e Abril Alpizar, um atrativo à parte.




domingo, 12 de janeiro de 2020

RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS


  Antonio Carlos Egypto




RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS (Portrait de la Jeune Fille em Feu).  França, 2019.  Direção: Céline Sciamma.  Com Noémi Merlant, Adèle Haenel, Luána Bajrami, Valeria Golino.  121 min.


“Retrato de Uma Jovem em Chamas” é um filme que vem recomendado pela conquista de melhor roteiro e Palma Queer do Festival de Cannes, indicação ao Globo de Ouro de filme estrangeiro e boa recepção do público nos festivais do Rio e Mix Brasil.  Sua diretora, Céline Sciamma, já nos deu, pelo menos, um filme muito inteligente e sensível: “Tomboy”, em 2011.

Este trabalho, que respira feminilidade por todos os poros, mostra-se de uma sutileza, delicadeza e refinamento, que merece atenção.  Além do talento da diretora, um elenco de mulheres sensacional dá força incomum a uma narrativa que envolve oposição, contraste e aproximação, amor.

Adèle Haenel, no papel de Héloise, uma mulher da segunda metade do século XVIII, que sai do convento para um casamento arranjado, sem conhecer o pretendente nem saber nada da vida afetiva, amorosa ou de obrigações matrimoniais.  Um retrato dela deve ser pintado para ser enviado a seu futuro marido, mas uma tentativa com um pintor fracassou. É aí que entra em cena Noémi Merlant, no papel de Marianne, uma pintora firme, decidida e livre, tanto quanto isso era possível na época para as mulheres.

Do contraste entre uma mulher que luta para conquistar um espaço próprio na vida e a que está oprimida nos limites determinados ao feminino na época, estabelece-se um clima, uma tensão sutil.




Do insucesso do pintor anterior deriva a situação de que Marianne deve pintar Héloise sem que ela saiba que é essa sua verdadeira função e sem que ela pose, obviamente.  Essa situação acaba fazendo com que Marianne se valha de olhares furtivos e observações cuidadosas do rosto, das mãos, do corpo e dos movimentos de sua retratada.  Daí para um flerte, uma aproximação afetiva maior e a eclosão do amor é um caminho que Céline Sciamma explora em clima suave e delicado, quase silencioso.  O filme trata muito de arte, mas praticamente não usa música.

A caracterização de época se vale não só das vestimentas múltiplas, pesadas e enfeitadas, sem exageros, mas do ambiente de uma ilha isolada, aonde só se chega de barco, e de um castelo preservado, que nunca chegou a ser habitado, nem restaurado, segundo a diretora.  Essa locação bela e isolada contribui muito para o clima da história.

A questão artística da pintura, que era o meio de produzir retratos, põe em relevo o que se pode captar da figura humana, como reproduzi-la fielmente e o que seria isso.  Ver não é compreender, não é possível enxergar sem interagir, sem captar o que vai pelo psiquismo, por melhor que seja a técnica empregada.  É na relação que se constrói a verdade de cada uma e se dissolvem as diferenças do modo de estar no mundo.  Da troca resulta sempre algo novo, possível ou não de se desenvolver e de subsistir.  A natureza está também em transformação, como as pessoas.  Da terra que sustenta, do ar que dá a respiração para viver.  Do mar, que leva e traz ondas vivas, para onde se pode correr ou morrer e do fogo que queima em desejo.




segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

A MELHOR JUVENTUDE

Antonio Carlos Egypto


Será exibido nos cinemas em duas partes o grande filme de Marco Tullio Giordana, de 2003, A MELHOR JUVENTUDE  (La Meglio Giuventú).  Uma família em que dois irmãos vivem juntos e separados em momentos da história recente da Itália, dos anos 1960 aos 2000.  Vão a Roma, passam pelas origens em Ravena, estudam em Bolonha, se encontram em Florença em plena cheia que castigou a cidade, em eventos de radicalismo político e repressão em Turim, nos julgamentos de Milão, na máfia siciliana, em Palermo, onde também se dá o assassinato do juiz Giovanni Falcone e outros, no tempo da Brigada Vermelha, e por todos os cantos, ao longo desse período contemporâneo italiano. Uma jovem com problemas mentais compõe o trio de protagonistas, o que permite discutir o descalabro dos hospitais psiquiátricos e a revolução promovida por Basaglia no mundo, a partir da Itália.




A costura dos fatos e personagens é muito bem feita, a filmagem exala humanidade, afeto e compreensão, em meio aos inevitáveis conflitos da vida, desencontros amorosos e familiares.  Recheada por ótimos atores de um elenco jovem e música da mais alta qualidade, e não só italiana.  Vai de Dinah Washington a Cesária Évora.  Todos perseguem seus sonhos, se iludem, se magoam e seguem em frente, na busca incessante por uma vida que possa ser melhor.

É um dos grandes filmes do cinema italiano de todos os tempos.  Grande na qualidade, mas também no tamanho.  São 6 horas de duração, por isso as sessões são divididas em dois dias, de 3 horas cada um.  Talvez você diga: nem pensar!  E não tente.  Se você disser: vou ver só a primeira parte para conferir como é, eu lhe garanto, você não vai querer perder a segunda parte, por nada desse mundo.  E se chegar ao final da saga vai sentir um gosto de que ainda queria mais.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

BOAS FESTAS!


     


Desejo a todos que acompanharam minhas críticas de cinema ao longo do ano, aqui no cinema com recheio, Boas Festas. Ouso sonhar com um novo ano em que todos nós cultivemos atitudes civilizadas, superando o obscurantismo.  Que ofereçamos apoio à democracia e à liberdade, reconhecendo, respeitando e celebrando a diversidade humana.  Que tenhamos atenção e cuidado conosco, com os outros e com o planeta em perigo.  Que priorizemos a educação, a ciência e a cultura, em busca de sermos melhores como país e como povo.  E que cada um possa alimentar seus projetos e propósitos, alcançando bons momentos de felicidade.

Um grande abraço a todos,

Antonio Carlos Egypto