segunda-feira, 31 de outubro de 2022

4 FILMES IMPORTANTES DA # 46 MOSTRA

              Antonio Carlos Egypto

 

 


 TRIÂNGULO DA TRISTEZA (Triangle of Sadness), vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, traz o diretor sueco Ruben Östlund em boa forma.  Quem viu “Força Maior” e “The Square” sabe que seu trabalho é forte e polêmico.  Mexe nas feridas da sociedade capitalista dos tempos contemporâneos.  Em TRIÂNGULO DA TRISTEZA ele aumenta o tom de comédia corrosivo, em que nada fica de pé nos pilares desse sistema, que emula o charme da moda, mas no final tudo se resume ao dinheiro, literalmente falando.  Um cruzeiro de luxo para os muito ricos se sustenta em frivolidade, exibicionismo e aparência, como, por exemplo, a gastronomia, enganosa e cara, solenemente ignorada pelo comandante do navio.  Esse comandante é pouco disposto ao trabalho, alcoolista e intelectual de inclinação marxista.  Já viram aonde isso pode levar.  A terceira parte desse triângulo, que envolve uma grande tempestade e o abandono numa ilha deserta, evidenciará o terrível jogo de poder entre as diferentes classes sociais.  A luta de classes assume um caráter literal e não alivia para nenhum dos lados da contenda.  Dá para se divertir bem e não é possível deixar de pensar nisso tudo que está mostrando Ruben Östlund, com um elenco muito bom nas mãos.  Com Harris Dickinson, Charlbi Dean, Woody Harrelson, Vicki Berlim, Henrik Dorsin, Zlatko Burié.  142 min.

 



UN BEAU MATIN ou ONE FINE MORNING, de Mia Hansen-Love, a diretora francesa que nos apresentou o ótimo “A Ilha de Bergman”, na Mostra do ano passado, desta vez nos traz uma história de amor e de relações familiares.  Em especial, a sempre complicada decisão de reconhecer a impossibilidade de que o pai idoso, embora com o gabarito de ter sido um intelectual, professor de Filosofia, esteja agora sem condições de realizar tarefas muito básicas, como encontrar e abrir uma porta.  Ainda que ele seja gentil e cordato, é duro acompanhar uma via crucis por casas de repouso melhores, mais acessíveis ou mais baratas e à espera por uma de caráter público que valha a pena.  Enquanto vivencia tudo isso em relação ao pai, a jovem viúva Sandra cuida da filha, o que é uma tarefa trabalhosa, e reencontra um amigo, agora casado, com quem se envolve amorosamente.  O filme acompanha essas questões tão importantes, que ocupam o cotidiano da protagonista, com sensibilidade, delicadeza e profunda veracidade.  Trabalho bem realizado, valorizado por um elenco primoroso.  Com Léa Seydoux, Melvil Poupaud, Pascal Greggory, Nicole Garcia.  102 min.

 



BÊNÇÃO (Benediction), do Reino Unido.  Quem acompanha o trabalho do diretor inglês Terence Davies sabe do rigor e da qualidade dos seus filmes.  Geralmente embalados por uma fotografia notável e um estudo das luzes impecável.  Ele se preocupa mais com a estética da criação do que com a história contada em si.  Em BÊNÇÃO, isso não corresponde tanto a essa expectativa.  Embora o clima do filme seja o que ele tem de melhor, aqui há uma história, sim, a do poeta homossexual Siegfried Sasson, sobrevivente e francamente opositor da Primeira Guerra Mundial.  Não vê sentido em continuar servindo na guerra.  Para que não incorra na Corte Marcial, que poderia condená-lo até à morte, ele, com apoios importantes no seu extrato social, consegue ser enviado para tratamento de doença mental, num local que lhe permite viver bem, exercer sua sexualidade, encontrar apoio e parceria com um psiquiatra – e por aí vai.  O estilo é rigorosamente inglês, na caracterização de época, nas vestimentas, nas atitudes, nos hábitos e no jeito elegante de desenvolver a narrativa.  Com Jack Lowden, Simon Russel Beale, Peter Capaldi, Jeremy Irvine, Kate Phillips.  137 min.

 



SEM URSOS (Khers Nist), de Jafar Panahi, do Irã, nos remete ao cinema híbrido e inovador deste renomado diretor.  O que ele mostra, atuando no próprio filme, é o que acontece quando ele se decide a viver por um tempo numa cidade interiorana, bem provinciana, na fronteira com a Turquia.  O que poderia ser uma oportunidade de sossego e repouso se transforma numa complicação constante, dados os hábitos peculiares daquela comunidade.  O simples ato de fotografar ocasionalmente um casal prestes a se unir envolve tantas coisas que, em poucos dias, tudo se torna insuportável.  É melhor se mandar de lá, enquanto é tempo.  Os amantes terão de enfrentar fortes obstáculos que a superstição local alimenta e os jogos de poder aí envolvidos.  Documentário fortificado pela ficção?  História inteiramente inventada, ou parcialmente verdadeira?  Trama criada a partir da observação de elementos da comunidade?  Nunca saberemos.  O que é fato, imaginação, criação ou simples descrição, na verdade, não importa no cinema de Panahi.  O que vale é o seu talento para nos comunicar essa interessantíssima narrativa.  Com Jafar Panahi, Naser Hashemi, Vahid Mobaseri, Bakthian Panjel.  107 min.

 

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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

OUTROS DESTAQUES DA # 46 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


JOYLAND, do diretor Saim Saquid, primeiro longa dele, indicado pelo Paquistão para a disputa do Oscar de filme internacional, é um trabalho bem interessante, inovando num gênero muito batido.  Trata-se de um melodrama familiar que se passa numa cidade metropolitana e conservadora, Lahore, em que os Rana, uma grande família organizada segundo cânones tradicionais, vê suas vulnerabilidades expostas quando um de seus membros se envolve com uma mulher trans, a partir do convite para trabalhar com dança erótica.  Parece algo inconcebível para uma estrutura familiar que administra as finanças, definindo o papel de cada um a partir das necessidades das pessoas e da casa.  As mulheres não decidem e são como que invisíveis.  Tudo é comandado de forma patriarcal pelo ancião que chefia a família e está doente, exigindo acompanhamento.  Mas o personagem que se apega ao travesti e ao mundo queer que o envolve já apresentava inovações de gênero: desempregado até então, cuidava da casa e da comida de todos, enquanto sua mulher trabalhava fora.  O casamento deles foi arranjado pelas famílias, mas devidamente consentido.  Uma série de elementos compõe um universo, no mínimo curioso, em que a liberdade, o prazer e os desejos podem funcionar como elementos desagregadores, ao mesmo tempo em que abrem horizontes insuspeitados para todos os membros da família, tornando-os mais humanos.  Com Ali Junejo, Rasti Farooq, Alina Khan, Sarwat Gilani.  126 min.



BELAS CRIATURAS (Berdreymi), dirigido por Guômundur Arnar Guômundsson, indicado pela Islândia ao Oscar de filme internacional, mostra uma adolescência violenta na linguagem, nos gestos, nas ações, muito além do que chamamos bullying, se considerado do ponto de vista psicológico ou moral.  Mostra também as famílias distantes dos jovens, e disfuncionais em quase todos os aspectos básicos do que seria uma instituição social de acolhimento de crianças, adolescentes e adultos.  Deixados à própria sorte, os jovens enveredam por um mundo agressivo, violento, que extrapola a gangue, onde a lealdade é valorizada.  Atinge a sociedade como um todo.  O mais normal do grupo, segundo ele próprio como narrador, o garoto Addi, tem uma intuição especial que lhe traz visões oníricas.  Por aí, o filme caminha do realismo mais nítido para o terreno da fantasia, mas sem perder o rumo da realidade.  E sem exageros.  Não há grande surpresa no que é ali mostrado.  A Islândia é mais do que um país pacato, coberto de ovelhas e gelo.  A violência está em toda parte. Com Birgir Dagur Bjarkason, Áskell  Esnar Pálmason, Victor Benóny Benediktsson, Anita Briem.  123 min.



ALCARRÀS, dirigido por Carla Simón, indicado pela Espanha ao Oscar de filme internacional, nos leva a um pequeno vilarejo, em que uma família numerosa se dedica a colher uma grande quantidade de pêssegos.  Ao vê-los atuar e conviver dentro de uma estrutura produtiva rural, percebemos que, embora tudo decorra como de costume, há elementos novos introduzidos pela tecnologia.  Televisores modernos, celulares, aparatos de casa e de uso no campo denunciam isso.  E a tecnologia de ponta, e do bem, como as placas de energia solar, vão invadir esse universo, determinando novos rumos para o idílico campo do interior.  Vai mudar a vida dessas pessoas, dessa família ativa e produtiva, embora também com seus conflitos pessoais e preconceitos.  Um pedaço escondido do amplo terreno, onde o filho jovem, colaborador, muito dedicado ao trabalho, planta sua maconha, também serve para nos falar dos hábitos que invadem esse ambiente supostamente tão tranquilo.  E não causa problemas, pelo menos até ser descoberto.  O filme desenvolve bem o clima dessa família em ação contínua e muito dedicada e efetiva.  Explora esse ambiente rural, em vias de mudar, de modo bem concreto e até repetitivo.  Coloca-nos naquele mundo e na vida dessas pessoas, trazendo-as para bem perto de nós.  Com Jordi Pujol Dolcet, Anna Otin, Xênia Roset, Albert Bosch. 120 min.

 


DOMINGO E A NEBLINA
(Domingo y la Niebla), de Ariel Escalante Meza, que faz seu segundo longa, indicado pela Costa Rica na disputa pelo Oscar de filme internacional.  Domingo é um velho viúvo que possui um terreno que terá de ser vendido para que se possa construir uma nova rodovia.  A população ao redor assente, porque o dinheiro oferecido parece bom, mas ele resiste.  Sua casa, bem cuidada, é o local onde ele sempre encontra sua mulher morta, é onde ele fala com ela.  Se a casa for destruída, como ele poderá achá-la a partir daí?   Essa narrativa que combina uma questão social, que envolve o poder do dinheiro e a pressão violenta das grandes construtoras, aliada a uma questão mística, tem seu charme potencializado pelo uso da neblina como característica do tempo numa região montanhosa, como elemento onírico e de vínculo com o passado e de risco pela violência.  E dá um caráter esteticamente interessante ao filme.  Com Carlos Ureña, Sylvia Sossa, Esteban Brenes Serrano, Aris Vindas.  92 min.

 

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quarta-feira, 26 de outubro de 2022

PLANO 75 NA # 46 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


PLANO 75 (Plan 75), de Chie Hayakawa, que está indicado pelo Japão ao Oscar de filme internacional, trata de um programa governamental de eutanásia voluntária, dirigida a cidadãos idosos, a partir de 75 anos.  Uma coisa complicada porque, se se pode admirar o programa suíço de morte assistida como algo generoso e humanitário, o mesmo não se dá aqui.  Na Suíça, o programa é particular, tem alto custo e, em princípio, se dirige a cidadãos e cidadãs que optem por abreviar a existência, em função de sofrimentos físicos ou psíquicos ou por desalento com a vida.  É algo cercado de muitos cuidados. 

 

No caso do suposto programa japonês abordado no filme, há a ideia de que os idosos, ou boa parte deles, são um peso para a sociedade, para os mais jovens.  E, apelando para o espírito de sacrifício japonês (kamikazes, haraquiri, por exemplo), de o Estado incentivar as pessoas a voluntariamente aderirem à eutanásia, com algumas vantagens e sem custos.  Embora haja também pacotes luxuosos em resorts para as últimas noites da vida, para os abonados.  Quando se estabelece um programa oficial, e se divulga amplamente isso, pressupõem-se ações em larga escala, para atender a todos os possíveis interessados, e um esquema em que tudo precisa funcionar perfeitamente.  O que é um desafio complicado. 

 

Vamos fazer um paralelo entre o planejamento familiar e o controle de natalidade.  Uma coisa é orientar e oferecer recursos para aqueles que desejarem limitar o número de filhos aos que efetivamente quiserem e puderem criar.  Outra, é realizar um programa oficial para a redução do número de filhos por família, a partir do Estado, com leis, punições ou incentivos, ainda que tudo permaneça “voluntário”.  A motivação que vem das pessoas ou das famílias é muito distinta da motivação do Estado, dos governantes e dos planos econômicos.  Nesse último caso, é inevitável uma coerção, até pelo poder da propaganda oficial, com seus meios e recursos financeiros, quando há um interesse coletivo (ou governamental, pelo menos) na história.  Um programa de massa, que atinja muita gente, tem maior probabilidade de falhar.  E trata-se de um assunto com a seriedade da morte, da própria morte do indivíduo que adere ao plano.

 

O filme PLANO 75 mostra essas coisas, a partir de uma narrativa que se concentra, principalmente, em dois casos, em que o desalento em viver está acompanhado de dificuldades ou problemas pessoais, mas que também refletem o abandono a que a sociedade e o Estado relegam os idosos.  Basta lembrar das dificuldades de uma pessoa idosa de encontrar moradia para alugar, diante de um despejo inevitável, quando se exigem, ironicamente, dois anos de antecipação do aluguel para alguém que já beira os 80 anos e que não dispõe de recursos para tal.  Nesse caso, é o lugar que a pessoa ocupa na sociedade que está marcado.  Marcado para morrer, se pode dizer.  A opção do indivíduo está, portanto, bastante limitada.

 

Quando a narrativa se ocupa das falhas que podem ocorrer, a situação é de chorar, alarmante.  Não que o filme seja de emocionar, na sua concepção.  Mas é algo tão grave, que não dá para brincar.  Como, de algum modo, o filme faz, tentando desanuviar as coisas.  É um produto bem feito, tem seus defeitos, mas é um bom trabalho sobre um tema cada vez mais sério num mundo cada vez mais povoado por pessoas idosas.  No caso, o Japão é campeão nisso.  De todo modo, essa eutanásia oficial não pode ser a solução, como o filme mostra.

 Com Chieko Baishô, Hayato Isomura, Yusumi Kawai, Taka Takao.  105 min.

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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

DESTAQUES DA # 46 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


Um destaque desta Mostra 46 é o filme palestino FEBRE DO MEDITERRÂNEO (Mediterranean Fever), da diretora Maha Haji, também roteirista.  Ela constrói uma história cheia de meandros, ambiguidades e surpresas, que é brilhante.  Nem dá para dizer muita coisa sobre ela para não atrapalhar a fruição do espectador.  Dá para apontar algumas coisas que são interessantes. Por exemplo, os dois protagonistas masculinos do filme são homens que passam mais tempo em casa do que fora.  Waleed, de 40 anos, porque se considera escritor, mas não consegue avançar no seu trabalho, enquanto a mulher trabalha fora.  Seu vizinho, com quem ele estabelecerá uma amizade inesperada, já que ambos aparentemente são tão diferentes, também fica em casa, é um trambiqueiro e faz tudo em matéria de construções e consertos, a mulher dele também trabalha fora.  Curioso que uma diretora mulher tenha criado personagens homens que se relacionam a partir de seu convívio em casa. Quanto à caracterização desses homens, há muitos elementos que destoam das expectativas, gestos que soam dissonantes em relação aos dominantes, aparências que se revelarão enganosas.  Para isso, Maha Haji precisava de atores capazes de passar essa sensação ao público, independentemente dos diálogos.  Amer Hiehel e Ashraf Farah brilham nos seus papéis e dão uma dimensão especial à narrativa. Os temas que vão aparecendo ao longo da história são psicológica e socialmente complexos, vão da depressão ao suicídio, passando pela possibilidade do assassinato, com diferentes tons de motivação e das transgressões diversas que se insinuam o tempo todo.  Tudo muito bem engendrado até o final e inclusive o próprio final, bem verdadeiro. Quanto ao título do filme, pode-se comentar, porque é uma brincadeira.  A tal febre do Mediterrâneo acomete o menino, filho de Waleed, somente às terças-feiras.  Por que será?  Isso tem a ver com a própria Palestina, que não é o foco do enredo, mas está presente como moldura e pano de fundo das situações.  Com Amer Hiehel, Ashraf Farah, Anat Hadid, Samir Elias.  108 min.

 




Outro destaque desta 46ª. Mostra é BOY FROM HEAVEN (Walad Min Al Janna), embora não pareça, é um filme sueco, com a participação dos demais países escandinavos e da França, na produção.  O diretor Tarik Saleh, apesar do nome, também é sueco, sua mãe é sueca, seu pai, egípcio.  É no Egito que se passa toda a trama do filme, que não pôde ser filmado lá e foi, então, realizado na Turquia. BOY FROM HEAVEN é um magnífico thriller, que mexe com todo o jogo de poder dentro de uma estrutura religiosa, no caso, a do islamismo sunita.  A instituição retratada é a Universidade Al-Azhar, no Cairo, principal instituição mundial dessa tendência, que parece ter um forte poder paralelo que tanto fustiga, incomoda, quanto apoia o Estado egípcio. E é influenciada e manejada por esse mesmo Estado, numa relação perigosa e conturbada. A trama se baseia num jovem personagem decidido, mas simples, oriundo de uma aldeia de pescadores egípcia, que recebe uma Bolsa para estudar em Al-Azhar e se mete no intrincado jogo político para a escolha do novo Grande Imã, em substituição ao que acabou de falecer.  A eleição desse Imã acontece por imposições pessoais, assassinatos, denúncias comprovadas que tiram do páreo o favorito do momento, tudo numa espécie de concílio para lá de comprometido e comprometedor. Toda uma teia de relações e acontecimentos vai sendo tecida, pouco a pouco, por meio de um roteiro muito bem elaborado, reconhecido e premiado em Cannes.  Enquanto enlaça o espectador na narrativa, o filme desnuda o sórdido esquema político, o jogo de poder que está por trás, onde não se vê verdade alguma, lisura, comprometimento espiritual e outras coisas que deveriam caracterizar uma instituição de ensino e formação religiosos. Veem-se as relações do poder político com o poder religioso, em confronto interno, por meio de suas linhas e divisões. Percebe-se que o diretor e roteirista, Tarilk Saleh, conhece bem os meandros dessa luta político-religiosa no Egito e nos ambientes muçulmanos, pelos elementos e detalhes que aparecem na trama.  Quanto à crueldade e à barbárie que se esconde sob a capa da devoção a Alá, não são muito diferentes das de outras crenças e instituições poderosas, religiosas ou não, que comandam e sempre comandaram o mundo.  Shakespeare que o diga!  Para não entrar em questões mais próximas de nós, do que está por aqui mesmo.

Com Tawfeek Barhom, Fares Fares, Mohammad Bakri, Makram Khoury, Mehdi Dehbi.  Com 119 min.

 




Em matéria de documentário, merece toda a atenção o filme italiano MARCHA SOBRE ROMA (Marcia su Roma), de Mark Cousins, de origem irlandesa, que tem outros dois trabalhos também nesta Mostra.  Aqui, lidando com materiais de arquivo, alguns bem raros, ele compõe por meio de filmes a ascensão de Mussolini e do fascismo, na Itália. A famosa Marcha sobre Roma, que faz cem anos, serve como elemento detonador de uma corrente política que até que durou pouco na Itália, mas jamais deixou de assustar o mundo e gerou uma extrema direita que se fortalece nos tempos atuais, inclusive na Itália.  Mas o filme vai além, faz relações da história com outros países e no momento atual, em que o espírito fascista segue atuante em termos institucionais, de governo ou de forma sorrateira ou clandestina. As figuras mundiais ligadas ao fascismo são lembradas e mostradas no filme, inclusive Jair Bolsonaro. O filme mostra também que a filmagem da famosa Marcha sobre Roma foi manipulada e editada, para produzir o resultado que produziu.  Ou seja, era um engodo, mas vingou.  98 min.

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sexta-feira, 21 de outubro de 2022

FILMES SOBRE CINEMA NA # 46 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


O DEUS DO CINEMA (Kinema no Kamisama), Japão 2021, do diretor Yôji Yamada, que tem 91 anos (nasceu em 1931) é, como o nome já indica, uma homenagem ao cinema.  O cinema percebido até como um bálsamo, uma cura para problemas de difícil solução.  Como o de Goh, apostador inveterado, que perde tudo e está sempre à espera da bolada que vai saldar suas enormes dívidas.  Enquanto isso, a família sofre e resolve confiscar o dinheiro da sua aposentadoria.  Mas, sabendo do seu amor pelo cinema, mantém a verba para que ele possa ver todos os filmes que quiser, retornar ao cinema onde trabalhou com seu amigo Terashin, dono de uma sala e projecionista.  Goh chegou a tentar ser diretor de cinema e tinha engavetado um belo roteiro, chamado “O Deus do Cinema”.  Esse roteiro, revisto e retrabalhado, pode ser a sua tábua de salvação, desde que atualizado e modernizado, contando com a nova geração representada por seu neto.  Revemos, então, todo o passado que deu origem a isso, enquanto a magia do cinema e aspectos da história do cinema japonês clássico e suas estrelas são mostrados com admiração.  Yoshiko, sua mulher desde há muito, também faz parte importante dessa história, dá o toque não só romântico como de disputa, ciúme e rompimento, entre os amigos.  Exploram-se, portanto, dois grandes momentos da vida de Goh: o seu passado no cinema e o seu momento envelhecido, em que o cinema volta a ocupar o primeiro plano na sua vida.  Amor que é amor é assim: Goh queria morrer numa sala de cinema, assistindo a um filme.  Fez-me lembrar do nosso Jô Soares, tão cinéfilo quanto, que preferiu viver seus últimos dias em casa, vendo filmes, em vez de estar numa UTI, isolado, entubado, com todos os equipamentos à disposição, mas infeliz e prolongando algo já sem sentido.  Com o cinema,o sentido estaria lá até o último instante de vida.  Com Kenji Sawada, Masaki Suda, Mel Nagano, Nobuko Miyamoto, Keito Kitagawa.  125 min.

 




O filme das Filipinas, LEONOR JAMAIS MORRERÁ (Leonor Will Never Die), retrata uma cineasta concebendo filmes de ação, que já tiveram muito sucesso, mas hoje o negócio anda difícil.  Estimulada por um anúncio, ela retoma um roteiro inacabado daquele tipo de filme popular, cheio de clichês, brigas, sopapos, violência, enfim, que deve manter o jovem herói Ronwaldo intacto, apesar de tudo o que lhe acontece.  O herói inabalável, assim como ela própria, a cineasta Leonor Reyes.  E não pensem que é fácil, porque ela entra no filme que está criando, participa dele, mas sempre escapa.  Afinal, a criação está na cabeça dela.  Ela é transportada para dentro do filme porque um aparelho de televisão cai na sua cabeça e ela fica em coma.  É nessa condição que sonha, alucina, e tem de resolver como caminhará e se encerrará a sua história.  Personagens convivem com figuras da realidade que aparecem transparentes na tela.  Esse jogo de metalinguagem está sempre lá.  Criação e criatura precisam se entender em meio aos cuidados hospitalares, febre, medicamentos e tudo o mais.  No papel de criadora, a saúde não lhe falta, mas não se sabe até quando.  Um roteiro que vai se transformando em filme, o processo de criação acontecendo, uma vez mais homenageia o cinema, ainda que esse cinema seja de quinta categoria.  O filme LEONOR JAMAIS MORRERÁ também se utiliza de imagens de mau gosto ou duvidosas e o filme dentro do filme é de lascar.  Mas que é um produto original não há dúvida.  Podia ser bem mais elegante e sutil, porém, criatividade não lhe falta.  O filme é dirigido por uma jovem cineasta filipina, Martika Ramirez Escobar.  É o seu primeiro longa-metragem.  Com Sheila Francisco, Bong Cabrera, Rocky Salumbides, Anthony Falcon.  100 min.

 

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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

BRATAN + ESQUEMA NA # 46 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

 


BRATAN, filme realizado nos estertores da União Soviética, em 1991, por Bakhtyar Khudojnazarov (1965-2015), está sendo apresentado em cópia restaurada, em preto e branco, enquanto apresentação especial da 46ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e merece ser visto. Foi o primeiro longa-metragem do diretor, nascido no que hoje é o Tadjiquistão e que fez o belo “Luna Papa”, em 1999, entre outros trabalhos.  O filme apresenta uma história simples de dois irmãos, Farukh, 17 anos, e Fatsy, 7 anos, que, criados pela avó, vão à procura do pai que, como médico, vive numa pequena cidade do interior.  Andam de trem, do Tadjiquistão até a fronteira do Afeganistão, passando por colinas, montanhas, cidades e vilarejos. É, portanto, um road movie que explora uma paisagem diferente para nós.  E o faz centrado na relação afetiva dos irmãos, protetora, da parte do mais velho, que, por outro lado, sente o peso da responsabilidade e talvez quisesse viver mais livre.  De qualquer modo, pouca coisa acontece além da viagem em si mesma.  Mas que bela viagem a gente acompanha vendo BRATAN! O diretor explora todos os tipos de travelling, de avanço, recuo, laterais, verticais.  Ou seja, movimenta a câmera de uma forma ampla e criativa.  Busca os mais trabalhados ângulos para focalizar a parte baixa das ferragens do trem, os movimentos de pés, etc.. No alto, consegue ângulos de ampla visão e profundidade, panorâmicos, gerais.  Ao mesmo tempo, explora detalhes, as entranhas das engrenagens.  É puro cinema.  Uma experiência visual incrível, a serviço de uma narrativa fluida, que vale a pena observar e curtir.  Com Timur Tursunov, Firus Sasaliyev, N. Arífova.  98 min.

 



ESQUEMA (Skhema), filme do Cazaquistão, de 2022, dirigido por Farkhat Sharipov, surpreende, ao mostrar um país muito diferente do que costumamos ver nos ambientes rurais que outros filmes nos mostraram.  Aqui estamos em pleno burburinho urbano, dos shoppings centers, lojas de marcas famosas em que adolescentes se envolvem num esquema de enriquecimento ilegal.  E os comportamentos transgressivos que costumamos associar a esse período da vida, como as festas, as drogas, o consumismo e o descontrole.  O foco está na jovem Masha em crise e um grupo de garotas dispostas a correr riscos, sem muito cuidado.  Nada de muito novo, nem algo que traga a especificidade de ter sido realizado no Cazaquistão ou mostre elementos marcantes de sua cultura.  É a globalização dando o tom. Com Victoriya Romanova, Tair Svintsov, Diana Bulatova, Evgeniya Ksenaki.  73 min.

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terça-feira, 18 de outubro de 2022

CINEMA PORTUGUÊS NA # 46 MOSTRA

 Antonio Carlos Egypto

 


O filme português RESTOS DO VENTO, dirigido por Tiago Guedes, nos põe em contato com uma realidade social marcada pela agressividade e pela hostilidade entre os membros de uma vila, no interior de Portugal.  Começa mostrando uma festa tradicional de rapazes correndo atrás das raparigas e desrespeitando-as.  São adolescentes estimulados pelos mais velhos, tratados de forma humilhante e agressiva, num contexto marcadamente machista, que inclui bebida e brigas, uma espécie de passagem para a vida adulta.  Eles estão aprendendo a se comportar como homens, no conceito local, mas escondidos por capuzes que lhes permitem cometer barbaridades sem serem necessariamente identificados.  O que começa assim, já se vê, não pode acabar bem.  Mágoas, rancores, opressão, exclusão, farão parte da vida dessas pessoas da pequena localidade por toda uma vida.  Pelo menos, para os que por lá ficarem.  Um crime, cometido muitos anos depois, se relaciona com essa festividade do passado, que segue se repetindo, para personagens que a vivenciaram naquele período.  Violência e crueldade fazem parte dessa história, claro.  Vingança, talvez.  Cães aparecem como elementos de intimidação, de proteção e de ataque.  A narrativa avança e propõe dilemas morais muito interessantes em discussão.  É um filme forte, pesado, mas muito bem construído.  Exige do espectador muita atenção a coisas que não se expõem de forma clara, é preciso ler nas entrelinhas.  Com Albano Jerônimo, Nuno Lopes, Isabel Abreu, João Pedro Vaz, Gonçalo Waddington, Leonor Vasconcelos.  126 min.

 


ALMA VIVA
, da diretora Cristèle Alves Meira, vai a um vilarejo nas montanhas portuguesas e, por meio da pequena Salomé, nos coloca em contato com o mundo das almas, dos demônios e das bruxas que, na verdade, estão em toda parte, nos mais insuspeitados espaços e pessoas.  Quando se manifestam, a maldade toma forma e aparece com força, destruindo não só reputações como os vínculos de toda uma família entre si e com a comunidade.  Um tema difícil de lidar, na perspectiva do realismo, que a produção dá conta e nos oferece, por exemplo, um fantástico percurso de uma procissão de enterro a pé, que se transforma num inferno, não por qualquer ação extraterrena, mas pela ação de pessoas aparentemente comuns, envenenadas pelo mal.  Ou o mal estaria na pessoa da defunta?  A fantasia interage com a realidade de modo inteligente e visualmente integrado nesse filme que representa Portugal na disputa pelo Oscar de filme internacional.  Com Lua Michel, Ana Padrão, Jacqueline Corado, Catherine Salée, Duarte Pina.  85 min.

 



Outro filme português/francês chamado A CRIANÇA (L’Enfant), dirigido por Marguerite de Hillerin e Félix Dutilloy-Liégeois, primeiro longa da dupla, vai ao século XVI, um período de domínio português, por consequência da expansão marítima.  Conta uma história complicada e pouco envolvente, com excesso de close-ups, sobre um jovem rapaz, Bela, e o seu amor, Rosa, que tentam, mas não conseguem, sair de Lisboa para amar em paz fora de lá, e das interferências em suas vidas, decorrentes da posição de ambos na sociedade da época.  Há outras subtramas.  O contexto político envolve também a Inquisição.  Mas o filme não decola em momento nenhum.  Parece uma coisa tão distante quanto o tempo longínquo a que se refere na narrativa.  Visualmente é bonito, com locações bem fotografadas e boa recriação de trajes de época.  Com Grégory Gadebois, João Arrais, Maria João Pinho, Inês Pires Tavares.  110 min.

 

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domingo, 16 de outubro de 2022

2 FILMES NORTE-AMERICANOS NA # 46 MOSTRA

                   Antonio Carlos Egypto

 

 



ARMAGEDON TIME, filme estadunidense, escrito e dirigido por James Gray, nos põe em contato com uma família em Nova York, nos anos 1980.  Tempos do conservador Ronald Reagan presidindo a nação norte-americana.  O centro da narrativa é o garoto Paul Graff (Banks Repeta), que cresce convivendo numa escola popular com um amiguinho negro: Johnny (Jaylin Webb).  Percebe que o tratamento que recebe é diferente do do amigo, reconhecendo sem nomear a discriminação racista.  Ele irá para uma escola de elite, de formação de líderes, engravatados desde já, mas não perde o contato com o amigo negro.  Viverá, então, muito de perto, a injustiça.  A situação aqui passa também pela hierarquia das classes sociais, onde mesmo um dinheiro mais escasso na classe média assume um valor simbólico.  Encontrará respostas nos adultos, seus pais (Anne Hathaway e Jeremy Strong), os professores e responsáveis pela escola, que mostrarão o pragmatismo da vida.  Mas seu modelo inspirador, e o de toda a família, é o avô, vivido por Anthony Hopkins, um papel sob medida para o grande ator expressar uma compreensão mais consistente e ao mesmo tempo ética e corajosa da vida.  O título do filme pode sugerir a batalha decisiva entre o bem e o mal, mas não é bem assim.  Não chegamos ao final dos tempos, nem estávamos lá nos anos 1980, e essa batalha não tem, nem nunca terá, fim. 118 min.



 



ESTAÇÃO CATORZE (Estación Catorce), do México, dirigido e roteirizado por Diana Cardozo, mergulha na realidade social e na violência de uma pequena cidade.  Isso é mostrado por meio da vivência do menino Luís, de 7 anos, que presencia o assassinato de vizinhos, o saque da casa dos assassinados, a atitude do pai diante disso, o medo e a indiferença frente ao que sucedeu e o roubo como alternativa sempre presente e possível no contexto de miséria.  No entanto, sua vida de garoto com sua turma, explorando ludicamente o ambiente do entorno, está lá e sobrevive à própria morte, tão concreta que se oferece à sua frente. Um objeto de cena, um sofá vermelho, aparece como personagem que expressa e ilustra o contexto do filme em sequências muito bem realizadas.  Em época de Mostra, quando a gente assiste a muitos filmes em pouco tempo, é fácil esquecer ou confundir um filme com outro.  Desse será difícil não lembrar: é o mexicano do sofá vermelho.  Com Gael Vázquez, José Antonio Becerril, Yoshira Escárrega, Lourdes Elizarrás.  87 min.

 

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sábado, 15 de outubro de 2022

GRANDE FILME ESPANHOL NA # 46 MOSTRA

 

Antonio Carlos Egypto

 

 



QUEM OS IMPEDE (Quièn lo Impide) é um filme espanhol, de Jonás Trueba, bem ambicioso e criativo.  Ambicioso porque buscou retratar os jovens espanhóis de classe média que nasceram no século XXI e chegam à idade adulta, ou estão ainda na adolescência, da forma mais plena possível.  A partir de um amplo grupo desses jovens, procurou mostrar, com base no lugar de fala e ações deles, suas dores, seus amores, suas dúvidas e dificuldades, sua música, suas festas, seus desejos, suas ambições pessoais, sua filosofia, seus tipos de agrupamento, suas preocupações culturais e políticas. 

 

Para isso, se valeu de anos de trabalho, que envolveram, não só muitos encontros e conversas, mas eventos, viagens, encenação de conflitos, supostamente reais ou imaginados, inventados, fictícios.  Acompanhou e dialogou com os jovens nas mais diversas situações, quando eles são postos à prova, se sentem questionados, emparedados e também no vigor de suas manifestações de alegria ou de protesto.  Nas suas fragilidades e nos seus êxitos, na sua entrega na luta pelo que possa fazê-los felizes.  Ou seja, criativamente usou todos os mecanismos que encontrou, documentais ou ficcionais, jogos, experiências, trocas de todos os tipos, para alcançar seu objetivo, o de compor um retrato multifacetado dessa geração século XXI. 

 

Com um fartíssimo material, acabou realizando um filme muito longo: 3 horas e 40 minutos de duração.  Isso foi exagero, embora trazendo sempre coisas interessantes para compor esse retrato.  No entanto, uma edição mais enxuta poderia ter resultado num produto ainda melhor. 

 

O fato é que essa exposição soa franca, espontânea, em que pesem a onipresença da câmera e os limites que isso traz.  No fim, percebemos que essa geração, como todas as outras, tem dentro dela tudo o que caracteriza a própria humanidade.  E que a idade, ou a cultura espanhola, que pretende retratar, dá cores e especificidades apenas.  Que são detalhes ou características menos importantes. 

 

O que é muito particular desse grupo todo é o momento da pandemia, que paralisou suas vidas, assim como de todos os demais, mas impôs novos desafios num momento decisivo de suas jornadas.  Eles não são melhores nem piores do que os mais ricos ou mais pobres, em nenhuma época ou em nenhum outro país.  São pessoas em busca de se encontrar, contribuir para a coletividade de algum modo, tentar se realizar e encontrar felicidade.  Como todo mundo, em todos os lugares.  Com Candela Recio, Pablo Hoyos, Pablo Gavira, Marta Casado, Silvio Aguilar, Claudia Navarro.

 

@mostrasp

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

VIZINHOS E O PANORAMA SUÍÇO

Antonio Carlos Egypto

 

Já está em andamento no Cinesesc São Paulo o 9º. Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo, até 19 de outubro de 2022.  Na plataforma digital também estarão disponíveis gratuitamente filmes do Panorama, no Sesc Digital, clicando em sescsp.org.br/panoramasuico, no mesmo período. A promoção é do Consulado Geral da Suíça com o Sesc São Paulo.

 




Um dos filmes dessa Mostra é VIZINHOS (Neighbours), do cineasta suíço-curdo Mano Khalil e tem no elenco Jay Abdo, Serhad Khalil, Jabal Altawil, Zirek, e vejam quem mais: a atriz brasileira e também crítica de cinema, minha amiga Tuna Dwek.  É um espanto vê-la atuar falando em curdo, em várias cenas do filme, que exigiram um bocado de dedicação, empenho e memorização dela.  Além do talento que todos conhecemos.  Mas valeu a pena.  Primeiro, porque o filme é belíssimo, uma realização sensível e dramática, também bem-humorada, que trata de um assunto importante: o Curdistão, essa nação sem Estado territorial, apátrida, que fala diversas línguas, curdo, árabe, turco e persa, já que está num “território” tradicional que envolve Turquia, Iraque, Irã, Síria e Armênia.  Projeções diversas, um tanto indefinidas, falam de uma terra que tem entre 200 mil e 500 mil quilômetros quadrados e uma população entre 25 e 40 milhões de pessoas.

 

O filme VIZINHOS focaliza os anos 1980 e foi todo realizado no Curdistão iraquiano, numa aldeia na fronteira sírio-turca.  Tem como protagonista um personagem/ator de 6 anos de idade, que por conta do domínio das forças militares turcas e das fronteiras, divisórias completamente artificiais para os curdos, perde a mãe querida, alvejada por engano.  Vê seu tio ser preso, torturado, e ter de fugir para não combater uma causa com a qual não tem qualquer afinidade. 

 

Fugir da própria terra por conta de opressões diversas, que incluem a obrigatoriedade da comunicação apenas em árabe e o envolvimento de um professor, que vem de fora para o vilarejo e, além de insistir em plantar palmeiras, símbolo do mundo árabe, num local inóspito para a planta, faz uma campanha do tipo nazista, combatendo os judeus.  Como esses vínculos todos se imbricam, envolvendo diferentes etnias e religiões, eu não sei dizer, mas que é um saco de gatos instigante e tenso, lá isso é.

 

Sero, o garoto, vivido pelo ator Serhad Khalil, uma graça e muita comunicabilidade, passa por tudo que citei, mas segue esperançoso da energia elétrica prometida, que está para chegar ao vilarejo, para finalmente poder assistir aos desenhos animados pela TV, a que todas as crianças das cidades assistem.  Muita política em torno dessa eletricidade que não vem, mas chegará o dia para Sero.  124 min.

 

Com Tuna Dwek no Cinesesc


VIZINHOS terá uma sessão na terça-feira, dia 18, no Cinesesc, às 20:00 h, e esperamos que em breve ocupe as salas de cinema em sessões regulares.  Talvez no próprio Cinesesc, após a 46ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que abre no dia 20 de outubro, cujos primeiros filmes comentarei nos próximos dias.




  

sábado, 8 de outubro de 2022

O QUE VEM PARA A #46 MOSTRA

 Antonio Carlos Egypto


 

 




Em tempos de desmanche cultural, cortes para a cultura e outras ações no sentido de dificultá-la ou inviabilizá-la, é uma ótima notícia a que, apesar de todas as dificuldades, a 46ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo vai acontecer no seu período usual de 20 de outubro a 02 de novembro de 2022.  Será desta vez, como tradicionalmente sempre aconteceu antes da pandemia, presencialmente em 10 cinemas, com 13 salas de projeção no circuito pago, 3, no circuito com preços populares, e 5, no circuito gratuito.  Além disso, 17 títulos estarão disponibilizados on line e gratuitamente no Sesc Digital e no Spcine Play.

 

Os cinemas do circuito pago são: a Cinemateca Brasileira (sala Grande Otelo e área externa), o cine Marquise (2 salas), o Reserva Cultural, o Cinesesc, o Instituto Moreira Salles, o Cine Clube Cortina, o cine Satyros Bijou, o MIS – Museu da Imagem e do Som, os Espaços Itaú de Cinema Augusta, sala 1, e Frei Caneca, salas 1 e 2.  No Centro Cultural São Paulo e na Biblioteca Roberto Santos, sessões a $4,00 e $2,00, no Museu da Imigração do Estado de São Paulo, a $10,00 e gratuitos nos CEUs Perus, Meninos, Vila Atlântica, Centro de Formação Cultural Tiradentes e no vão livre do MASP.  O preço avulso dos cinemas será de $24,00 e $12,00, de segunda a quinta-feira, e $30,00 e $15,00, sextas, sábados e domingos.  As permanentes vão de $150,00 a $600,00, dependendo de suas características.  Pacotes de 20 e 40 ingressos também podem ser adquiridos por $250,00 e $410,00, respectivamente.

 

Vamos, então, destacar alguns dos filmes programados.  Serão 223 títulos, oriundos de 60 países.  Entre eles, “Triângulo da Tristeza”, de Ruben Ostlund, Palma de Ouro em Cannes.  E, também de Cannes, “As Oito Montanhas”, de Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, “Boy From Heaven”, de Tarik Saleh, “La Jauría”, de Andrés Ramirez Pulido, “Joyland”, de Saim Sadiq, “Febre do Mediterrâneo”, de Maha Haj, “Os Irmãos de Leila”, “Mais Que Nunca”, de Emily Atef.

 

Do Festival de Veneza, “Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades”, de Alejandro Iñarritu, “Sem Ursos”, de Jafar Panahi, “Terceira Guerra Mundial”, de Houman Seyedi, “Lobo e Cão”, de Cláudia Varejão, “Nezouh”, de Soudade Kaadan, “Blanquita”, de Fernando Guzzoni.

 

Do Festival de Berlim, “Alcarrás”, de Carla Simón, Urso de Ouro, “O Filme da Escritora”, de Hong Sang-so, “Manto de Joias” de Natalia López Gallardo, “Com Amor e Fúria”, de Claire Denis, “Mutzenbacher”, de Ruth Beckermann.  Do Festival de San Sebástian vem “Los Reyes del Mundo”, de Laura Mora, melhor filme, “Quem os Impede”, de Jonás Trueba, além de “Você Tem que Vir e Ver”.  Do Festival de Locarno, o brasileiro “Regra 34”, de Júlia Murat, Leopardo de Ouro, “Tenho Sonhos Elétricos”, de Valentina Maurel, “Como está Kátia?”, de Christina Tynkevych, “Gigi a Lei”, de Alessandro Comodin.

 






13 obras são filmes indicados ao Oscar de seus países: “Domingo e Neblina”, de Ariel Escalante (Costa Rica), “Nada de Novo no Front”, de Edward Berger (Alemanha), “Belas Criaturas”, de Guõmundur Arnar Guõmundsson (Islândia), “Plano 75”, de Chie Hayakawa (Japão), “Alma Viva”, de Cristèle Alves Meira (Portugal), “Um Pedaço de Céu”, de Michael Koch (Suíça), “Peregrinos”, de Laurynas Bareisa (Lituânia), além dos já citados, “Terceira Guerra Mundial (Irã), “Boy From Heaven” (Suécia), “Febre do Mediterrâneo” (Palestina), “Bardo” (México), “Joyland” (Paquistão) e “Alcarrás” (Espanha).

 

A destacar também “Contos de Fadas”, de Alexander Sokurov, “Pacifiction”, de Albert Serra, “One Fine Morning”, de Mia Hansen Love, “Os Anos Super 8”, de David Ernaux-Briot e Arnnie Ernaux, “Armagedon Time” de James Gray, “Kingdom Exodus”, de Lars Von Trier e “Noite Exterior”, de Marco Bellochio.

 

Além de tudo isso, haverá apresentações especiais de filmes restaurados, como “A Mãe e a Puta” e “Meus Pequenos Amores”, de Jean Eustache, “Bratan”, de Bakhtyar Khudojnazarov, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura, “Agulha no Palheiro”, de 1953, como homenagem à cantora e atriz Dóris Monteiro, que recebe o prêmio Leon Cakoff.  O prêmio Humanidade será entregue à diretora Ana Carolina e serão exibidos seus filmes: “Mar de Rosas”, “Das Tripas Coração”, “Sonho de Valsa” e “Paixões Recorrentes”.  Curtas de Lucrecia Martel e Alice Rohrwacher, também em apresentação especial.  O filme “Até Sexta, Robinson”, de Mitra Farahani, condensa um longo dialogo do escritor iraniano Ebrahim Golestan com Jean-Luc Godard em outra apresentação especial, que homenageia Godard.

 

5 títulos trazem olhares sobre a Amazônia: “Amazonas, a Nova Minamata?”, de Jorge Bodansky, “Pisar Suavemente na Terra”, de Marcos Colón, “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, “À Margem do Ouro”, de Sandro Kakabadza, e “Uyrá, a Retomada da Floresta”, de Juliana Curi.

 

O belo cartaz da 46ª. Mostra é obra do muralista Eduardo Kobra, que é personagem do documentário de Lina Chamie “Kobra Auto Retrato”.  Tem ainda 61 títulos brasileiros, inéditos no circuito comercial, finalizados entre 2021 e 2022.

 

Não será por falta de oferta que se deixará de ir ao cinema em outubro e começo de novembro (contando com a repescagem no Cinesesc).  O cardápio é amplo, variado e muito atraente, como sempre tem sido na Mostra de São Paulo, o grande evento cinematográfico da cidade.

 

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