quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI

Antonio Carlos Egypto






VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI (Sorry, We Missed You).  Inglaterra, 2019.  Direção: Ken Loach.  Com Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Charlie Richmond, Katie Proctor.  100 min.


O britânico Ken Loach é um dos diretores de cinema mais importantes em atividade.  Seu trabalho tem cunho realista e forte conotação política, ao abordar os personagens da classe trabalhadora sofrendo as consequências de um sistema econômico que os exclui e oprime de muitas formas.  Aborda também as respostas e caminhos que os trabalhadores acabam encontrando para lidar com esse clima assustador a que estão, querendo ou não, submetidos.

Quem viu os filmes dele ”Meu Nome é Joe”, de 1998, “Pão e Rosas”, de 2000, “À Procura de Eric”, de 2009, “A Parte dos Anjos”, de 2012, e “Eu, Daniel Blake”, de 2016, sabe do que eu estou falando.  Quem não viu e quiser saber do que se trata é só procurar no campo de pesquisa do cinema com recheio que encontrará as críticas  desses filmes e também de “Rota Irlandesa”, de 2011, e “Jimmy’s Hall”, de 2014, que tratam de questões históricas irlandesas sempre do ponto de vista do trabalhador.  São grandes filmes dele também “Terra e Liberdade”, de 1995, sobre a guerra civil espanhola, e “Ventos da Liberdade”, de 2006, que trata da guerrilha irlandesa frente ao colonialismo inglês.  É uma obra vasta e muito importante.

Em “Você Não Estava Aqui”, Ken Loach aborda os novos rumos do capitalismo que, com o colapso do emprego formal, vende a ilusão do empreendedorismo, o trabalho por conta própria, que, de tão precarizado, se aproxima não da liberdade individual, mas justamente de seu contrário, a escravização.

O sistema econômico que adula e impõe condutas afeta de tal modo a vida pessoal dos trabalhadores, com a precarização do trabalho e dos direitos, que produz inevitáveis rupturas nas relações humanas e familiares.




Na trama do filme, Ricky (Kris Hitchen) acredita na fantasia do empreendedorismo e vai ser motorista por conta própria, adquirindo uma van novinha, a ser paga em prestações.  Para tal, compromete a mobilidade de sua mulher, Abby (Debbie Honeywood), que é uma dedicada cuidadora de idosos.  A vida dos dois filhos do casal, especialmente do menino adolescente, também sofrerá muitas consequências sérias com essa decisão.  Não demorará muito para que Ricky descubra que, como diz o seu patrão, “o negócio é seu, mas a franquia é nossa”.  E, com essas cartas o jogo é pesado, não sobra tempo para nada e qualquer falta será punida com pesadas multas.  E por aí vai.

O diretor pergunta se é sustentável recebermos nossas compras por meio de uma pessoa que dirige uma van 14 horas por dia.  E acrescenta: isso é melhor do que ir a uma loja e interagir com o vendedor?  Explica que isso não é um erro, mas a lógica do desenvolvimento da economia de mercado.  Segundo ele, o trabalho informal acaba com as vidas e os pobres é que pagam o preço.  O contexto da ação do filme é Newcastle, na Inglaterra, em meio à crise de 2008, mas vale para toda a economia de mercado do mundo atual.

Pensemos no sistema de entrega paulistano por motoboy, o quanto isso é precário, muito mal pago, perigosíssimo.  Basta ver o número escandaloso de mortes que produz.  A chamada uberização da vida econômica acrescenta detalhes de crueldade àquilo que já era uma terrível exploração.

Ken Loach nos fala de algo que conhecemos muito bem, bate à nossa porta e nos deixa preocupados (se pararmos para pensar) e com uma sensação de impotência diante do sistema.  É de gente com o talento desse cineasta que precisamos, para não perdermos a capacidade de nos indignar diante da desumanidade e da ganância do lucro.





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