quarta-feira, 31 de julho de 2013

BLING RING – A GANGUE DE HOLLYWOOD

  Antonio Carlos Egypto


BLING RING – A GANGUE DE HOLLYWOOD (The Bling Ring)Estados Unidos, 2012.  Direção e roteiro: Sofia Coppola.  Com Emma Watson, Taissa Farmiga, Israel Bronssard, Claire Julien, Katie Chang.  91 min.


Somos diuturnamente bombardeados por imagens e mensagens que nos dizem o que devemos ter, possuir, comprar.  O capitalismo de consumo não tem limites, nem ética, numa fabricação de necessidades artificiais, potencializada pela tecnologia em constante evolução.

Consumir, consumir agora e sempre, sem limites.  Como isso repercute na cabeça dos adolescentes, ainda em formação e sem o necessário espírito crítico para avaliar tal proposta?




Se acrescentarmos a isso a vida glamourosa, exibida pelas celebridades, que aparentemente têm acesso a tudo de mais luxuoso e caro que existe, teremos aí um apelo ao estilo de vida.   Estilo de vida?  Como assim?  Quem tem acesso real a esse tipo de vida? 

Considere agora adolescentes de classe média que moram em Los Angeles, convivendo com o mais fútil e exibido dos mundos, o das celebridades de Hollywood, suas mansões e os objetos de grife e luxo que cultivam e ajudam a divulgar.  A sedução está mais do que feita.



Aí a gente começa a entender os fatos reais relatados pelo filme de Sofia Coppola, “Bling Ring – A gangue de Hollywood”.  Um grupo de quatro garotas e um rapaz, adolescentes, cometeu uma onda de crimes nas colinas de Hollywood, invadindo casas de famosos, como Paris Hilton (que está no filme), Orlando Bloom, Rachel Bilson e Kristen Dunst, entre outros, e roubando mais de 3 milhões de dólares em artigos de luxo.  Vestidos, sapatos, relógios, joias, bolsas e o que mais encontravam e que os encantasse, nessas invasões, foram sumindo em pouco tempo.  Faziam isso sem arrombar ou destruir nada.  Geralmente, entrando por portas deixadas abertas, pegando chaves sob os capachos ou vasos de plantas, entrando por janelas.  Tudo incrivelmente fácil.

Os planos também eram simples de se realizar.  Bastava seguir as celebridades pela Internet, identificar suas moradias, os eventuais sistemas de segurança, e saber de suas vidas.  Geralmente, os famosos anunciam nas redes sociais presença em eventos como festivais de moda ou cinema, fora do país.  É fácil saber quando suas casas estarão vazias e assim efetuar os roubos.



Claro que um dia uma filmagem de um desses roubos poderá identificar alguns dos responsáveis.  Mas, até lá, a vida será uma festa de consumo, capaz de enganar até os pais, pouco presentes na vida dos filhos.  Além disso, eles próprios acreditam no sonho dourado hollywoodiano que pode trazer a glória a seus filhos.  Desse modo, fatos que parecem inacreditáveis ocorrem.  E revelam o falso brilho desse glamour e do mundo de celebridades que o realimenta.

Viver um estilo de vida de luxo e ostentação passa a ser o grande objetivo de uma garotada inteiramente dominada por esses valores de puro consumo.  Para chegar a isso, o caminho mais simples e direto é roubar.  Até que possa um dia cair a ficha, o estrago já está feito.  Para alguns, com consequências para toda a vida.  Mas há quem se safe, apesar de tudo, se tiver mais grana na família e contatos decisivos na sociedade. 



O filme de Sofia Coppola, ao relatar os fatos dessa incrível história de roubos, nos possibilita pensar sobre o que está acontecendo aos jovens, que distorções brutais estão tomando as cabeças de alguns deles e que papel a educação tem em todo esse processo.

Enquanto cinema, o filme não tem nada de especialmente notável.  Pelo contrário: se estende longamente sobre os roubos, mostrando detalhes até desnecessários, para ocupar o tempo.  O relato não rende tanto, exigiria uma discussão maior dentro do próprio filme.  Por isso,  cansa um pouco, se torna algo repetitivo.  Mas isso não tem grande importância.  Porque o tema tratado é eloquente e dá margem a muita discussão pós-filme. 

Ou seja, a gangue do Bling Ring não tem como passar incólume aos nossos olhos.  O relato detalhado dos fatos acaba servindo para reiterar que o que está sendo mostrado é mesmo absurdo e que algo precisa ser feito para que coisas como essas não continuem acontecendo.  Favorece uma visão crítica ao mundo consumista dos nossos dias.  O que já é bastante.
  

quinta-feira, 25 de julho de 2013

AMOR PLENO

 Antonio Carlos Egypto


 

AMOR PLENO (To The Wonder).  Estados Unidos, 2012.  Direção: Terrence Malick.  Com Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel Adams, Javier Bardem.  112 min.


“Amor Pleno”, o novo filme do diretor Terrence Malick, trata das vicissitudes do amor.  De encontros e desencontros, expectativas frustradas, leniência nas relações amorosas, apatia, falta de empenho, mas também de momentos de grande alegria e comunhão entre um homem e uma mulher.  Ou entre um homem e duas mulheres, com quem convive simultânea ou alternadamente.

No filme, porém, questões existenciais necessariamente remetem ao cosmos, à ideia de Deus e a uma religiosidade.  À busca por um sentido, por preencher um vazio.  Há até um padre às voltas com suas crenças e dúvidas com relação ao amor divino, que seria a forma mais plena de amor.  Para quem gosta desse tipo de abordagem, é um prato cheio, porque Malick é um cineasta talentosíssimo para lidar com imagens.



A beleza plástica do filme é indiscutível.  Enquadramentos perfeitos, locações belíssimas, exploração da luz como elemento dessa dimensão cósmica.  Enfim, é um filme bonito de se ver, de um ponto de vista contemplativo.

Para usufruir de sua beleza sem se aborrecer, no entanto, é preciso adotar a perspectiva apresentada.  Do contrário, essa beleza parecerá gratuita e sem razão de ser.  Quem já não recebeu montanhas de sequências de belas fotos turísticas, de natureza ou do que quer que seja, por meio desses PPS de computador?  É bonito, sim.  Mas cansa e se torna repetitivo.  Se você não tem um interesse específico naquilo que lhe é enviado, você tende a não dar importância, nem ver direito e deletar tudo isso, não é?  Esse é o risco que “Amor Pleno” corre em relação a um público mais cético ou menos propenso ao cultivo do belo pelo belo.



“A Árvore da Vida”, o filme anterior de Terrence Malick, foi bem avaliado pela crítica e apreciado pelo público.  A abordagem é parecida agora, mas lá havia mais consistência e também imagens mais arrebatadoras.  “Amor Pleno” é um filme menor do cineasta, que não acrescenta nada de relevante à sua obra.



O elenco tem atuação discreta, de baixa intensidade.  Até porque há poucas cenas com os diálogos e confrontos narrados no filme.  Duas belas mulheres: Olga Kurylenko e Rachel Adams marcam presença, contracenando com Ben Affleck, ator e o premiado diretor de “Argo”.  O papel de Ben é o do homem apático, que não sabe lidar com o amor que a vida  lhe oferece.  O papel parece muito apropriado a ele, que costuma ser inexpressivo em suas atuações.  Já o grande ator espanhol Javier Bardem está mal aproveitado no papel pouco relevante do padre.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

Turbo


Tatiana Babadobulos

Turbo. Estados Unidos, 2013. Direção: David Loren. Roteiro: Darren Lemke e Robert D. Siegel. Versão original com vozes de Ryan Reynolds, Paul Giamatti, Samuel L. Jackson. 96 minutos



O cinema de animação é capaz de fazer muitas coisas que o filme live action não pode mostrar. Peixes que falam no fundo do mar e o peixe pai que atravessa o oceano em busca do peixe filho, como em "Procurando Nemo", carro falantes em "Carros", insetos cheios de decisões, em "Vida de Inseto", e por aí afora.
O inusitado continua quando o cinema de animação propõe uma história sobre um caracol de jardim, conhecido por sua lentidão, tem o sonho de correr as 500 milhas de Indianápolis!


Em "Turbo", longa-metragem em 3D que estreia nesta sexta, 19, nos cinemas, isso é possível. Teo é o tal caracol que vive entediado no jardim onde mora, pois seus colegas caracóis fugindo da bicicletinha do morador da casa e trabalhando sem parar, mas tudo o que ele quer é grudar os olhos na televisão e rever incansavelmente a corrida com o seu ídolo do automobilismo.

Nas horas vagas, ele treina para andar mais rápido e diminuir o seu tempo de rastejo entre a largada e a chegada que, em 36 centímetros, ele demora 17 minutos.

Quando presencia um racha no meio da rua (em um cenário que reproduz a racha no musical "Greese - Nos Tempos da Brilhantina"), ele vê a sua sorte mudar e chama a atenção de um especialista em comida mexicana.


Dirigido por David Soren, em sua estreia na direção de longa-metragem de animação, "Turbo" não traz inovações tecnológicas, nem tem diálogos cheios de sacadas. A fita tem uma pegada mais sentimental e discute o aumento da autoestima e valores como persistência, coragem. Mostra, aliás, que sonhar vale a pena.

Assim como "Carros", de John Lasseter, "Turbo" pode não atrair tanto o público feminino. Já os pais (principalmente eles) podem levar tranquilos os meninos para o cinema. A diversão está garantida!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

RENOIR

Antonio Carlos Egypto




RENOIR (Renoir)França, 2012.  Direção: Gilles Bourdos.  Com Michel Bouquet, Christa Theret, Vincent Rottiers.  111 min.


Pierre-Auguste Renoir (1851-1919), o grande pintor impressionista francês que celebrava a vida, a alegria das pessoas, as festas, a beleza da natureza e o corpo feminino na Paris luminosa de antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, é o personagem principal do filme de Gilles Bourdos.

Só que a película “Renoir” remete ao final da vida do pintor, quando ele só consegue andar de bengala e pinta numa cadeira de rodas, com pincéis amarrados aos dedos, por conta do reumatismo que o afligia.  Mas continuava demonstrando otimismo, vitalidade e serenidade, em que pese o esvair da vida.  Perdera  a mulher e seus dois filhos foram feridos na frente de batalha.  Estamos em 1915.




É quando irrompe em sua residência, no sul da França, em Cagnes, uma jovem linda e exuberante, que será sua musa e lhe dará um novo alento e entusiasmo.  Pierre-Auguste (Michel Bouquet) se encantará com a nova modelo para seus quadros: Andrée (Christa Theret).  Ao mesmo tempo, Jean Renoir (Vincent Rottiers), filho do pintor e que se tornaria um dos diretores de cinema mais importantes da história, retorna à casa paterna com ferimentos de guerra e se envolve com a musa do pai, a tal ponto que ela será sua primeira esposa.  A última grande musa do pintor será o primeiro amor do cineasta.

É dessa história e desse momento final da vida do pintor Renoir que se nutre o filme de Gilles Bourdos.  A narrativa flui lenta e até um tanto rotineira, procurando mostrar um clima e uma situação de vida de um homem idoso no seu ocaso, mas de um talento e otimismo tão grandes que tudo isso pode ser muito estimulante para ele, consubstanciando-se na figura de uma mulher jovem, cheia de vida.




Para o espectador, acompanhar a história do modo como ela é contada não é tão estimulante assim.  Chega a ser até aborrecida, em alguns momentos.  Mas o filme tem um grande mérito: procura reconstruir em imagens as cores que caracterizavam os quadros impressionistas de Renoir.  O ambiente da residência remete à pintura, com suas luzes e tons tão característicos.

O vínculo do pai pintor famoso com o filho que irá criar obras-primas da arte cinematográfica, como “A Regra do Jogo”, de 1939, e “A Grande Ilusão”, de 1937, também interessa.  A pintura e o cinema, convivendo numa época, primeiro, dourada, depois conturbada da Europa, e sendo retratados no trabalho de um e de outro, merecem atenção.  Embora o filme não explore isso, como poderia.




A figura do pintor é convincentemente vivida por Michel Bouquet.  Já o futuro cineasta tem pouca força no filme.  Aparece como jovem amante e filho, mas sem maiores referências ao grande artista que ele será.  O ator Vincent Rottiers também não dá a dimensão devida ao personagem.  A musa desejada por ambos, vivida por Christa Theret, tem vigor, energia e beleza para iluminar um filme, que é bonito, sem chegar a empolgar.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

DOSSIÊ JANGO

Antonio Carlos Egypto





DOSSIÊ JANGO.  Brasil, 2012.  Direção: Paulo Henrique Fontenelle.  Argumento: Paulo Mendonça e Roberto Farias.  Documentário.  102 min.


“Dossiê Jango” é um documentário que aborda a trajetória do ex-presidente João Goulart, concentrando-se no período de seu exílio e fim.  E tem uma intenção clara: propor a investigação da morte de Jango, com base em suspeitas bastante plausíveis de que teria ocorrido um assassinato e não morte natural.

Num primeiro momento, a ideia parece estranha.  Jango faleceu em decorrência de um infarto, na Argentina, em 06 de dezembro de 1976.  Ele era, reconhecidamente, paciente cardíaco.  Estava bem de saúde, mas se valia permanentemente de medicação.  Há uma suposição de troca dos remédios que teria provocado sua morte, justamente quando ele estava pensando em poder voltar ao Brasil.  Evidentemente, não é algo fácil de se comprovar a esta altura.  A exumação do corpo do ex-presidente foi recentemente aprovada e talvez possa esclarecer as circunstâncias da morte.




O contexto político em que isso se dá é, no entanto, bastante revelador.  A ditadura já perdia fôlego nesse período e era evidente que o caminho para a redemocratização seria questão de tempo.  Viriam a abertura lenta e gradual do regime e a anistia, mas ainda era preciso muita luta e articulações políticas para superar o período autoritário.

Num eventual retorno a eleições presidenciais, os nomes mais fortes e influentes, com maior potencial de voto, seriam os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e o próprio Jango, além de Carlos Lacerda, a maior liderança da direita e político de dotes raros, de oratória e coragem.  Arqui-inimigo do getulismo e, portanto, de Jango, sempre foi um rival de peso.




Pois bem, os rumos da ditadura acabaram por unir os adversários políticos, todos já cassados, em prol de uma causa comum: a redemocratização do país, o fim da ditadura militar instalada desde 1964.  Formaram, então, e surpreendentemente, a Frente Ampla, com significado óbvio para a vida nacional daquele momento histórico.

Num período de apenas nove meses, Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e João Goulart morreram.  Juscelino, num acidente de estrada, suspeitíssimo.  Houve até notícia equivocada de sua suposta morte por acidente dias antes do ocorrido.  Carlos Lacerda padecia de uma gripe e foi tomar injeção num hospital.  Pouco depois estava morto, também de forma estranha e inesperada. E João Goulart sofreu um infarto.

Há outras mortes inexplicáveis, como a do médico legista que fez o laudo da morte de Jango, do empresário uruguaio e amigo do ex-presidente, Enrique Foch Diaz, que afirmava veementemente que Jango fora assassinado, cujo depoimento está no filme.  Entre outras mortes, também por razões cardíacas, no mesmo período.




Há, ainda, entrevistas esclarecedoras que fazem crer na hipótese do assassinato.  Evidentemente, é uma história que precisa ser muito melhor contada, a partir de investigações.  É necessário resgatar a verdade histórica.  É isso que “Dossiê Jango” procura fazer, dando elementos que subsidiem esse trabalho investigativo com novas informações e o resgate de documentos, como os do Serviço de Inteligência do Uruguai e do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).  E também depoimentos como os de Mário Neira Barreiro, ex-agente policial uruguaio, preso no Rio Grande do Sul, desde 2003.

São muitos os entrevistados, inclusive o filho e a viúva de Jango.  A produção pode ser considerada não-isenta, uma vez que é também do Instituto João Goulart, além do Canal Brasil.  Foi mesmo para reabrir o caso.  Mas isso não tira o mérito do filme.   As informações que ele traz são fortes, contundentes.  E eles têm razão: não podemos ficar simplesmente com uma história oficial que parece pouco convincente, principalmente se olharmos o entorno que envolveu a morte do presidente João Goulart, deposto por um golpe de Estado que deu origem a um longo período ditatorial no Brasil.

“Dossiê Jango” recebeu os prêmios de melhor documentário, pelo Júri Popular do Festival do Rio 2012, e melhor longa-metragem, pelo Júri Popular do Festival Tiradentes 2013




sábado, 6 de julho de 2013

HANNAH ARENDT


 Antonio Carlos Egypto



 

HANNAH ARENDT (Hannah Arendt)Alemanha, 2012.  Direção: Margarethe Von Trotta.  Com Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Nicholas Woodeson.  113 min.



Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã de origem judaica, fugiu da Alemanha nazista em 1933 e acabou fixando raízes e obtendo cidadania nos Estados Unidos.  Foi em Nova York que ela ficou sabendo do sequestro, pelo serviço secreto de Israel, do criminoso de guerra Adolf Eichmann, em Buenos Aires, e do seu julgamento em Jerusalém.

Ela se ofereceu à revista New Yorker para fazer a cobertura do evento e foi aceita.  Já era, então, um nome de peso na intelectualidade da época, havia publicado um livro importantíssimo: “A Origem do Totalitarismo”.  William Shawn (Nicholas Woodeson), editor da New Yorker, lhe deu carta branca e o tempo de que ela precisava para o trabalho.




O filme “Hannah Arendt”, da escritora e cineasta Margarethe Von Trotta, se refere a esse período da vida dela, que vai de 1961 a 1964.  Foi um período turbulento para Hannah, vivida por Barbara Sukowa, em ótimo desempenho.  Primeiro, por lidar com um tema que mexia com sua história pessoal e a de milhões de judeus exterminados.  Segundo, porque ela foi encarar o monstro Eichmann e encontrou apenas um burocrata medíocre.  Foi capaz de observar e tentar entender o que ela chamou de banalidade do mal, com uma coragem e uma honestidade intelectual incríveis.  Terceiro, porque, como se poderia imaginar, isso causou um enorme mal-estar no campo judaico, muitas incompreensões, hostilidades e perseguição ao seu trabalho e à sua figura.

Num momento ainda de afirmação do Estado de Israel, qualquer crítica às lideranças judaicas no episódio do Holocausto soava intolerável.  E ela o fez.  Assim como afirmou que Eichmann cometeu um crime contra a humanidade, não apenas contra os judeus, uma vez que judeus são humanos.  Seu pensamento era universalista e libertário.  A proximidade com a escritora e feminista Mary McCarthy (Janete McTeer) também mostra que a questão feminina lhe interessava muito.




O filme mostra sua forte personalidade, determinação e peso intelectual, seu relacionamento intenso com o marido Heinrich Blüchen (Axel Milberg), também de grande estatura intelectual, apesar da ausência de diplomas acadêmicos.

Mostra, ainda, o relacionamento de Hannah com o filósofo Martin Heidegger, de quem foi discípula e com quem teve um caso de amor.  Ele viveu na Alemanha nazista como reitor universitário sem dificuldades e com a carteira do partido, que nunca renegou.  Ainda assim, Hannah conviveu com ele, tentando entender o que se passava.  Foi mais um item polêmico de sua história.  O filme não aprofunda essa questão, no entanto.  Fica na superfície da relação.

A busca de Hannah Arendt era sempre a de querer entender.  Foi assim que ela percebeu, de forma original, que o mal pode se originar não da monstruosidade de uma opção política ou ideológica, mas simplesmente da obediência cega e da inabilidade para pensar autonomamente.  De coisas como essas pode ser gerada uma tragédia de lesa-humanidade.

Não pensar por si mesmo, repetir bordões, obedecer às palavras de ordem.  Falar de coisas que nem sequer entende.  Julgar, condenar, sem se preocupar em compreender, são mesmo coisas potencialmente muito perigosas.  Sem falar dos preconceitos.  Que cansamos de ver a toda hora à nossa volta, todos os dias. 


Eichmann

Por isso mesmo, filmes como “Hannah Arendt” vêm a calhar.  Sua narrativa simples e clássica serve bem ao objetivo de revelar uma trajetória, um pensamento, uma figura humana admirável.  Pela honestidade intelectual, não pela polêmica em si.  Respeitar e procurar entender o outro, até mesmo seu maior e mais evidente inimigo, é um desafio e tanto.  Quem for capaz disso, certamente se tornará melhor, mais humano.

Um mérito interessante do filme, também, é nos mostrar a figura de Eichmann e algumas de suas respostas.  A gente percebe que a banalidade do mal é mesmo assustadora, justamente porque parece algo tão comum e corriqueiro.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

BRANCA DE NEVE

Antonio Carlos Egypto




BRANCA DE NEVE (Blanca Nieves).  Espanha, 2012.  Direção: Pablo Berger.  Com Macarena García, Maribel Verdu, Ángela Molina, Daniel Gimenez-Cacho, Inma Cuesta, Pere Ponce.  104 min.


A famosa história de “Branca de Neve”, dos irmãos Grimm, já teve duas adaptações recentes: os filmes norte-americanos “Espelho, Espelho Meu” e “Branca de Neve e o Caçador”.  Passam longe do texto original e de sua leitura em animação para crianças, largamente popularizada pela Disney. 

Mas, pelo jeito, Branca de Neve está mesmo na moda.  Agora é a vez de um filme espanhol, dirigido por Pablo Berger, que foi o grande vencedor do Prêmio Goya 2013, o Oscar espanhol.  Foi premiado como melhor filme, roteiro, música e figurino, além das atrizes.  Essa versão não é mais fiel do que as anteriores, é uma criação a partir do estímulo original, tanto quanto aquelas.  Mas tem mais originalidade e densidade dramática.




Para começar, porque o filme é mudo, não tem diálogos, tem intertítulos, mas tem uma trilha sonora admirável.  É feito em preto e branco, com granulações, para remeter aos filmes do período silencioso do cinema.  Sua ação se passa em Sevilha, nos anos 1920. 

Todo mundo vai lembrar imediatamente de “O Artista’, o filme francês de Michel Hazanavicius, que ganhou o Oscar de 2012.  É inevitável.  Diz a produção espanhola que “Branca de Neve” já estava concebida assim desde 2004.  É possível, pode haver sincronia em busca de algo, sem que uma ideia necessariamente seja copiada de outra.  Isso também não importa tanto.  Podem ser feitos muitos filmes com essas características, seja por nostalgia, desejo de recuperar algo que se foi ou se perdeu, seja por exercício de estilo, homenagem à história do cinema ou resgate de um meio de narrar que já foi tão eficiente e popular.  Por que não?




A “Branca de Neve” espanhola, que de origem se chamava Carmen, (claro!), ganhou esse apelido quando conheceu os anões toureiros e passou a apresentar-se junto com eles em todos os lugares, para escapar da madrasta má (e põe má nisso!), que queria matá-la a todo custo.  Carmencita é filha de um toureiro famoso, que ficou incapacitado de mover mãos e pernas num sério acidente numa tourada.  Mas teve tempo de ensinar a ela alguns truques importantes do ofício.  E por aí a coisa vai.

O roteiro premiado com o Goya é mesmo muito interessante.  A narrativa flui e amarra bem suas pontas, tornando palatável para adultos uma história de contos de fadas arquiconhecida, sem precisar apelar para o excesso de efeitos especiais e os exageros tão comuns às adaptações desse tipo, feitas por Hollywood.




A jovem Carmen/Branca de Neve é vivida pela atriz Macarena García, ótima.  Maribel Verdu encarna a madrasta Encarna e faz a maldade levada ao extremo, como se isso pudesse existir.  Ela chega até a nos convencer desse absurdo.  A grande atriz Ángela Molina, por outro lado, faz Dona Concha, a avó acolhedora  e terna, que simboliza a bondade.  Aquela que faz tão bem à gente que, inevitavelmente, tem de acabar desaparecendo.  "Não há bem que nunca acabe, nem mal que sempre dure”, o ditado popular serve como uma luva nessa história.

O filme não vai decepcionar quem for vê-lo, é muito bem realizado.  Até quem já cansou de Branca de Neve, não aprecia cinema mudo e não gosta de touradas, é capaz de curtir.