O OFICIAL E O ESPIÃO (J’Accuse). França, 2019.
Direção: Roman Polanski. Com Jean
Dujardin, Emmanuelle Seigner, Louis Garrel, Grégory Gadebois. 132 min.
Em 28 de fevereiro de 2020 serão
conhecidos os grandes vencedores do César, o prêmio máximo do cinema francês,
em sua 45ª. edição. Em número de
indicações, já há um favorito, “O Oficial e o Espião” (J’Accuse), de Roman Polanski, indicado a melhor filme, direção,
roteiro adaptado, montagem, fotografia, figurino, desenho de produção, trilha
sonora, som, além da indicação a melhor
ator para Jean Dujardin e duas indicações a melhor ator coadjuvante para Louis
Garrel e Grégory Gadebois. O filme já
levou o Leão de Prata do Festival de Veneza, de modo que não há muita surpresa
nisso.
Há concorrentes muito fortes, como “Os
Miseráveis”, de Ladj Ly, parisiense, de família imigrante do Mali, que fez um
filme poderoso e assustador, ao nos mostrar a que ponto está chegando o
confronto na periferia de Paris, que opõe policiais a crianças (isso mesmo) em embates marcados por
grande violência. Impressionante o que esse filme faz, inspirando-se em Victor
Hugo para refletir sobre a atualidade mais preocupante. É importante citar também “Graças a Deus”, de
François Ozon, “Retrato de uma Jovem em Chamas”, de Céline Sciamma, “Papicha”,
de Mounia Meddour, e, ainda inédito por aqui, “La Belle Époque”, de Nicolas
Bedos, entre outros. Por aí, a parada é dura.
Há, porém, um outro problema, as
acusações de abuso sexual que acompanham a vida do diretor franco-polonês Roman
Polanski, desde sempre, e não o abandonam nem quando ele chega aos 86 anos de
idade. Novas revelações sobre fatos dos
anos 1970 reacenderam a fúria de grupos de feministas francesas, que prometem
agir para se contrapor à consagração do filme e à homenagem que o diretor
poderia conquistar. E não seria a
primeira vez que ele seria atingido por protestos.
Roman Polanski |
Quem acompanha e gosta de bom cinema
tem a obrigação de admirar o talento de cineasta de Polanski. Sabe também das desgraças que acompanharam a
sua vida, da morte de sua mãe em campo de concentração nazista à tragédia do
assassinato de sua mulher, Sharon Tate, em 1969, pelo bando do fanático Charles
Manson, recentemente relembrada, mudando a história, por Quentin Tarantino, em
“Era uma Vez em Hollywood”. Ou das
punições que o atingiram nos Estados Unidos da América. Nada justifica coisa alguma, se todas as
acusações procederem. Mas rechaçar um
filme da qualidade de “O Oficial e o Espião” ou uma obra como a de Polanski no
cinema é um verdadeiro crime contra a arte.
Por sinal, o título do filme em
francês é justamente “J’Accuse” (Eu Acuso),
tirado do texto de Émile Zola que defendia o capitão Dreyfus da acusação
injusta de alta traição e, em contrapartida, acusava de forma clara e corajosa
os responsáveis no Governo e nas Forças Armadas pela farsa que foi o julgamento
daquele judeu, que era dos poucos que atuavam no exército francês, no final do
século XIX, e escancarava o preconceito.
O título dado ao filme no Brasil é uma bobagem sem sentido.
O filme de Polanski se debruça sobre o
rumoroso, polêmico e prolongado caso Dreyfus, valendo-se do ponto de vista do
personagem coronel Picquart, realmente em ótima atuação de Jean Dujardin. Ele, inconformado com a flagrante injustiça e
manipulação do caso, que levou à prisão perpétua de Dreyfus e a seu exílio na
longínqua e desabitada ilha do Diabo, resolveu investigar por conta
própria. Com isso, provocou as reviravoltas
e a demonstração do erro judicial, o que se arrastou por dez anos até sua
resolução. O caso é muito conhecido, mas
merecia o filme que recebeu. Uma
narrativa clássica numa produção esmerada, habilmente dirigida, com grandes
desempenhos e um ritmo eficiente e envolvente.
Um belo filme, que merece
reconhecimento à altura. “Os Miseráveis” já foi o escolhido da França para
representá-la no Oscar de filme internacional e ficou entre os cinco
finalistas. “J’Accuse” poderia perfeitamente ser o grande vencedor do César
2020, como suas indicações sugerem. Tem
méritos de sobra para isso.
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