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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

360


Tatiana Babadobulos

360. Reino Unido, Áustria, França, Brasil, 2011. Direção: Fernando Meirelles. Roteiro: Peter Morgan. Com: Rachel Weisz, Maria Flor, Juliano Cazarré, Jude Law, Anthony Hopkins. 110 minutos.


Diretor de “Cidade de Deus”, um dos grandes sucessos do cinema nacional que completa 10 anos, Fernando Meirelles agora dirige “360”, longa-metragem que conta histórias distintas, em diferentes lugares do mundo, como Viena, Paris, Londres, Bratislava, Denver e Phoenix.

No elenco, Meirelles contou com dois atores brasileiros, Maria Flor e Juliano Cazarré, além de nomes internacionais, como Jude Law, Rachel Weisz e Anthony Hopkins. O roteiro é de autoria do inglês Peter Morgan (“Frost x Nixon”), que atualmente mora em Viena e viaja muito. “Essa história é muito pessoal pro Peter e uma das razões de eu aceitar fazer o filme foi poder trabalhar com ele.”

Já a direção de fotografia ficou sob a batuta do brasileiro Adriano Goldman. A ele, Meirelles é só elogios. “Ele é o cara de cinema mais internacional do Brasil, mas ninguém percebe”, conta, em entrevista coletiva realizada em São Paulo. “Chamei o César [Charlone], mas ele não podia. Ele é irrequieto, então tenho que tomar conta do César e do set. Gosto dele pra caramba, mas o Adriano é muito relaxado. Fiquei feliz de trabalhar com ele”, diz Meirelles.

O diretor explica que o filme foi todo montado no Brasil, por Daniel Rezende (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite 2”). “Sempre tento trazer o máximo possível para o país. Realmente não me envolvo em política aqui dentro, mas procuro fazer a ponte entre o cinema nacional e internacional.”

Morador da Granja Viana, Fernando Meirelles admite que costuma frequentar os cinemas da região.
“The Square Open Mall é o meu cinema, tem programação ótima, feita pelo Adhemar [Oliveira, dono do Cinespaço e do Espaço Itaú de Cinema].”

Quando vai para o set, Meirelles não costuma ir muito planejado. “Adriano tem jogo de cintura. Se vamos mudar tudo, ele não estressa. Jogo de cintura é muito brasileiro”, admite. E acrescenta que houve muitas coisas de improviso, como uma cena de An­thony Hopkins. “Ele é alcoólatra e há 36 anos frequenta o AA [Alcoólicos Anônimos]. Ele quis fazer esse filme porque me disse que o personagem era ele. E disse: ‘Vou contar a minha história’. É dele a história da oração mais curta. Grande parte do texto é dele mesmo. Gosto de estimular e ser surpreendido.”

Com tantos deslocamentos, Meirelles explica que equipe principal é sempre a mesma. “Mas em cada país há uma equipe local. Pra mim funciona bem, funciono como chefe de equipe. É uma grande diferença.”



Maria Flor, que também estava na coletiva, conta que o ponto importante para ela ser escolhida era ter de dizer textos em inglês, o que achou difícil, pois “não podia ficar presa ao texto”. “Não sabia que ia contracenar com o Hopkins” e, ao contrário do que acham, eles não ficaram amigos. “Nas produções internacionais cada um tem o seu trailer e ele é muito reservado. Mas foi muito bom trabalhar com ele, fiquei muito feliz.”

Sobre os outros membros do elenco, Fernando conta que, mesmo com cachê baixo, os atores foram topando, pois eles iam precisar dispor de pouco tempo. “Sou grande fã do Jamel [Debbouze, que faz o papel de argelino].”

Uma das coisas que não funcionam no filme é justamente a quantidade de personagens e histórias. Para Fernando Meirelles, também foi uma barreira. “Todas as histórias têm menos tempo do que eu gostaria. Acaba que elas se tornam superficiais. No tema geral, aí o filme funciona”, comenta ele sobre o que pode ser classificado como um “novo gênero” do cinema mundial, já que muitos cineastas têm feito esse tipo de história, haja vista “Babel”, “Crash – No Limite”, entre tantos outros, inclusive de mesma autoria do primeiro, Alejandro González Iñárritu, autor também de “21 Gramas” e “Amores Brutos”.

Cada história possui mais material filmado e é na montagem que se vai enxugando. Sobre incluir essas cenas no DVD, ele ainda não pensou, mas disse à repórter que “é uma ideia”, já que a cena do Hopkins era maior, por exemplo. “Tínhamos nove minutos e ficamos com pouco mais de quatro.”

Projeto
Assim como fez enquanto filmava “Ensaio Sobre a Cegueira”, Fernando Meirelles também escreveu um blog de “360”. “Há mais ou menos nove textos e procurei escrever sobre os personagens, já que cada semana tinha um ator novo.”

Seu próximo filme será a adaptação do livro do bilionário Onassis, “Nêmesis”. “Vai ser anunciado durante o Festival de Toronto e começa a ser rodado em novembro. Paramos no Natal e voltamos em fevereiro e março. O filme tem o dobro do orçamento do ‘360’ e é mais ambicioso. Acho que vou perder meu visto americano”, brinca.

Ele conta ainda que Bráulio Mantovani (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”) é o roteirista. “O filme vinha pronto, mas quando me mandaram, vi que a história era boa, mas o roteiro não. A [produtora inglesa] Pathé contratou o Bráulio e foi mais prazeroso desenvolver o roteiro com ele de novo. Pena que não fiz mais roteiros nos últimos 10 anos”, lamenta.

Depois da produção, ele afirma que prometeu a ele mesmo e à crítica de cinema Maria do Rosário Caetano (autora de sua biografia), que vai rodar um filme nacional. “Devo fazer uma comédia, mas ainda não sei”, informa.



Cinema Nacional
Recentemente, Fernando Meirelles deu uma declaração pouco amistosa sobre o público brasileiro e o prestígio do cinema nacional, com foco em “Xingu”, do qual é produtor. Para esta fita, segundo ele, a meta são 300 mil espectadores. Meirelles explica que “Xingu” custou 12 milhões. Segundo ele, para empatar o custo, eram necessários 1,6 milhão de espectadores. “O filme vai chegar a 300 mil e vai virar minissérie na Globo. Falei aquilo porque ia fazer filme ‘Sertão Veredas’ e seria uma grande produção, mas o público brasileiro não está interessado em filme de jagunço, por isso desisti.”

Uma coisa pela qual ele anda se interessando é o que chama nos Estados Unidos de “video on demand”, ou seja, o telespectador compra o que quer ver. “Estou interessado em replicar isso no Brasil. Lançam na TV um mês antes dos cinemas. Depois que sai nos cinemas, o preço vai de 18 dólares para 9. Quando sai do cinema, cai para 5 dólares. Acho muito interessante para o Brasil, pois tem filme que some. Estou começando a trabalhar nisso com TV a cabo. Estamos tentando juntar pacotes e deixar dois anos em cartaz na TV.”

Para Meirelles, os filmes que funcionam para o público são as comédias, como “E Aí… Comeu?”, que ultrapassou dois milhões de pessoas na bilheteria. “A classe C tem um público formado em TV, e está mais interessado em cinema hoje em dia. Não tenho dúvida que o público você forma. O cinema começa a fazer parte da vida da pessoa. Particularmente não tenho interesse em fazer esse tipo de filme.”



Crítica
Várias histórias se misturam no longa-metragem “360”, de Fernando Meirelles. A fita começa com uma moça eslovena, Mirka (Lúcia Siposová), posando para o fotógrafo Rocco (Johannes Krisch), que serão inseridas na internet, em um dos sites de acompanhantes. Enquanto isso, sua irmã mais nova, Anna (Gabriela Marcinkova), apenas observa.

Seu primeiro encontro foi agendado por um executivo que viaja muito a trabalho e sente falta da família, e por isso contrata prostitutas. O personagem é vivido pelo inglês Jude Law, e ele vai desenrolando outras histórias, já que é casado e leal à sua esposa (Rachel Weisz). Então, passa a ser chantageado por um cliente, que propõe um negócio ou conta para a esposa que dormiu com prostituta.

As diferentes histórias são apresentadas ao espectador e, de certo modo, conectadas, até que volta para o ponto inicial (daí o nome “360”), ou seja, a prostituta que quer enriquecer rapidamente (mais ou menos o tema de “Slovenin Girl”).

A questão é que o longa tem muitos personagens e conta diferentes histórias, que se passam em continentes distintos, de modo que acabam se tornando rasos demais.

Além da história da prostituta e do executivo, o espectador vai acompanhar a da esposa, que também não é santa, já que mantém um caso com o fotógrafo brasileiro, Rui (Juliano Cazarré), que, por sua vez, namora Laura (Maria Flor). Quando ela descobre que está sendo traída, vai embora para o Brasil. No avião, que faz conexão em Denver e Miami, conhece o britânico John (Anthony Hopkins). No mesmo aeroporto, conhece Tyler (Ben Foster), um criminoso condenado por abuso sexual, que acaba de sair da prisão e está em condicional. A cena, aliás, é uma das mais tensas, já que envolve bebida e desilusão, por parte da brasileira.

Já em Paris, um viúvo argelino (Jamel Debbouze) tenta decidir entre sua paixão por sua funcionária casada, a russa Valentina (Dinara Drukarova), ou por sua fé muçulmana. E que, de certo modo, acaba se conectando à história da prostituta.

“360” é um filme sobre escolhas. Inclusive do diretor, que escolheu dirigir um filme com o qual não concorda, embora extraia interpretações incríveis dos atores, incluindo Jude Law e Rachel Weisz, vencedora do Oscar por sua atuação em “Jardineiro Fiel”, do próprio Meirelles.

terça-feira, 27 de março de 2012

Heleno

Tatiana Babadobulos

Heleno. Brasil, 2011. Direção: José Henrique Fonseca. Roteiro: José Henrique Fonseca e Fernando Castets. Com: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Othon Bastos, Angie Cepeda, Herson Capri. 116 minutos.


Quem acompanha futebol e conhece histórias de “jogadores problemas”, como Romário, que tinha fama por não gostar de treinar; Edmundo, que adorava uma briga; Adriano, demitido recentemente do Corinthians, por viver se metendo em confusão, saiba que todos esses, do nosso tempo, têm um precedente. O nome dele era Heleno de Freitas e jogava no Botafogo, do Rio de Janeiro, nos anos 1940.

Sua história é contada no longa-metragem “Heleno”, e tem Rodrigo Santoro na pele do protagonista. A fita tem previsão de estreia no dia 30 de março.

Em entrevista coletiva realizada em São Paulo, o diretor José Henrique Fonseca (“O Homem do Ano”) explica que não se trata de “um filme sobre futebol”, mas há elementos que devem agradar ao amante do esporte. “O filme é cercado de futebol”, diz o diretor, citando a camisa sem número, tal como era usada na época, a bola, que era diferente, assim como o tecido da camisa e a chuteira.

O filme se passa no Rio de Janeiro e cumpre um arco que vai do auge da carreira do jogador, no Botafogo (Rio de Janeiro), até a sua morte, em um asilo em Barbacena (Minas Gerais). Heleno era intempestivo, fumava, bebia, era boêmio, cheirava éter e contraiu sífilis, causa de sua morte, já que se recusava a fazer o tratamento. Nesse meio tempo, porém, quando não estava com a esposa Silvia (Alinne Moraes) ou com a amante Diamantina (a colombiana Angie Cepeda), uma cantora do Copacabana Palace, onde morou, estava no clube, se achando o melhor jogador do mundo, que fazia tudo sozinho, apesar dos companheiros de equipe, sempre por amor à camisa. Coisa que não se vê mais hoje em dia. Como lembrou Zé Henrique, na coletiva, “Adriano foi jogar no Flamengo pelo amor ao Flamengo mais um milhão”. É bem por aí o que acontece hoje em dia.

Rodrigo Santoro, que também atua como produtor do longa, lembra que ser jogador naquela época era diferente de atualmente. “A diferença é a mídia”, completa, lembrando que, para a época na qual viveu, Heleno era cheio de atitude. “Ele tinha uma relação com a plateia, se deliciava movendo a multidão. Pulava no alambrado, era vaiado ou aplaudido”, diz Rodrigo, que já tinha ouvido falar do jogador, mas acredita que a sua geração não o conheceu. “Meu avô tem 95 anos e ficou emocionado quando contei sobre o filme. Ele disse que jogava muita bola, mas adorava uma confusão.”



Anos 1940
Para criar o clima dos anos 1940 na película, o diretor optou por filmar em preto e branco juntamente com o diretor de fotografia Walter Carvalho (“Central do Brasil”). “Primeiro pela cor perfeita para esse filme, e também porque é fetiche de todo cineasta fazer filmes em preto e branco”, esclarece o diretor. Segundo ele, com o preto e branco muita coisa pode ser imaginada. “Não precisamos recriar a cor exata da cortina do Copacabana, por exemplo”, diz.

Outro recurso para levar o espectador à época é a câmera baixa nas cenas de futebol que, aliás, são bem poucas. “Para trazer a realidade da época, escolhemos um jogo para dar ideia dos anos 1940 e não parecer artificial.”

Para viver o jogador, Rodrigo Santoro fez aulas de fundamentos de futebol com o ex-jogador Claudio Adão. “Foi uma das partes divertidas”, explica Rodrigo, que pediu para atuar nessas cenas de modo a entrar de cabeça no personagem. As aulas foram para aprimorar os fundamentos, já que o ator só costuma jogar “pelada” com os amigos. “Heleno também era conhecido por matar a bola no peito, de uma forma que a bola parecia colar no corpo”, arremata.

Para o final do filme, quando o jogador está definhando devido à doença, Rodrigo Santoro perdeu 12 quilos. “Filmamos durante 11 semanas [o que é considerado muito, já que a maioria dos filmes é feita em oito], pois paramos 40 dias para o Rodrigo emagrecer”, completa Fonseca. O custo da produção foi de R$ 8,5 milhões e contou com apoio de Eike Batista. “Ele bancou metade do filme”, acrescenta. “Há oito anos trabalhando para viabilizar o projeto, financiamento está mais difícil hoje e estamos dividindo com outras áreas. Encontrar a locação também foi difícil.”

Para construir sua personagem, Rodrigo Santoro explica que se inspirou em fotografias, foi à cidade onde Heleno nasceu. “Acho que ninguém é bom ou mau, tudo isso existe dentro da gente. O que fiz foi colocar pra fora. É uma personagem que me provocava e fui tentando me aprofundar.”

Alinne Moraes, no papel da esposa de Heleno, explica que nunca gostou de futebol, mas tentou pesquisar um pouco. “A neta do Heleno estava com a gente, e a esposa dele não era uma ‘Maria chuteira’. Ela se apaixonou, teve admiração, era uma grande mulher. Não que ela estivesse se sentindo traída, mas se sentia solitária, principalmente durante a gravidez.”

Heleno tinha o sonho de participar de uma Copa do Mundo, mas, por conta da Segunda Guerra Mundial, os torneios 1942 e 1946 foram cancelados. Outro sonho era jogar no Maracanã. Essa partida, porém, é a incógnita do filme.

Crítica
Poucas pessoas que hoje frequentam o cinema sabem quem foi Heleno de Freitas, personagem-título do longa-metragem “Heleno”. Talvez esse seja um dos problemas para aumentar o interesse do público do filme de José Henrique Fonseca. Mas, ao mesmo tempo, por se tratar de futebol, uma grande paixão nacional, dá para se imaginar as salas cheias. E, para completar, a fita ainda traz Rodrigo Santoro, ator talentoso e de grande sucesso dentro e fora do Brasil.

Pelo fato de a história ser contada de maneira não linear, o vai e vem no tempo cansa um pouco o espectador. O recurso é bastante utilizado quando se trata de uma trama bastante conhecida, o que não é o caso, ainda que se trata de uma história real. O diretor afirma que a opção foi para não fazer um drama e sensacionalismo muito grandes em torno da tragédia.

O preto e branco enaltece a forma e mostra que existe espaço nos cinemas de hoje, haja vista “O Artista”, longa-metragem francês que ganhou o Oscar de Melhor Filme este ano.

Mas o longa-metragem mostra que Heleno era o terror das mulheres, vivia para beber, fumar, cheirar éter. Morreu de sífilis. E magoava a esposa, quando resolvia pular a cerca. Outro ponto bastante explorado é a sua arrogância, já que se achava melhor do que os companheiros de equipe (embora, de fato, fosse). E o foco é sempre nos campos profissional e pessoal, e menos do gramado, de modo que faz com que o longa não seja um filme sobre o futebol, mas um filme que contém elementos futebolísticos. E, mais uma vez, o erro ao exaltar um jogador tempestivo é da mídia, que o idolatra e faz com que ele se sinta maior que ele mesmo. Um erro que é cometido até hoje, e não apenas com craques do futebol, mas também em outras modalidades esportivas.

“Heleno” é um belo filme, ainda que um pouco irregular, mas que desperta a paixão pela camisa e enaltece o trabalho de Rodrigo Santoro, que há muito não precisa provar por que chegou lá!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Meu País - Entrevista


Tatiana Babadobulos

Com filmagens no Brasil e na Itália, “Meu País”, longa-metragem de ficção de estreia de André Ristum, conta a história de uma família que, após a morte do patriarca (Paulo José), os dois irmãos, Marcos (Rodrigo Santoro), que vive com a esposa (Anita Caprioli) na Itália, e Tiago (Cauã Reymond), que vive em São Paulo para cuidar dos negócios da família, precisam decidir os rumos das empresas. Os dois precisam resolver também outra pendenga: o destino a meia-irmã, Manuela (Debora Falabella), fruto de um caso extraconju­gal do pai, que tem problemas mentais e está internada em uma clínica no interior do estado.

Em entrevista coletiva à imprensa, Ristum explica que as filmagens foram feitas na capital paulista, além dos arredores de Paulínia e Indaiatuba, em um casarão, onde foram feitas as cenas internas. “As filmagens na Itália, cenas do início do filme, foram rodadas por último, em Roma.” Durante as filmagens, os dois atores conviviam como uma família, como irmão mais velho e mais novo, de modo que quando a meia-irmã chegou em cena, era como uma estranha, combinando justamente com o tema da fita.

Depois de sucesso no Brasil e no exterior, interpretando personagens que falam inglês e espanhol, Rodrigo Santoro afirma que falar italiano foi mais um desafio de sua carreira, além de a personagem remetê-lo às raízes de suas família. “Sou filho de italiano na vida real. Meu pai veio cedo da Itália, não cresci falando italiano, mas sempre tive vontade de falar. E a única referência que tinha era os meus avós discutindo em italiano para a gente não entender (risos). Fiz aulas intensivas com professores no Rio e em São Paulo, e tive ajuda do André, que é 'mezzo' italiano, 'mezzo' brasileiro, além da atriz Anita, que é italiana. Então, eu estava bem cercado.”

Outra questão é que Rodrio Santoro não precisou aprender a falar italiano, mas precisou trabalhar basicamente as falas do filme. “Foi um mergulho maravilhoso em vários sentidos e em minhas próprias raízes”, diz Rodrigo, lembrando que nunca é confortável interpretar em outra língua. “Nem em português é confortável (risos). Acho um aspecto positivo, pois quando a gente acha que o jogo está ganho, a gente perde. Foi um trabalho constante, um desafio e sempre ficava muito atento”, completa. “Mas é bom, agora eu assisto e tenho certeza que meu avô vai chorar de rir! (risos)”, completa, cheio de humor.

André Ristum conta que a história que escreveu (ao lado dos roteiristas Marco Dutra e Octavio Scopelliti) foi inspirada em sua própria vida, já que nasceu e cresceu na Itália. “É sobre o cidadão que mora fora, distante de suas raízes, de seu país. É uma questão que sempre foi muito presente pra mim. Até uma fase da minha vida, esta era uma questão que eu me colocava. Para quem nasceu, cresceu e mora em um único país, talvez seja difícil de entender, mas quem mora lá e cá e é estrangeiro em qualquer um dos países, é uma sensação forte não saber de onde você pertence. Fui nos últimos 15 anos evoluindo e hoje sou completamente enraizado no Brasil. Essa é uma questão resolvida na minha vida atualmente. A história do Marcos é diferente da minha, mas teve esse ponto de partida para inspiração.”

Rodrigo Santoro conta que, como o filme está sendo lançado, espera que seja bastante visto, mas foi muito importante participar. “O convite veio do Fabiano (Gullane, produtor), parceiro antigo, pois fizemos 'Bicho de Sete Cabeças' e 'Carandiru', que me ligou para mandar o roteiro e eu falei que estava saindo de férias. Mesmo assim, ele falou que mandaria para eu ler. Li à noite, porque é um termômetro ler antes de dormir. E li de uma vez”, diz. Uma semana depois, continuava pensando na história. “Passou uma semana e eu pensando nas férias, no surfe, mas tudo ficava brigando com a história. Pensei bastante e algumas coisas me pegaram (positivamente), como falar de família, de afeto, já que a gente está cada vez mais voltado para si mesmo, difícil de se relacionar, coisas fundamentais na vida do ser humano e adiei as férias para fazer o filme. Experiência incrível de trabalhar com o elenco, o italiano etc.”

Para o diretor, tratava-se de um roteiro de personagens, atores, não havia tiros, capotamentos. “Para mim, era fundamental contar com atores talentosos que pudessem acrescentar no processo. A busca foi essa e não de escolher atores globais, mas de trazer atores que eu visualiza e que admirava o trabalho. E tive muita felicidade em ver que todas as minhas primeiras escolhas deram certo.”

Ao contracenar com a atriz italiana, Rodrigo diz que ela foi muito parceira e paciente. “Eu pedi para ela me corrigir, porque eu me confundia muito, já que estudei espanhol e, toda vez que tentava me expressar em italiano, cometia algum tipo de erro. Sou muito cara de pau, quando não sei, invento a palavra. Em inglês cansei de fazer isso, colocava o “ation” no final. Eu jogo, se colar, colou! (risos)”, completa Rodrigo Santoro.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Cilada.com


  Tatiana Babadobulos



Cilada.com. Brasil, 2011. Direção: José Alvarenga Jr. Roteiro: Bruno Mazzeo, Rosana Ferrão. Com: Bruno Mazzeo, Fernanda Paes Leme, Serjão Loroza, Marcos Caruso, Augusto Madeira, Fulvio Stefanini, Thelmo Fernandes, Carol Castro, Fabiula Nascimento, Dani Calabresa. 90 minutos.

Depois de terminar o namoro por conta de uma traição pública, Bruno (Bruno Mazzeo) é alvo da vingança da namorada, Fernanda (Fernanda Paes Leme). E é justamente essa vingança que vai resultar o verdadeiro enredo do longa-metragem “Cilada.com”.

Isso porque ela resolve colocar um vídeo do ex-namorado na internet em uma situação constrangedora. Mas o problema maior é que ele mexe com a virilidade masculina, com a sua vaidade, já que ele sofre de ejaculação precoce. Porém, o vídeo se espalha com uma velocidade incrível, como é comum quando se fala da rede mundial de computadores, e Bruno pensa em um jeito de como reverter essa situação, já que caiu em uma cilada. Na ânsia de tentar consertar a sua reputação, Bruno só aumenta o problema.

E é justamente a partir da ideia que recebe do amigo Sandro (Augusto Madeira), que o filme se alimenta e surgem algumas piadas. Trata-se de uma comédia, mas também com um toque de  romance. O problema é que muitas vezes a piada não funciona, é forçada, sem graça e chega ao ponto da grosseria, principalmente por conta da escatologia, de algumas serem até preconceituosas. Outro ponto negativo são as cenas previsíveis: é chato para o espectador adivinhar o que será mostrado na sequência.







O filme é baseado na série de televisão “Cilada”, lançada em 2005 pelo canal a cabo Multishow. Bruno Mazzeo também atua como roteirista do longa-metragem, que tem direção de José Alvarenga Jr. ("Divã"). O diretor, que não trabalhou como diretor no seriado, conta que, para levar o seriado da televisão para o cinema, foi necessário pegar “o que tinha de bacana no seriado e ampliar para o cinema”. “Achava que o seriado tinha uma carga emocional que não era explorada no cinema”, completa. Outra questão é que, segundo Alvarenga, no cinema é possível dizer mais coisas que na TV. “O cinema permite o que não é possível explorar na televisão. O cinema é uma escolha, a pessoa está lá para ver o filme; a televisão chega na casa da pessoa.”

Há problemas também com a direção de arte, como o banheiro diferente em duas ocasiões, e até de referências, como as moças que tomam cerveja direto da garrafa em uma festa de casamento.

“Cilada.com” mostra o poder da internet e o limite cada vez menor entre o privado e o público. Em muitas cenas, o filme não funciona, diferentemente do seriado, principalmente por falta de timing de comédia e por estender demais determinados assuntos, que talvez funcionasse se fosse mais rápido. Uma pena.

 Mesmo que o filme tenha acabado de estrear, a produção é otimista. Já tem a sequência do filme confirmada. “Só falta a história”, arremata Bruno.

sábado, 26 de março de 2011

VIPs

Tatiana Babadobulos

 VIPs. Brasil, 2010 Direção: Toniko Melo. Roteiro: Bráulio Mantovani e Thiago Dottori. Com: Wagner Moura, Jorge d'Elia, Gisele Fróes, Arieta Correia. 96 minutos
"VIPs”, novo trabalho do ator Wagner Moura, conta a história real de Marcelo da Rocha que, desde pequeno, gosta de imitar as pessoas e se faz passar pelos outros. Do Paraná, onde vive com a mãe, que é cabeleireira, pega o ônibus para Cuiabá, em Mato Grosso, a fim de aprender a pilotar avião, tal como o seu pai. No entanto, é a partir do trabalho que consegue no hangar como lavador dos aviões é que vai começar a escrever a sua própria história e não ter o futuro traçado como um “Zé Ninguém”.

Seu caminho para tirar o brevê (a carteira de piloto) não será a normal, como todos os pilotos o fazem. A certa altura, ele vai trabalhar para um traficante paraguaio e ser procurado pela polícia. Golpe após golpe, o maior de todos será se passar pelo empresário Henrique Constantino, filho do dono da companhia aérea Gol. No resort repleto de personalidades da televisão e do show business, ele vai ter de se virar para continuar sendo quem ele acha que é.

Para viver o protagonista, ninguém faria tão bem o personagem de mil facetas quanto Wagner Moura, que ultimamente tem se destacado no cinema no papel de capitão Nascimento, em “Tropa de Elite”. A fita, dirigida por Toniko Melo (da série “Som & Fúria”), é baseada no livro homônimo de Mariana Caltabiano. O roteiro, porém, tem assinatura de Thiago Dottori e do premiado Bráulio Mantovani que, entre outros, escreveu “Cidade de Deus”, dirigido por Fernando Meirelles, que aqui atua como produtor executivo ao lado de Paulo Morelli e Bel Berlinck.

Em entrevista coletiva concedida à imprensa, Toniko e Bráulio falaram sobre a adaptação. Segundo o roteirista, o personagem nasceu a partir da frase do verdadeiro Marcelo, quando disse que havia sido preso por não ter conseguido sair do personagem. “E daí fomos construindo as características de trás pra frente.” Características, aliás, muito psicológicas, a ponto de uma das principais plateias para a finalização do longa terem sido repletas de psicólogos, psicanalistas, psiquiatras etc.

De acordo com Toniko, só a história real de Marcelo não sustentaria um filme de duas horas. Por esse motivo, há muita ficção misturada. “As histórias reais normalmente são mais pitorescas. E aqui eu precisava de algo para fechar o arco dramático, ou ficaria apenas golpe atrás de golpe. No filme, demos um objetivo ao personagem, fizemos um cara que buscava alguma coisa.”

Com um orçamento de R$ 8 milhões, bem abaixo das últimas produções nacionais que beiram os R$ 20 milhões, Toniko Melo, em sua estreia em longas-metragens, consegue contar uma história real, mas com elementos ficcionais, sem perder a mão ou entediar o espectador. E Wagner Moura prova, mais uma vez, o grande ator que é, principalmente por conta dos seus 34 anos.

Quando leu o roteiro, o ator teve a percepção de que era alguém que estava procurando saber quem é. “Achei linda essa busca, porque é um menino brilhante e talvez não tenha conseguido canalizar esse talento para fazer algo bom”, pontua.

Wagner conta que se propôs a fazer um menino que quer ser alguém e não fazer o estelionatário. “Queria fazer todos os meus personagens assim, com essa honestidade.” O objetivo de Marcelo, portanto, é ser alguém na vida, correr atrás do seu sonho. E, como há muitas cenas no ar, mostrando o rapaz aprendendo a pilotar, o diretor conta que, no céu, apenas profissionais fizeram o voo. “Há cenas que nem um piloto comum seria capaz de fazer. Ali, quem pilota é alguém da Esquadrilha da Fumaça, um craque.” Mas a repórter não se contentou e quis saber: assim como seu personagem, Wagner Moura aprendeu a pilotar? “Sim. As cenas em que apareço taxiando, sou eu, assim como todas as outras no chão. Aprendi bastante coisa”, diz, achando graça.

Além do objetivo que ele tem na vida, o longa dá conta de mostrar como as pessoas são interesseiras, que buscam pessoas conhecidas para se enturmar, e querem estar onde está o dinheiro, o luxo, a mordomia. E também mostra como as coisas acontecem nos camarotes do Carnaval pernambucano com música eletrônica.
Apresentador Amaury Jr. fez uma participação especial no filme

Versatilidade
Versátil como poucos atores de sua geração, Wagner Moura mostra, em apenas um filme, que pode se transformar diversas vezes, mas sem perder o foco da história que está contando. Para se ter ideia, além de mostrar o tal piloto, e depois empresário, há uma sequência na qual ele interpreta uma canção da Legião Urbana, banda liderada por Renato Russo. Na trama, ele canta “Será?”, um dos primeiros sucessos da Legião. Wagner que, na vida real, tem uma banda, “Sua Mãe”, mostrou a dança igualzinha a de Renato. “Aquela no filme é a minha banda”, entusiasma-se. “Eu não perco a oportunidade de mostrar a minha própria banda”, completa.

De acordo com Bráulio Mantovani, o Marcelo imitava Bono Vox, vocalista da banda irlandesa U2. “Mas era muito caro, então fizemos a Legião Urbana, porque o Toniko tinha dirigido o primeiro clip da banda, que, inclusive, aparece no filme.”
Além de contar a história de Marcelo da Rocha, “VIPs” trata do relacionamento de pais e filhos, além da busca do garoto, já que quer ser alguém na vida. Para mostrar as diferentes fases do personagem, sempre vividas por Wagner Moura, a maquiagem é a responsável, principalmente pelo cabelo, que vai mudando com o passar dos anos.

O fato de a mãe do rapaz ser cabeleireira mostra o quanto ela valoriza a aparência e as celebridades das revistas, que cola no espelho do salão onde trabalha. Assim, aparecer ao vivo no programa de Amaury Jr., e se fazer passar por quem não é, significa que o rapaz quer aparecer para ela. O caso, porém, pode ser analisado por especialistas da área. O cinema trata de contar uma história. E que história!

No papel da mãe de Marcelo, a atriz Gisele Froes. “É impressionante como o olhar da mãe é essencial para mostrar quem a gente é”, pontua Wagner Moura. “O da personagem de Gisele é torto. Ele pergunta: 'Me diz quem eu sou'. Ela fica olhando e diz: 'Ah, você é assim...', e ele rebate: 'Assim como?' e muda de assunto. Essa cena me arrepia, é a melhor cena do filme para mim”, completa Moura.
A participação do ator argentino Jorge D'Elia, no papel do patrão paraguaio, também foi bastante festejada, tanto por ele quanto pelo elenco e diretor. “Se eu recebesse um prêmio na Argentina, seria mais um, mas receber um prêmio aqui foi algo extraordinário”, diz o ator, que recebeu o troféu Redentor durante o Festival do Rio. A fita venceu também nas categorias de Melhor Filme, Ator e Atriz Coadjuvante, além de outros festivais. “Cheguei a um lugar desconhecido e encontrei muitas pessoas. E então percebi que estava entre os melhores.” É verdade.
“VIPs” é uma história sobre o golpista, mas nada tem a ver com o “Prenda-me se for Capaz” ou “O Golpista do Ano”, pois, nessas duas, os golpes envolvem falsificações para arrecadar passagens aéreas ou dinheiro de seguro. Em “VIPs” os golpes são com pessoas da high society.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Francis Ford Coppola

Tatiana Babadobulos

Qual é o primeiro filme que lhe vem à cabeça quando se fala em Francis Ford Coppola? Se for "O Poderoso Chefão", saiba que não é o único. A trilogia, que começou em 1972, rendeu ao diretor fama, dinheiro, prêmios e a lembrança de milhares de pessoas ao redor do mundo, mesmo mais de 38 anos depois.

Além da trilogia, Coppola é autor de outras obras igualmente importantes, como "Apocalypse Now". Hoje, aos 71 anos, ele nem pensa em se aposentar. No início de dezembro, o cineasta esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro para lançamento de sua mais nova obra: "Tetro". O longa-metragem tem roteiro original de sua autoria e é o primeiro desde "A Conversação" ("The Conversation"), de 1974. A trama se passa na Argentina e conta a história de dois irmãos: Bennie (Alden Ehreinreich), de 17 anos, e Tetro (Vincent Gallo). A bordo de um navio, Bennie chega a Buenos Aires com o objetivo de encontrar seu irmão mais velho, que está desaparecido há mais de uma década.

A família dos rapazes, de sobrenome Tetroccini (daí o nome Tetro), se mudou da Itália para a Argentina quando eles ainda eram crianças mas, graças ao sucesso do pai (Klaus Maria Brandauer) como maestro, logo foram viver em Nova York. E depois Tetro, que na verdade nasceu Angelo, voltou para a América do Sul, onde se casou com Miranda (Maribel Verdú), médica que conheceu enquanto estava no manicômio. Mas quando Bennie encontra o irmão, não é quem esperava. Isso porque Tetro tornou-se um poeta melancólico, bem diferente da pessoa que Bennie se lembrava.

Qualquer semelhança com a sua vida real e com o longa-metragem "O Selvagem da Motocicleta" ("Rumble Fish"), lançado em 1983, com Matt Dillon no elenco, não terão sido meras coincidências. E quem atesta é o próprio Coppola, durante a entrevista coletiva realizada no auditório da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo. A começar de seus pais que foram da Itália para os Estados Unidos.

"Tetro" marca um retorno para as histórias familiares. Como lembra Stéphane Delrome, autor da edição "Master of Cinema", dos Cahiers du Cinéma, o papel de Bennie seria de Matt Dillon, sugerindo que Rusty James, de "Rumble Fish", pode ter se tornado um desiludido garoto da motocicleta.

Francis tem um irmão cinco anos mais velho e queria ser como ele. Daí o tema central de "Tetro": irmão que vai atrás do outro e o admira. No filme, aliás, o mais novo também se torna escritor. Dono de vinícolas no estado da Califórnia, Coppola hoje em dia usa o dinheiro que ganha com a venda de seus vinhos para financiar os seus filmes e, assim, não precisa de outros produtores, principalmente porque faz filmes de baixo orçamento e sempre com a intenção de aprender alguma coisa. “Quero fazer filmes que explorem minha vida, pois você acaba aprendendo sobre você mesmo e entendo sobre a minha família coisas que eu não entendia. O grande prazer da vida é aprender”, afirma.

Ele conta também que seria um presente se acordasse de manhã com um assunto e pudesse fazer um filme. “Eu não faço filmes para ganhar dinheiro ou ficar famoso, mas para aprender a fazer cinema e aprender sobre mim mesmo. Se você come muito, fica gordo. Se corre atrás de belas garotas, deixa sua mulher furiosa. Aprender não é só uma alegria, mas faz bem para você.” 

Durante a coletiva, Coppola aproveitou para elogiar o trabalho da filha, Sofia (autora de "Encontros e Desencontros", "Maria Antonieta" e de "Um Lugar Qualquer", ganhador do Leão de Ouro em Veneza, e ainda sem data de estreia no Brasil) e falou sobre um dos momentos mais impactantes de "Tetro": quando o pai fala para o filho que "só há lugar para um gênio" na família. "A frase não foi dita por mim nem para mim, embora seja muito dolorosa."

Em "Tetro", há uma crítica de teatro, Alone, que é interpretada por Carmen Maura. Ele conta que o papel foi inspirado na obra "Noturno do Chile", do chileno Roberto Bolaño, no qual há um personagem que é um crítico. “No Chile, há um crítico chamado Alone. Javier Barden faria este papel, mas depois do Oscar ele não pôde. Eu ia usar outro nome para o personagem, mas como é uma mulher que fez o papel, resolvi manter o nome do crítico verdadeiro.”

Coppola diz também que acha saudável se inspirar em outro artista. “Meu pai, que é músico, tem um slogan: 'roube sempre dos melhores'. Músicos estão sempre roubando. Quando eu estudava teatro, admirava Tenessee Williams, Elia Kazan e Marlon Brando. Só agora tive a chance de colocar isso nos meus filmes."

O cineasta este à vontade durante a entrevista e disse, assim que chegou, que estava sonolento, então que os jornalistas o perdoassem se estivesse esquecendo os nomes. No entanto, ignorou o apelo das assessoras de imprensa quando pediu para terminar a entrevista e ele ainda deu oportunidade para que mais quatro perguntas fossem feitas pelos repórteres. De bom humor e com modéstia extrema, ele afirma que, no geral, as pessoas são generosas com ele, de modo que olham os filmes que fez há 30 anos, como a trilogia de "O Poderoso Chefão", e os admiram. Mas ele brinca quando diz que não vai estar aqui em 30 anos para saber o que as pessoas acham dos filmes que fez agora.

Sobre o futuro do cinema, Coppola afirma não gosta muito da tecnologia 3D, principalmente porque não gosta de usar os óculos necessários. Segundo ele, "o cinema é feito de roteiro e atuação”. “O meu novo filme tem duas cenas em 3D. Uma no meio e uma no final. Mas o 3D é o menos importante." 

Na época do colorido, imagens que extrapolam a tela, Francis Ford Coppola resolve lançar um filme em preto e branco e é elogiado. “Eu queria fazer 'Tetro' em preto e branco porque acho bonito. O preto e o branco têm diferentes tons de cinza e os fotógrafos expressam melhor as luzes e as sombras. Fiz preto e branco tal como fiz 'O Selvagem da Motocicleta' ('Rumble Fish')”, explica. E o colorido em algumas cenas foi usado para diferenciar as imagens em flashback de um modo que as pessoas pudessem entender que se tratava do passado.

O diretor ainda comentou sobre a escolha de atores não muito consagrados, às vezes até desconhecidos, e atores jovens. Ele conta que gosta de trabalhar com todas as idades e que prefere os desconhecidos porque é o que pode pagar. Sobre possível dificuldade de trabalhar com Vicent Gallo, ele conta que não teve nenhum problema, nem com com o Val Kilmer, que vai estrelar sua próxima obra, 'Twixt Now and Sunrise', também pessoal, mas em cor.

Biografia
Nascido em Detroit, nos Estados Unidos, dia 7 de abril de 1939, Coppola teve sua primeira nomeação para o Globo de Ouro de Melhor Atriz com a versão para cinema do musical da Broadway, "Finian's Rainbow", protagonizado por Petula Clark e pelo veterano Fred Astaire.

Em 1971, o cineasta ganhou um Oscar pelo seu roteiro em "Patton". Em seguida, foi indicado como roteirista e diretor de "O Poderoso Chefão", assim como para "O Poderoso Chefão II", em 1974, quando ganhou de Melhor Filme.

Após o sucesso dos dois longas-metragens, Coppola dedicou-se a "Apocalypse Now", baseado em "Heart of Darkness", de Joseph Conrad. A realização do filme foi marcada por inúmeros problemas, desde tufões e abuso de drogas, até o ataque de coração de Martin Sheen e à aparência inchada de Marlon Brando, que Coppola tentou esconder, filmando-o na sombra. O filme foi adiado tantas vezes, que chegou a ser alcunhado de "Apocalypse Whenever".

Somente em 1982 é que Francis voltou à realização, com o filme "One From the Heart", um grande fracasso, quando contraiu uma dívida de US$ 30 milhões. Isso, somado a falência de seu estúdio, o American Zoetrope, fez com que o diretor entrasse em um período conturbado e teve que aceitar dirigir e associar seu nome a diversos trabalhos encomendados.

Em 1990, completou a série de "O Poderoso Chefão" que, apesar de não ter sido tão aclamado pela crítica como os anteriores, foi um grande sucesso de bilheteira. Em 1992, ganhou um Leão de Ouro concedido pela sua carreira.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Jean Charles

Tatiana Babadobulos

O fato não aconteceu há muito tempo, mas, com o intuito de “celebrar a vida” de Jean Charles de Menezes, assassinado por agentes do serviço secreto britânico, em 22 de julho de 2005, em Londres, o diretor Henrique Goldman resolveu contar a sua história no cinema.

O filme leva o nome do eletricista que vivia na capital inglesa, “Jean Charles”, e a produção foi feita em conjunto entre Brasil e Inglaterra.

Embora o episódio não tenha tido uma resolução, uma vez que a família ainda luta por justiça, o diretor diz que o filme, cujas cenas foram escritas com base em pesquisas nos laudos policiais, ajude a solução e que “leis melhores entrem em vigor”.

Para construir a história que revela os últimos meses da vida do eletricista de Minas Gerais, a partir da chegada a Londres de sua prima Vivian, que vai morar com ele e os primos Alex e Patrícia, os roteiristas e os atores conheceram algumas das pessoas que conviveram com Jean Charles durante o tempo que ele passou em Londres. A prima dele, Patrícia Armani, aliás, vive ela mesma no filme e foi uma das pessoas que mais influenciaram na construção das cenas.

Vanessa Giácomo, que interpreta Vivian, conta que não leu o roteiro antes. “Tive dois encontros com ela. Fui para Gonzaga [cidade de Jean Charles] e conheci os pais dela e os de Jean”, diz. Ao chegar ao velho continente, Vivian começa a trabalhar em um restaurante com a ajuda de Jean.

Ao contrário da atriz, Selton Mello não teve acesso a nenhuma imagem em movimento de Jean Charles. “Só vi fotos e ouvi muitas histórias. Nasci em Passos, no sul de Minas Gerais, fui criado em São Paulo, e a maneira como ele se assombrou com Londres não é muito diferente de como foi comigo. Eu queria ir à estação de metrô de Stockwell, onde há um santuário em homenagem a ele, pedir licença porque eu ia interpretá-lo, mas o Henrique achou melhor eu não ir porque eu estava lá para fazer a vida dele e não sua morte”, diz Selton. Outra coisa foi que ele não conheceu os pais dele.

Se um dos últimos filmes que Selton Mello fez foi "Meu Nome Não É Johnny", sobre a vida de João Estrella, agora ele atua em “Jean Charles”, filme sobre a vida do rapaz assassinado. Sobre essas semelhanças, ou seja, interpretar vida de pessoas, ele diz que a diferença básica é que o João “sempre ia ao set de filmagem”. “Tinha contato direto. E ‘Jean Charles’ eu penso que é um filme sobre um brasileiro. Londres é o terceiro lugar do mundo onde há mais brasileiros, só fica atrás de Nova York e Massachusetts – aliás é difícil falar Massachusetts”, brinca. “Fiquei muito comovido com o filme, adorei. Acho que o Henrique foi preciso. Ele veio de uma escola documental e conseguiu fugir das armadilhas que poderia glorificar o cara”, aponta Selton.

Em destaque nas cenas também estava o personagem Alex, vivido por Luís Miranda, que morava no mesmo apartamento de Jean Charles. Ele conta que o toque de humor de que deu ao seu personagem é uma característica sua, uma vez que trabalhou no “Terça Insana”, além de seu personagem em "Meu Nome Não É Johnny" também ter esse bom-humor. “Este personagem só tomou vida quando cheguei em Londres e lá me deparei com o cara ímpar que é o Alex. Tentei me aproximar dele, beber dos diálogos que ele usa para construir os meus”, diz.

Segundo Henrique Goldman, não há fantasias na história contada no cinema, mas algumas partes foram inventadas para sintetizar a narrativa. “A história foi ficcionalizada para ser mais real. É estranho, mas foi isso”, completa ele.

De um modo linear, Goldman aponta suas lentes para os cartões postais da cidade, como London Eye, Big Ben, Tower Bridge, rio Tâmisa, e para o dia a dia não apenas desses brasileiros, mas também de outros que trocam seu país natal para viver muitas vezes ilegalmente em busca de um bom punhado de libras.

Na primeira versão da montagem havia uma cena que, antes de Jean Charles ser assassinado no metrô, ele falava com os policiais. No entanto, essa cena foi cortada. Segundo o produtor Carlos Nader, aquela cena não existia nos laudos. “Alex me ligou e disse que era para tirarmos a cena porque não havia sido assim. Vimos que tinha procedência real e moral e cortamos os três segundos.”

O diretor afirma que os policiais fizeram de tudo para colocar a culpa em Jean Charles, alegando que ele havia recebido voz de prisão por ter sido confundido com um terrorista, mas isso não aconteceu de fato. “As 19 testemunhas afirmaram isso e o argumento da polícia era que seus agentes se viram diante de um homem-bomba e atiraram em autodefesa. Colocando a cena no filme, mudaríamos os fatos”, conclui. “Cheguei a ligar para o chefe da corregedoria da polícia britânica para checar todos os detalhes. Mesmo porque a cena pode ter implicações legais e buscamos ser o mais preciso possível”, completa o roteirista Marcelo.

Não resta dúvida que se trata de uma boa história a ser contada, uma vez que, mesmo depois de quatro anos, o episódio não teve resolução, haja vista a família que ainda lutar por justiça. O destaque, porém, é principalmente para a interpretação de Selton Mello, que com seu timing de humor apresenta um personagem engraçado e ao mesmo tempo emotivo, por exemplo quando fala com a família ao telefone. O que não se sabe, contudo, é se de fato Selton está interpretando ou se é ele mesmo quem está em cena, uma vez que Jean Charles, um matuto do interior, talvez não tivesse a malevolência do ator, que também é mineiro, mas foi criado em São Paulo.

Destaque também para as tiradas de sarro de Luís Miranda, como quando ele apresenta para Vivian as maravilhas que os eletrodomésticos são capazes de fazer na cozinha.

Como já se sabe o final da história, uma vez que o fato foi noticiado em todos os jornais na época, não existem muitas novidades no filme, a não ser o modo como Henrique Goldman conta a história. No entanto, "Jean Charles" é uma ótima oportunidade de se conhecer o que aconteceu naquele trágico dia, uma vez que o roteiro foi escrito com base nos laudos policiais e nos depoimentos dos amigos próximos. Assim, será possível entender que os policiais, em seus depoimentos, tentaram forjar o ocorrido, alegando que atiraram em autodefesa. Balela.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sexualidade e Transgressão no Cinema de Almodóvar

Tatiana Babadobulos

Cinéfilo desde sempre, frequentador assíduo da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, pós-graduado em Crítica de Cinema pela Faap e um dos autores do blog Cinema com Recheio, Antonio Carlos Egypto será o professor responsável pelo curso “Sexualidade e Transgressão no Cinema de Almodóvar”, que acontecerá no Planeta Tela, de 18 de março a 20 de maio.

Psicólogo educacional e clínico e sociólogo, Egypto conta, em entrevista, um pouco sobre o curso indicado “a todas as pessoas que gostem de cinema, especialmente do cinema do espanhol Pedro Almodóvar”, autor de filmes como “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, “Má Educação”, “Fale com Ela”, “Tudo Sobre Minha Mãe”.

Mais informações sobre o curso podem ser encontradas no site do Planeta Tela.


Como surgiu a ideia do curso sobre a sexualidade e a transgressão na obra de Pedro Almodóvar?
Foi em decorrência de dois anos de estudos sobre o cinema de Pedro Almodóvar, que é um grande autor da contemporaneidade cinematográfica e que sempre me interessou muito. Esse estudo resultou na monografia de conclusão do curso de pós-graduação em “Crítica de Cinema”, na Faap, e pretendo publicá-la em livro, assim que encontrar editora.

Como será o curso?
Tratará da obra cinematográfica de Almodóvar em todos os longas-metragens do diretor lançados comercialmente, focalizando a sexualidade e a transgressão no seu cinema, por meio da apresentação e debate de cenas de seus filmes, distribuídas em 10 aulas semanais, às quartas-feiras, à noite.

Quais os filmes serão estudados?
Trataremos de toda a sua filmografia, enquanto isso ainda é possível, já que são 16 filmes e outro está a caminho. Acredito que o trabalho dele é absolutamente coerente, desde os primeiros, produzidos na efervescência do movimento cultural da movida madrilenha que se seguiu à morte de Franco, até hoje.

Por meio de personagens surpreendentes, tramas improváveis e misturando gêneros cinematográficos, ele celebra a diversidade sexual e humana, combate tabus e preconceitos e descarta todos os tipos de moralismo, com muito humor e uma perspectiva positiva diante da vida, sem ingenuidade e com consciência clara dos problemas a enfrentar. Sua postura ideológica permanece ao longo de toda a sua obra, que amadurece, se sofistica e ganha em ternura e profundidade. Mas pretendo mostrar que o autor Almodóvar de “Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón” ou “Labirinto de Paixões” tem a mesma visão de mundo do autor de “Tudo Sobre Minha Mãe” ou “Volver”. Só que com a idade a gente enxerga outras coisas, avalia melhor o peso que as coisas têm e isso acaba produzindo um trabalho mais maduro e com mais densidade.

Além de sexualidade e transgressão, você também aponta a relação entre a obra de Almodóvar e o franquismo. Por quê?
Na verdade, a transgressão almodovariana é filha do franquismo, foi gestada como reação radical e absoluta ao obscurantismo e à opressão que o ditador impôs à Espanha durante 36 anos. Para entender bem o cinema de Almodóvar, é preciso compreender o que foi o regime de Franco e tudo o que ele produziu de consequências, que ainda estão lá, na Espanha democrática e pluralista de nossos dias, cuja história ainda está se buscando resgatar e envolve milhares de mortos sem sepultura.

A quem o curso é destinado?
A todas as pessoas que gostem de cinema, especialmente do cinema de Pedro Almodóvar. E que gostem de conversar e trocar ideias sobre cinema, sem necessitar de conhecimentos específicos prévios. Pretendo que o curso seja bem participativo, não algo meramente expositivo. É dessa troca que acho que podem sair coisas boas, reflexões interessantes.

Vamos tratar também da metalinguagem, ou seja, o cinema dentro do cinema em Almodóvar. Essas cenas também serão objetos de análise no curso.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Críticos - Neusa Barbosa

Tatiana Babadobulos

A jornalista, crítica e pesquisadora paulistana Neusa Barbosa, que trabalhou no jornal "Folha de S. Paulo" e na revista "Veja S. Paulo". Atualmente, ela edita o site "Cineweb" (www.cineweb.com.br), especializado em cinema, e colabora com as revistas "Bravo" e "Wish Report".

Especialista em crítica de cinema, a jornalista também costuma participar da cobertura de festivais internacionais, como Cannes e Veneza, e nacionais, como Brasília, Recife e Gramado. Além disso, dedica-se a cursos sobre cinema. Seus livros publicados são: "Gente de Cinema – Woody Allen" (Editora Papagaio, 2002), "John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida" (Imprensa Oficial SP, 2004), "Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente" (Imprensa Oficial SP, 2004) e "Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão: Analisando Cinema" (Imprensa Oficial SP, 2006).

Em sua opinião, qual deve ser a formação de um crítico de cinema?
Acredito que um crítico deva ter uma formação universitária e, de preferência, o jornalismo. Entendo que seja válido um outro tipo de reflexão sobre o cinema dentro da universidade, mas, em minha opinião, ela obedece a outros moldes. Acho fundamental que o crítico seja também um jornalista, não um teórico, porque isso pertence a uma esfera diferente (no caso, a universidade ou a docência).

Fora a formação universitária, propriamente dita, o crítico deve certamente acumular uma cultura bem ampla. Não só ver muitos filmes, mas também conhecer profundamente a história do cinema, ler muito, freqüentar exposições de arte, ir ao teatro, assistir a espetáculos de dança. Quanto mais o crítico de cinema tiver uma visão multidirecional, tanto melhor ele vai exercer o seu trabalho – até porque o intercâmbio entre as artes, que sempre existiu, está cada vez maior.

Acho muito importante também que o crítico de cinema seja informado em áreas diferentes, como história, sociologia, psicanálise, filosofia, política etc. Tudo vem somar. Um crítico centrado somente no conhecimento do cinema pode vir a bitolar-se em algum momento. Ou perder de vista novas interpretações do mundo que o ajudarão a exercer melhor seu próprio trabalho.

Qual é a função da crítica cinematográfica?
A crítica é o espaço da reflexão sobre a obra de arte, não meramente um indicador de estrelinhas, como muitas vezes acontece nos meios de comunicação (e não só no Brasil, é bom lembrar). Por “reflexão”, entendo uma interpretação, uma tentativa de ler as idéias, os sentimentos, as intenções, as contribuições que um determinado filme traga à sociedade, naquele momento em que está sendo feito. Fora isso, uma avaliação estética de como ele foi feito é sempre essencial.

Um crítico tem de ter um razoável conhecimento técnico (de roteiro, fotografia, montagem) para poder fazer isso. Acredito que a função crítica cinematográfica também seja uma forma de intercâmbio de idéias com o leitor. Uma visão possível, entre muitas. Não acredito em ditar o que o leitor deve assistir, deve gostar, embora recomendações sejam cabíveis, é claro.

A internet, especialmente, vem se mostrando um bom campo para essa troca. Se bem que ela ainda pode ser mais cordial, mais inteligente, mais fértil, mais produtiva. Muita gente usa a internet para expressar sua raiva, o que é válido, desde que fique dentro dos limites da boa educação. Podemos discordar, até radicalmente, diante de um filme, sem nos ofendermos mutuamente. Um mínimo de civilidade e respeito é preciso.

Quais os critérios que o crítico deve adotar ao exercer a sua profissão?
Ao exercer a profissão, o crítico deve ser atento, informado, conhecer a história do cinema, inclusive do nacional, ver todos os filmes. Esses são os pré-requisitos mínimos. Para se tornar profissional, o gosto do crítico fica em segundo plano. É preciso também despir-se de preconceitos, de idéias pré-concebidas sobre cineastas, atores, gêneros. Não raro somos surpreendidos por mudanças radicais dentro das carreiras das pessoas, para o bem ou para o mal. É preciso também manter os olhos abertos para o novo, sem nos viciarmos em uma espécie de ansiedade, que é muito comum ao crítico, que espera sempre a nova revolução que mudará o cinema a cada filme. Para concluir, o crítico nunca, nunca deve perder a paixão pelo cinema. Se isto acontecer por algum motivo, é melhor mudar de ramo. Parece óbvio dizer isto, mas não é.

O que é cinema?
Cinema é uma arte, um olhar múltiplo para a realidade, um sonho acordado, um caminho de ida e volta entre o imaginário e a razão do cineasta, dos atores e do público. É um ritual de exposição, de comunicação, de troca de emoções. Senão, não é nada.

Qual é a sua opinião a respeito do cinema nacional e suas sugestões para a produção brasileira?
O cinema nacional é muito rico, competente, sensível, diversificado. Somos capazes de uma produção em quantidade e qualidade altamente respeitáveis. Não temos nenhum motivo para ter complexo de inferioridade, muito menos de ficarmos preocupados demais com essa “falta de um Oscar”. Isto é bobagem. No entanto, o cinema nacional precisa ainda preocupar-se mais na formação de seu próprio público de amanhã. Ou seja: fazer mais e melhores filmes infantis, infanto-juvenis e juvenis. É preciso conquistar esse público, que fica muitas vezes cativo de grandes produções internacionais – que são altamente competentes, talvez, mas podemos ganhar uma parte do mercado deles. Para isso, é só encontrar a nossa originalidade, não copiar modelos que funcionam lá fora, em um esquema de produção completamente diferente.

Sobre o que você falou da prática de crítica na internet, o que você poderia acrescentar a respeito da interatividade? Os leitores participam das suas opiniões, costumam expressar os seus sentimentos a respeito daquilo que você escreveu, por exemplo? Tente oferecer alguns exemplos.
Os leitores (de internet, principalmente) sempre querem manifestar seus sentimentos e opiniões – em geral, quando são diferentes da opinião do crítico (e textos na internet favorecem a interatividade). Acho que a reação mais forte de que me lembro foi contra a crítica do filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson. Fui bem veemente contra a produção, que considero péssima e manipuladora, desonesta mesmo. Um leitor, certamente ultra-religioso, mandou mensagens me detonando e perguntando se eu tinha lido a Bíblia. O que não vem ao caso. Eu até tenho formação católica, estudei emcolégio de freiras, mas nada disso importa. Eu fiz uma crítica do filme, não da fé. O leitor não entendeu isso. Há pessoas que escrevem também para elogiar uma determinada crítica, manifestar que descobriram um filme por conta de alguma coisa que a gente escreveu. Isso é bem agradável.

Quais são as suas preferências estéticas?
Não sei se tenho preferências estéticas tão rígidas. De escolas de cinema, certamente não. Meus diretores favoritos são muitos: Orson Welles, David Lynch, Stanley Kubrick, Paul Thomas Anderson, Federico Fellini, Emanuele Crialese, Robert Altman, Ken Loach, Billy Wilder, Wim Wenders, Jean Renoir. Dos brasileiros, Walter Salles, Beto Brant, Karim Ainouz, Tata Amaral, Ana Carolina. Estou esquecendo muitos...

Entre as suas preferências estéticas, você mencionou alguns cineastas brasileiros e estrangeiros. No entanto, não citou Woody Allen, um cineasta sobre quem você já escreveu um livro. Embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra, eu me lembro que, ao final da exibição de "Ponto Final - Match Point", durante uma cabine destinada a jornalistas, você comentou que já o tinha visto em Cannes e que gostava muito do filme. Lembro até que você falou assim: “É um mestre, né?”. De alguma maneira, ele entraria em sua seleção de melhores diretores?
Listas são injustas porque sempre deixamos de fora alguns nomes essenciais. Woody Allen sempre entra na minha lista dos dez mais, até porque ele é um dos mestres da comédia, autor de algumas das tramas mais originais (aí, não só as cômicas) e de vários dos melhores diálogos da história do cinema. Ele é um mestre (conforme comentário feito após a sessão do filme) e "Ponto Final - Match Point" é uma das provas disso.

No entanto, ele não entrou na lista, como assim ficaram de fora outros dos meus mestres, que aproveito para acrescentar agora: Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Jia Zhang-Ke, Hirokazu Koreeda, Denys Arcand, Jane Campion, Ang Lee e, dos brasileiros, não podem faltar João Moreira Salles e Eduardo Coutinho, dois mestres do documentário mundial (Santiago e Jogo de Cena estão entre os melhores filmes de todos os tempos neste gênero) e, claro, Glauber Rocha. Como esquecer Charles Chaplin? Não dá.

O que você pensa sobre escolas de cinema? Um bom cineasta precisa ter freqüentado a escola?
Em geral, um bom cineasta precisa ter freqüentado a escola. Acho que ela, pra qualquer profissão, dá um mínimo de ferramentas, inclusive um pouco de cultura geral. Sem contar a convivência com um grupo que gosta das mesmas coisas. Esse intercâmbio é fundamental. Até porque o contrário seria um diretor genial, que nascesse pronto magicamente. De maneira geral, isso não existe.

Qual é o papel da imprensa/mídia especializada em cinema?
A mídia especializada em cinema deve oferecer textos inteligentes, bem-escritos, bem-fundamentados, que levem à descoberta dos filmes, que incitem os cineastas a pensar em coisas que não pensaram quando fizeram os filmes, contribuindo, assim, para o aperfeiçoamento da atividade cinematográfica como um todo. Uma coisa que muita gente não lembra é que os críticos vêem muitos filmes, e por isso têm muita bagagem para comparações. Alguns cineastas não podem dizer o mesmo, pois eles mesmos não conhecem tanto os filmes dos colegas como deveriam. Em geral, os bons cineastas são também cinéfilos.

Qual, na sua opinião, deve ser o papel do Estado na atividade cinematográfica?
O Estado deve estimular a produção cinematográfica de todas as maneiras, diretamente, indiretamente, por todos os mecanismos que forem viáveis. Também deve contribuir para a distribuição e exibição, dois pontos críticos no caso do cinema brasileiro. Muito se produz no Brasil, mas os filmes não chegam a todos os espectadores potenciais. Seria preciso haver mais salas populares no Brasil. Só o Estado pode estimular isso, já que as grandes redes internacionais não querem saber disso.

Você poderia selecionar os melhores momentos de filmes e de diretores? Dê alguns exemplos.
No quesito melhores momentos de filmes e de diretores seria outra lista interminável, mas cito alguns poucos: a chuva de sapos de "Magnólia", de Paul Thomas Anderson; a conversa do filho com a mãe “no céu” de "Édipo Arrasado", de Woody Allen, parte de "Contos de Nova York"; a seqüência em que o ator desce na tela em "A Rosa Púrpura do Cairo", também de Woody Allen; as seqüências em que os anjos descem sobre a Berlim dividida sobre o muro no início de "Asas do Desejo", de Wim Wenders; a fala final de "Quanto Mais Quente, Melhor", de Billy Wilder; a dança dos pãezinhos na mesa de "A Corrida do Ouro", de Charles Chaplin.

De acordo com a história do cinema, o que se pode esperar do futuro do cinema nacional e mundial?
Não dá para prever o futuro do cinema mas, tanto para o cinema nacional como internacional, é fato que a revolução tecnológica, como sempre, desde o começo da história do cinema, está produzindo uma grande renovação. Se as pessoas, como parece, vão assistir a filmes em mídias móveis, como palms e celulares, com certeza isto afetará sua estética. Os cineastas vão ter de mudar completamente seu modo de trabalhar. As câmeras digitais já estão propiciando muitas mudanças, especialmente por sua agilidade e redução de custos. Falta agora os cineastas se ligarem num fato: nem tudo é estética. Tem de haver uma boa história para contar e contá-la de maneira original. É a velha história da câmera na mão e da idéia (aliás, muitas idéias) na cabeça.

Qual é, na sua opinião, o papel do circuito de cinema? E das produções alternativas?
As mídias digitais vieram para ficar, não tenho dúvida disto. E, com elas, a pirataria, infelizmente, também ficou mais fácil. De um lado, sou realista – acho que não há como evitar algum nível de pirataria. Mas ela pode ser reduzida se as empresas produtoras e distribuidoras criarem mecanismos mais eficientes para download pago (a preço bem acessível), legal e controlado em seus sites, por exemplo. Sem contar medidas mais duras contra os piratas. Isto cabe a governos e à polícia. O “circuito de cinema” é a produção que sustenta a própria idéia do cinema como indústria. Isso existe desde sempre e é um tremendo desafio. Criar produções que falem com todos os públicos e de todos os países é uma ambição imensa e cara. Depende de uniformização das informações e do gosto, o que Hollywood tem feito com muita agressividade, usando inclusive mecanismos políticos do governo americano para impor o seu “padrão de qualidade”.

O domínio mundial de Hollywood cria algumas distorções – em prejuízo dos filmes locais. Alguns países se dão melhor nesse enfrentamento, criando leis locais de proteção (França, Coréia, Índia). Mas não é fácil. O Brasil ainda não encontrou um modelo para essa grande produção comercial fora das novelas – esse sim, nosso grande produtor de entretenimento comercial que deu muito certo e é, inclusive, exportado. Acho que o nosso cinema não pode viver disso, pois o modelo televisivo é empobrecedor. Precisamos, no entanto, criar novos modelos de comunicação com o público, comédias (não deu certo com a Atlântida nos anos 1940?), musicais e filmes infanto-juvenis – é preciso criar platéias para o cinema nacional desde pequenas...

As “produções alternativas” são aquelas de menor porte – mas não necessariamente de menor criatividade –, que rompem o cerco da indústria dominante (sempre é Hollywood, exceto em países que conseguiram dominar seu mercado interno, caso da Índia). Elas são fundamentais até para oxigenar o mercado, que se enche rapidamente de filmes que procuram imitar o padrão que fez sucesso algum dia, o que fatalmente leva a uma estagnação. Pode-se ver que Hollywood está sempre comprando os direitos para refilmar alguns sucessos, especialmente franceses. Há uma desesperada busca de novas idéias no grande mercado competitivo mundial.

terça-feira, 24 de junho de 2008

PERFIL DO CRÍTICO RICARDO CALIL

ENTREVISTA COM O CRÍTICO DE CINEMA
RICARDO CALIL

Antonio Carlos Egypto


Ricardo Calil é um jovem crítico de cinema, mas que já conta com uma experiência considerável na área. Aos 35 anos de idade, conseguiu acumular dezessete anos de trabalho jornalístico, quase sempre diretamente ligado ao cinema, sua paixão confessa desde a adolescência. Essa paixão pelo cinema se formou vendo principalmente os filmes clássicos norte-americanos, mas também lendo sobre filmes, nas críticas de Inácio Araújo, por exemplo.

Quando se decidiu por fazer jornalismo, já tinha em mente a crítica de cinema. Na primeira aula do curso, quando indagado por seus interesses na área, já manifestou claramente essa escolha. A ele parecia uma boa idéia viver de assistir a filmes e refletir sobre eles.

Diz um ditado chinês que quando a gente sabe aonde quer ir os outros nos dão passagem. Com Ricardo Calil, o ditado parece confirmar-se. Ainda cursava o primeiro ano de jornalismo, com 18 anos, e já ingressa na Folha de São Paulo, mais precisamente na Agência Folha. Dois anos depois, vai para a Ilustrada, o caderno de cultura do jornal. Ali trava contato com boa parte das pessoas que admirava, como o próprio Inácio Araújo, José Geraldo Couto, Alcino Leite, Sérgio Augusto e Ruy Castro. Foi sua escola, muito mais do que a faculdade de jornalismo. Seus primeiros textos sobre cinema são daquele período: uma crítica de vídeo, um texto ou outro. Vai para o Jornal da Tarde, passa pelo Caderno de Turismo, mas chega aonde queria: o caderno de cultura.

Nessa época, resolve cursar cinema na ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) para fazer melhor o seu trabalho e realizar outros sonhos, mas não conclui o curso. Estava na agitação da redação e acabou sendo enviado a Nova York, para fazer cursos de extensão universitária em cinema. Fica lá por três anos, onde acontece seu primeiro trabalho pela Internet, editando a área de cultura do portal Starmedia. Torna-se correspondente de cultura do jornal “A Gazeta Mercantil”, que tinha um caderno cultural muito conceituado, na época, editado por Daniel Piza, que saía às sextas-feiras, chamado “Fim de semana” (o caderno segue existindo). Lá teve total liberdade para escrever sobre cinema, até porque sempre acabava vendo os filmes com maior antecedência.

De volta ao Brasil, foi trabalhar na Internet de novo, sendo que após dois anos da volta integra o site “No mínimo”, muito bom, feito por jornalistas cariocas. Lá, durante três anos, foi colunista e depois blogueiro de cinema, DVD e TV. O site terminou há pouco e foi uma experiência que ele valoriza muito.

Trabalhou também por algum tempo na revista Bravo, para a qual ainda colabora. Foi, então, convidado a ser editor de cinema do UOL, onde atua, além de ser colaborador da Folha de São Paulo. Há dois anos escreve no Guia da Folha, um espaço pequeno, mas uma vitrine muito grande, com repercussão significativa.

É uma experiência rica e variada, que vai solidificando uma carreira na crítica de cinema que, a rigor, foi uma extensão natural de sua condição de espectador. Quando falo sobre isso, ele responde modestamente que ainda está formando essa condição de crítico, pois tem lacunas a preencher, como o conhecimento da chanchada brasileira e do cinema clássico japonês.
O seu jeito de abordar as coisas também passa a idéia de alguém não só modesto, como ponderado, equilibrado, cuidadoso e que organiza bem seu tempo. Desde o nosso primeiro contato por e-mails para a entrevista, ele foi pronto, gentil e atencioso. Como para mim não é fácil abordar estranhos, ainda mais pedindo coisas, eu comecei tratando-o formalmente de senhor.

Sua resposta foi afirmativa, me passou telefones para marcarmos a conversa, mas não deixou de mencionar que não se via como um “senhor”. Claro que o senhor era eu, 26 anos mais velho, não ele, que, apesar de bem sucedido, ainda se vê em formação!

Ele mesmo atende ao telefonema, mas só se identifica após a minha identificação. Ele pede que eu lhe faça nova ligação, na semana seguinte, para acertarmos dia, hora e local. Volto a ligar, ele atende, reconheço a voz, mas ele repete o mesmo cuidado anterior, mecanismo que provavelmente o protege de contatos inconvenientes. Acertamos tudo, inclusive o tempo de duração da entrevista: uma hora, disponibilidade que lhe parece adequada.

Na entrevista, uso um gravador de fita que conclui o lado A aos 45 minutos. Ele nota, averigua o tempo percorrido e aponta que não podemos ir além do tempo combinado. Tudo de forma muito gentil, sem nenhum resquício de agressividade e sem demonstrações de ansiedade.
Esse jeito moderado de se comportar se reflete nas suas opiniões: abertas, isentas de qualquer forma de radicalismo e muito ponderadas. São, porém, idéias bem definidas e consistentes.

UMA RESPOSTA PESSOAL

À indagação “O que significa o cinema para você?”, Calil responde assim:

“É uma paixão. Difícil entrar nisso sem entrar em questões pessoais. Me vejo como uma pessoa introvertida. Por essa introversão, usei o cinema como uma espécie de anteparo em relação ao mundo. Para mim, sempre foi muito mais confortável ver o mundo através dessa janela do cinema, o cinema tem essa importância para mim, é, de certa forma, um refúgio. Passa por isso. Pessoalmente, tem esse nível de importância”

O EXERCÍCIO DA CRÍTICA

É muito comum encontrar na crítica o juiz, aquele que diz se o filme é bom ou não. A crítica deve ter um papel formador, fornecer ferramentas para melhor compreensão, dar uma base histórica, cultural, para que a própria pessoa possa decidir sobre o filme. É um serviço, um diálogo; mais do que uma imposição de opiniões, é uma maneira de compartilhar idéias. E, se possível, ampliar a visão do público. É o que Ricardo Calil busca, ao cumprir essa função, mas acha que nem sempre consegue e nem a resposta do público é a que imagina, muitas vezes.

O retorno do público era imediato, quando tinha o blog, chegou a ter 300 retornos em cima de um e-mail. Sempre que escreve pela Internet tem retorno. Já no jornal, muito pouco. Acredita que a relação do jornal com o público é menos democrática, mais autoritária, há um certo trabalho para as pessoas se manifestarem. O feedback no jornal sempre foi menor, mas, quando acontece, é mais profundo, a pessoa se deu ao trabalho de acompanhar o que você escreveu. Na Folha de São Paulo há muito retorno no dia-a-dia, pessoas que o encontram e dizem que estão lendo seus textos, outros que o encontrando na Internet, no Orkut ou pelo Messenger dizem que querem ser amigos, ou se corresponder, porque costumam ler suas críticas.

Ao fazer a crítica, Ricardo pensa no público para quem vai escrever, já que escreve para vários lugares e cada lugar tem seu público. Na Internet, às vezes utiliza algum termo, como travelling, sem explicar, porque supõe um público mais especializado e que conhece o trabalho que ele desenvolve. Mas quando o site está ligado a um portal, com público mais heterogêneo, é preciso levar isso em conta. Na Folha, escreve para um mínimo denominador comum, leitores que têm um conhecimento mínimo de cinema. Então, se cita um cineasta menos conhecido, tem de explicar.

Mas não pensa no público no sentido de agradá-lo. O que tenta é se comunicar da maneira mais transparente com ele.

Reconhece que tanto os critérios da crítica quanto a avaliação do público receptor envolvem aspectos subjetivos, mesmo que se disponha de alguns dados, como idade ou escolaridade média dos leitores. Não muda seu pensamento sobre o filme por causa do público, mas muda um pouco a linguagem.

Aparentemente, a escolha do filme a ser analisado já dá pistas sobre as preferências do crítico, mas há que considerar que muitas vezes o crítico é pautado, como na Folha ou na Bravo, e o editor interpreta o que cabe melhor a que crítico. Mas sempre que tem a possibilidade de escolher o que analisar, Ricardo leva em conta que alguns filmes são obrigatórios de se escrever sobre eles, por serem muito importantes e outros, porque o filme atrai um público vasto. É importante não desprezar os fenômenos culturais nem os fenômenos econômicos do cinema. Exemplifica com “Santiago”, no primeiro caso, e “Homem Aranha 3”, no segundo, filmes que ele julgou necessário analisar.

Ver e apreciar um filme e ter de escrever sobre ele é diferente? Ricardo julga que vai mais desarmado quando não tem que escrever, vai um pouco menos atento, um pouco mais relaxado. Tenta, dentro do possível, deixar que o filme o emocione, toque ou fale com ele num nível mais primário, instintivo ou emocional. Depois tenta racionalizar um pouco essas sensações, quando faz a crítica.

Revê o filme quando sente que ele não está fresco na memória, quando, por exemplo, há o lançamento do DVD. Ou quando o filme que vai estrear foi visto na Mostra do ano anterior. O ideal é mesmo ver o filme, pelo menos, umas duas vezes.

Às vezes acontece de ele sentir que foi injusto com um filme e que pessoas que admira dizem o oposto. Acha que tem de rever esse filme, talvez tenha sido pouco generoso ou condescendente. No jornal, não dá para voltar atrás e revisar o comentário, na Internet isso é possível.

HISTÓRIA DO CINEMA

Para falar dos momentos mais ricos da história do cinema, Ricardo recorre à sua formação e cinefilia. O gosto pelo cinema começa com o cinema norte-americano clássico de Billy Wilder, Alfred Hitchcock, Elia Kazan. A base do cinema, no entanto, está lá no expressionismo alemão. E também em todos os outros movimentos que se contrapuseram a esse cinema clássico narrativo: o neo-realismo italiano, a nouvelle vague francesa, o cinema novo brasileiro, o cinema marginal brasileiro de Júlio Bressane, Rogério Sganzerla e Andrea Tonacci, que admira tanto quanto o cinema novo.

Não dá para fugir desse senso comum, são os momentos fundamentais: o cinema norte-americano estabelecendo o padrão e os outros cinemas apresentando os desvios mais interessantes a esse padrão, incluindo aí o próprio cinema americano dos anos 1960 e 1970: Scorsese, Coppola, o que também já é uma contaminação do classicismo por esse respiro desses cinemas novos mundiais. É importantíssimo conhecer todos esses filmes, sem deixar de estar atento ao que está acontecendo por aí.

Ao pedido de que apontasse uma cena de cinema que particularmente o tocasse, ele disse que a cena que mais recorda em termos afetivos é o final de “Os Incompreendidos”, de Franços Truffaut, a corrida do protagonista em direção ao mar.

PREFERÊNCIAS DO CRÍTICO

Ricardo Calil não tem problemas com nenhum gênero de filme ou país de origem, seus gostos são variáveis. Também não tem problemas com os blockbusters norte-americanos. Sua lista de melhores do ano, que ele tinha acabado de fazer, tinha um pouco de tudo: Hollywood, cinema brasileiro. Curiosamente, não tinha cinema asiático, que havia sido destaque no ano anterior.

Segundo ele, há coisas interessantes e desinteressantes vindas de todos os lugares. Uma das brincadeiras que a crítica faz é tentar identificar certas ondas, tendências do cinema, por gênero ou geografia. No ano passado, era claro que havia algo muito interessante vindo da Ásia: da China, Hong Kong ou Taiwan. Cineastas muito importantes, muito consistentes, de uma região delimitada, se destacaram, como Jia Zhang-Ke, Wong Kar-Wai e Tsai Ming-Liang. Antes disso, houve a onda argentina, com bons cineastas. Agora, fala-se muito na Romênia e não só por “4 meses, 3 semanas e 2 dias”. Teve a fase do cinema iraniano, a fase do dogma dinamarquês. Então, por conta das circunstâncias, algumas cinematografias se destacam.

CINEMA BRASILEIRO

O público tende a ser injusto com o cinema brasileiro (e a crítica, às vezes, condescendente). Por uma seleção natural, o que a gente vê do resto do mundo é o melhor. Do cinema brasileiro, a gente vê de tudo e chega a achar que é o pior dos cinemas. É tão bom ou tão ruim quanto qualquer outro cinema. Se todos os filmes argentinos chegassem aqui, a gente ia ter uma visão pior do cinema argentino.

O cinema brasileiro vive de algumas exceções, de alguns talentos, mas existe um problema, que é a maneira como ele é produzido. Acabam-se realizando filmes sem riscos artísticos, por causa dos financiamentos. Como essencialmente empresas estatais e privadas escolhem que filmes vão ser feitos, tendem a fazer apostas mais seguras em filmes mais comerciais, que não agridem ninguém, mas também não provocam ninguém. Isso inibe experimentos mais ousados. O cinema brasileiro tem uma longa batalha para reencontrar um público perdido, a gente não encontrou a fórmula para isso ainda, mas Ricardo gostaria que, além dessa tendência majoritária de reencontro com o público, existisse alguma prioridade para filmes que estão tentando fazer a linguagem avançar, de alguma forma, filmes que não tentem reproduzir fórmulas da TV ou de fora.

Afinal, há cineastas muito interessantes de várias gerações, trabalhando no cinema brasileiro.
É a favor do incentivo fiscal para filmes e de que haja mecanismos claros e critérios mais rigorosos para esses incentivos. Um exemplo de sucesso nisso é a Petrobrás. Ela monta uma comissão de julgamento de projetos com pessoas convidadas, de fora da empresa, a cada ano, envolvendo cineastas, críticos e professores. O ideal é que os mecanismos continuem, sejam rigidamente controlados, para que não haja nenhum tipo de falcatrua, e que as decisões estejam nas mãos de pessoas que entendam de cinema, que amem cinema.

As escolas de cinema são fundamentais num país como o Brasil, com uma história de cinema tão acidentada. É um espaço de formação e de reflexão. O lastro de formação que essas universidades podem dar é importante. Se uma pessoa tem só a técnica e a outra tem a técnica e a base teórica, esta última estará mais apta a ser um bom cineasta e, com certeza, um bom pensador do cinema.

Do que ele mais gostou do cinema brasileiro, ultimamente? “Santiago”, de João Moreira Salles, “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho, “Cão sem Dono”, de Beto Brant, “Mutum”, da Sandra Kogut. No ano anterior, “Céu de Suely” e “Crime Delicado”, são filmes que o interessaram, porque conjuga coisas como o desejo de se comunicar com uma parcela, maior ou menor, do público, mas tentam sair do senso comum, tentam fazer cinema, não teatro, nem literatura.

Quanto a “Tropa de Elite”, de José Padilha, o filme foi muito analisado ideologicamente, pouco analisado cinematograficamente. Ele gosta do filme, no geral, tem restrições ideológicas e cinematográficas, mas trata-se de filme importante, poderoso, a energia é inegável. Falta essa energia a outros filmes brasileiros. É importantíssimo que esse filme tenha se tornado fenômeno de público sem propaganda, no boca-a-boca das pessoas. O que muitos tentam, que é encontrar uma brecha de diálogo com o público, ele conseguiu de uma forma muito incomum, que não é a forma do marketing.

CIRCUITOS DE EXIBIÇÃO

O ingresso de cinema está muito caro, é um problema que precisa ser atacado. É necessário oferecer alternativas mais baratas. É improvável que as grandes redes façam isso, porque lidam com a lógica própria do mercado.

O governo brasileiro investiu nos últimos anos em uma série de fatores, aumentou a produção, hoje a gente faz 50 filmes por ano, na década de 1990 quase não se fazia filme. Só que tem de haver investimento também em salas de cinema e ingresso popular. Se o grande problema do cinema brasileiro é a distribuição do filme, cujo espaço ainda não foi encontrado, ele poderia ser sanado por essas salas com ingresso popular. Isso só pode ser uma iniciativa do Estado, se ele não fizer, ninguém fará. A rede Cinemark pode fazer um dia por ano a R$2,00, não vai fazer 360 dias a R$7,00. Não é que ele seja partidário da intervenção do Estado na vida cultural, mas, já que o Estado financia tanta coisa, por que não investir nessa área?

O FUTURO DO CINEMA

Diante das novas mídias digitais, o cinema está mudando. Ricardo Calil acha que o cinema não morrerá, mas também não sairá ileso. Vai se transformar, vai virar outra coisa. Ele crê que o cinema como espaço físico não deixará de existir, mas a tendência é que perca a importância, gradativamente, essa idéia clássica, tradicional e romântica de você se deslocar e ir até o cinema. O feedback que as pessoas dão atualmente é: está muito caro, está muito complicado, os caras do meu lado são muito chatos, as pessoas fazem barulho, tem fila, tem que pagar estacionamento, a pipoca é cara ...

É diferente, mas as gerações que vêm depois de nós já têm uma relação completamente distinta com a idéia do tamanho da tela. Ele não baixa filmes pela Internet, mas uma série de amigos e críticos um pouco mais jovens (de até 30 anos) fazem isso com uma facilidade, uma freqüência assustadora. É um novo tipo de cinefilia.

Antigamente, a gente ia ao cineclube porque só lá você iria ver aquele filme polonês em preto e branco, da década de 1950. Hoje, você pode baixar no seu computador. Ao mesmo tempo em que a gente nostalgicamente sente falta do cineclube, existe um movimento muito interessante de cinefilia, de amor ao cinema, que é viabilizado por essas novas tecnologias.

Não temos que temer as mudanças, mas lutar para que o cinema não morra de vez. Ricardo não é pessimista quanto a isso, acredita que o cinema resista, a produção será democratizada com a câmera digital, o jogo vai ser separar o joio do trigo. Mas haverá mais gente fazendo cultura, arte, em proporções maiores.

Ricardo gosta da tela grande, da imersão; quando pára, como no DVD, a fruição do filme fica prejudicada. Além disso, na tela pequena é mais fácil você gostar de um filme em close, que você tenha definição, do que gostar de filmes abertos, mais sofisticados; você valoriza menos isso numa tela menor, esse é um efeito colateral indesejado. Mas sempre haverá espaço para um cinema mais refinado. Pode ser cinema, ou não, mas vai ter espectador para ele, sim.

NOVOS CAMINHOS?

Aproveito o final da entrevista para comentar com ele um filme que ele analisou para o Guia da Folha e deixou dúvidas no ar. “A Lenda de Beowful” trabalha com tudo computadorizado a partir das imagens e interpretações dos atores e foi exibido em 3D, tornando o espetáculo muito sedutor. Ele se interessou por essa tecnologia, assim como eu, mas se perguntou se esse é um dos caminhos desejáveis para o cinema.

Acredita que seja uma porta nova, mas até que ponto queremos entrar por esse caminho? Acha interessante a proposta, não temos que ter medo dela, mas ficaria chateado se o cinema virasse 90% isso. Pode ser entretenimento, mas tem de ser variado. Acha que sempre haverá espaço para o classicismo e para a estrela do cinema. As pessoas não são substituíveis, nem serão.

O que assusta é quando a gente se aproxima da homogeneização. Mas não é o caso. O que mais se aproxima disso é Hollywood, mas mesmo lá sempre aparecem exceções muito interessantes. Vamos ver o que acontece daqui a uns dez anos, porque tudo isso ainda é muito novo.